Notas Pastorais I




OÁSIS PERIÓDICO

1. Animação do interior


Na última nota escrevi sobre a desertificação do interior e algumas medidas eclesiais para aquecer o inverno demográfico. É claro que nada se resolve por decreto nem temos uma varinha mágica para inverter o processo de contínua desertificação. Nem sequer o governo ou a comunidade europeia.

Mesmo fazendo parcerias com todos os responsáveis há algo que depende da natureza e da vontade de cada pessoa em idade fértil. Sem desejo de simplicidade e de vida austera, vai ser impossível reter as pessoas no interior. O ambiente está contaminado e o estilo de vida da juventude rema em direção ao litoral e aos grandes aglomerados. Outrora os monges fugiram para o deserto, julgando impossível o seguimento de Cristo na cidade. Estes monges não constituiram família de sangue. Mas deram origem a uma grande família dos discípulos de Cristo.

No descampado do Alentejo encontram-se muitas comunidades exotéricas e famílias de origem estrangeira que trocaram o rebuliço de países altamente industrializados pela simplicidade de vida do nosso interior. Embora muitos não provenham de comunidades cristãs, no entanto cultivam e buscam realizar valores que contrariam a desertificação humana e ecológica do planeta. Sem mencionar nomes, aqui deixo o meu respeito e admiração.

Além destas minorias que remam em contra-mão, vem aí um mês em que o nosso interior se anima e converte num oásis temporário com as férias dos emigrantes e as festas populares que se realizam nas aldeias. Mas a par dos benefícios económicos e de convivência humana, também ocorrem alguns malefícios, criando uma certa depressão nas pessoas que aí ficam durante todo o ano, sobretudo quando há ostentação de riqueza por parte de uns ou mau acolhimento por parte de outros, avessos a algumas modernices.


Também nisto a Igreja tem uma missão a cumprir. O clero, normalmente conhecedor de diferentes culturas e ambientes, deve ajudar as pessoas a dialogar umas com as outras, vendo, escutando, perguntando, sugerindo, de modo que o conhecimento mútuo e a convivência contribuam para o enriquecimento e satisfação de todos. A arrogância fica sempre mal, seja por parte dos ignorantes, seja dos que se julgam sábios.

Muitos emigrantes pedem os sacramentos da Igreja, até para darem uma satisfação aos familiares que não emigraram. Nem sempre as razões que alegam dão garantias de continuidade da vida cristã por parte de quem os pede e recebe. Com paciência e sabedoria seria bom dialogar sobre as condições de vida cristã e os ambientes nos países de acolhimento, pois, na maioria dos casos, há possibilidades de acompanhamento eclesial.

Em países sem raízes cristãs será mais difícil. Mas com os imensos meios de comunicação existentes, poderemos sempre regar o terreno onde a vida cristã foi plantada. É preciso sermos criativos e fazer do crescimento humano e cristão uma área fascinante de busca contínua. Aqui fica uma sugestão para a Semana das Migrações, de 10 a 17 de Agosto, com o ponto alto da peregrinação ao Santuário de Fátima, a 12 e 13 do mesmo mês.

2. Convivência, missão e descanso em tempo de férias

Vivemos num mundo acelerado, estressante, sem tempo nem disponibilidade para ouvir os outros, conviver, descansar. Mesmo as férias deixaram de ser um tempo de lazer, propício para conviver com familiares e amigos, para nos cansarmos ainda mais no turismo de massas.

Vivemos num tempo de mobilidade, uma por necessidade económica ou de segurança, mas também por motivos culturais, de desporto, de saúde ou de lazer. Importante é fazer do acontecimento algo de profundamento humano e de enriquecimento mútuo. O encontro, o diálogo entre povos e culturas num ambiente acolhedor e de hospitalidade são caraterísticas da dignidade e da riqueza da pessoa humana e um forte contributo para a paz entre os povos. Por outro lado, este ambiente de paz, de simplicidade e de acolhimento alegre e gentil são fortes atrativos para o turismo e este um grande motor do desenvolvimento, em todas as dimensões. Ao mesmo tempo um ambiente destes contribui para o descanso de quem viaja em tempo de férias.


Conscientes desta riqueza do fenómeno do turismo, cujo Dia Mundial se celebra a 27 de Setembro e para o qual a Santa Sé costuma publicar uma mensagem, também a Igreja em Portugal criou uma Obra Nacional da Pastoral do Turismo, cujo atual Director é o pároco do Luso, padre Carlos Alberto Godinho, que acaba de publicar uma nota com ideias sugestivas para a pastoral do turismo, sobretudo naquelas regiões onde este fenómeno é mais notório, como acontece na altura das férias escolares e nos grandes centros balneares.

Também a costa alentejana é muito procurada nesta altura do ano, sobretudo por famílias com crianças pequenas. Por isso exortamos as nossas paróquias do litoral alentejano a organizar-se neste sentido, desenvolvendo boas práticas de hospitalidade, de acolhimento e de momentos de oração e de cultura religiosa, em horários apropriados.

Foi providencial terem acabado de chegar a Milfontes, vindos do Brasil, os Missionários Servos de Maria do Coração de Jesus, um grupo alegre, jovem e piedoso, que começará a sua missão nessa terra da nossa diocese, que no verão é frequentada por muita gente, vinda do interior e dos grandes centros. Damos-lhes as boas vindas e desejamos-lhes missão fecunda em terras alentejanas.

† António Vitalino, Bispo de Beja
16 de Julho de 2014




Desertificação do interior

1. Inverno demográfico

Nas últimas semanas o governo começou a dizer que precisamos de atacar a crise de emprego e de natalidade e criou uma comissão para estudar políticas favoráveis. Como sabemos, nos últimos anos tem aumentado o número de desempregados, diminuído o número de nascimentos, subido o envelhecimento da população e o número de emigrantes. Em algumas zonas do país houve uma ligeira compensação com a entrada de imigrantes, sobretudo para setores menos procurados pelos nativos, como é a área da agricultura.

Isto afetou mais o interior que o litoral e os grandes centros urbanos. Nos 17 concelhos da diocese de Beja houve um decréscimo de quase dez mil habitantes entre 2001 e 2011. Nos concelhos do litoral alentejano manteve-se a população, sobretudo devido aos imigrantes. Em algumas freguesias do litoral a população residente estrangeira é superior à autóctone, como, por exemplo, em S. Teotónio. Isto reflete-se também na pastoral das paróquias, onde o número de batismos, de crianças na catequese, de matrimónios e outras áreas tem vindo a diminuir.

Quais serão as causas? Certamente que são muito complexas e múltiplas e não podemos atribuir tudo à crise económica, pois já houve épocas de grande pobreza e, apesar disso, havia uma grande natalidade.

Consciente de que muitos fatores ficam por nomear, na brevidade deste apontamento vou atrever-me a mencionar algumas causas. Em primeiro lugar, o individualismo e a falta de confiança na vida e no futuro é transversal a todos os problemas demográficos. Podemos dizer que o inverno, o frio, o encolhimento das pessoas sobre si mesmas tem aí a primeira causa.


Depois podemos também indicar o adiamento da constituição de família e da assunção da responsabilidade pela própria subsistência, a formação dilatada, as exigências do estilo de vida moderno e outras causas afins também contribuem para a crise demográfica.

Razões mais específicas e próximas para a desertificação do interior são a falta de investimento empresarial, social e cultural, concentrando tudo isso nos grandes centros do litoral. Mas isso torna-se um círculo vicioso. Um fator acarreta outro e quando se acorda já é tarde para romper esse círculo. Ultimamente fala-se do encerramento de muitas escolas do primeiro ciclo com menos de 21 alunos, a maioria no interior, como antes se falou dos centros de saúde, de repartições públicas, de outros serviços importantes para a qualidade de vida das pessoas.

Com a crise financeira e económica temos de reestruturar o país, fazer o indispensável com menos recursos. E aqui voltamos à primeira causa. Com o crescente individualismo ninguém quer perder o seu estatuto, tornar o seu estilo de vida mais austero, partilhar tempo e recursos em ações de voluntariado, para tornar a vida familiar e social mais atrativa no interior, dando-lhe a qualidade humana que não é possível no anonimato dos grandes centros urbanos.

2. Desafios às dioceses do interior

Esta situação coloca um grande desafio à Igreja e às dioceses do interior. Não havendo jovens, também dificilmente surgirão candidatos para futuros padres. No entanto, a proximidade às pessoas não se faz apenas através do clero. É necessário fazer das nossas pequenas comunidades centros de vida fraterna, de formação humana e espiritual, de partilha das alegrias e das tristezas, dos êxitos e dos fracassos, tornando os nossos ambientes mais transparentes, de pessoas próximas e atentas umas às outras. Isto faz-se com o envolvimento de todos, com muito voluntariado dos leigos e boa coordenação diocesana.

Esta personalização comunitária do ambiente das nossas aldeias e vilas do interior deve necessariamente começar pela família, fomentando a corresponsabilização de todas as gerações pelo bem de todos, cada um atento aos outros, sobretudo dos mais frágeis, comunicando-lhes o carinho de que carecem.

As nossas paróquias, clero, colaboradores e amigos devem dar prioridade a este contacto humano e descobrir com imaginação e criatividade os meios simples para o facilitar. Mesmo com meios pobres se consegue criar ambientes de confiança e alegria entre as pessoas. Aqui está um meio ao alcance de todos, para tornar as nossas terras do interior viveiros de alegria e fraternidade.
Para não me alongar na sugestão de meios ao nosso alcance, deixando-os à criatividade das gentes da nossa terra, indico apenas um da área cultural e artística, muito próprio do povo alentejano.


O nosso povo gosta de cantar e tem belas canções, narrando a história das nossas terras e das nossas gentes. As nossas igrejas são belas e temos um rico património, que queremos dar a conhecer ao país e ao mundo. Fazer o levantamento dessa história e cultura, dando-lhes vida nos nossos ambientes, contribuirá para levantar a nossa autoestima e despertar o interesse de turistas e de imigrantes para o segredo do nosso estilo de vida, alegre e fraterno, apesar da simplicidade de recursos.

Também nisto todos podemos colaborar, para que não desertifique o interior e muito menos os seus habitantes fujam do ambiente triste e sem esperança para o qual nos deixamos empurrar. A alegria do Evangelho começa por aqui. Nisto reside a nossa esperança e a nossa força.


† António Vitalino, Bispo de Beja – 08JUL2014


Produtividade e avaliação
1. Avaliação
Nas escolas, nas universidades e nas empresas faz-se avaliação contínua, mas também periódica, sobretudo no final do ano fiscal ou do ano escolar, antes das férias. Mas também na Igreja, nas dioceses, paróquias, serviços e movimentos isso se faz ou deveria fazer. Os critérios de avaliação são diferentes, conforme a área em que nos ocupamos. Enquanto nas empresas predomina o critério do lucro, que depende de muitos fatores, na Igreja olha-se mais aos frutos e aos agentes que os produzem, as pessoas, na sua dignidade e qualidade, enquanto seres humanos, dotados de muitas capacidades e possibilidades.


A produtividade e o êxito não serão possíveis sem abertura aos mestres, sem vontade de aprender, sem método, sem esforço e sem disciplina de trabalho. Mesmo no mundo do desporto e do futebol, com o campeonato do mundo a decorrer no Brasil, constatamos que não basta ter nas equipas os melhores jogadores do mundo. Sem treino, disciplina e estratégias inteligentes, muito estudadas e treinadas, algumas das equipas com muitos jogadores famosos e tradicionalmente candidatas aos lugares cimeiros, tiveram de arrumar as chuteiras e as malas mais cedo.

Nas escolas e universidades constatamos muitos chumbos e um baixo nível da escolaridade. Mas muito pior que isso é a natalidade que já não repõe as gerações e a redução do número de alunos, o que provoca falta de aulas para muitos professores e, daqui a algum tempo, os mais velhos não vão ter quem cuide deles ou desconte o suficiente para as suas reformas.

As empresas que apenas produzem bens de consumo, nem sempre para satisfazer verdadeiras necessidades da sociedade, também estão em risco de desaparecer. E aquelas que estão no mercado terão de produzir de modo a poder concorrer com as suas congéneres e ainda gerar lucros para quem nelas investe.

E a Igreja como pode avaliar o seu trabalho, o seu ano pastoral? Todos os anos se fazem planos pastorais, com objetivos, metas e etapas, meios e recursos humanos, mas muitos agentes, comunidades e serviços permanecem na rotina, na repetição de atos de conservação, sem criatividade para entusiasmar e rejuvenescer os seus membros. Mesmo aquilo que é essencial na vida cristã precisa de ser vivido e celebrado de modo novo, com alegria e esperança.


No final deste ano ordenámos dois novos presbíteros, mas não houve candidatos para o seminário, maior e menor. Em que falhámos? Uma instituição que não se renova, que não pensa nos frutos, na produtividade, acaba por desaparecer. Nisto todos temos de fazer a nossa avaliação, confessar o nosso desleixo e até mesmo inércia e procurar implementar uma medicina curativa.

Mas avaliar não é um fim em si, uma constatação sem consequências. Isso seria uma pura perda de tempo e de energias. O rejuvenescimento, formação permanente das pessoas e a disciplina são importantes para o futuro da sociedade e da Igreja. Como fazê-lo? Com o olhar e a atenção interessada de todos conseguiremos aumentar a produtividade e a qualidade dos frutos. Mãos à obra.

2. Definição das prioridades e disciplina
Deixando o vasto campo da atividade humana e olhando apenas para a especificidade da ação da Igreja, aponto agora algumas prioridades da nossa missão eclesial.

Em primeiro lugar, em tudo devemos tentar melhorar a relação das pessoas com Deus, entre si e com a natureza envolvente. Já dizia Santo Ireneu no século II: Deus quer o bem das pessoas, porque as ama. Por isso quer que tenham a vida em abundância. E em que consiste a vida? Na relação fundamental da pessoa com Deus, cuja perfeição se consegue na visão beatífica. Ajudar as pessoas e despertá-las para esse bem é a principal missão da Igreja. Mas quase como condição prévia de toda a produtividade é o ambiente de confiança, alegria na missão e coordenação clarividente entre todos.


Depois temos de descobrir os meios mais adequados à mentalidade e cultura das pessoas, para nelas despertar este desejo de procurar a verdade e a verdadeira vida. Isto não se impõe, mas propõe. O modo como o fazemos, as embalagens das nossas propostas nem sempre são belas e atrativas. Muitas vezes respondemos a questões que ninguém nos fez e são do nosso exclusivo interesse. Ou então propomo-las numa linguagem incompreensível para a maioria. A inculturação das nossas expressões da fé requer muito estudo, oração e trabalho de equipa. Os sínodos na vida da Igreja são importantes para a presença ativa da Igreja em cada tempo. Também na nossa diocese o estamos a fazer. Mas temos de ouvir todos os agentes da cultura e da sociedade, mesmo que não sejam membros visíveis das nossas comunidades cristãs. Daí a necessidade de formação continua e permanente, que nem todos aproveitam.

Para não me alongar nestas considerações, apenas quero comunicar que tenho estado envolvido em muitas reuniões de avaliação pastoral e em breve penso comunicar alguns resultados desse trabalho, não apenas transferindo e nomeando membros do clero e leigos para diferentes lugares, missões e serviços, mas também reestruturando algumas estruturas pastorais, em ordem a poupar recursos humanos e económicos, mas sobretudo em vista da vitalidade e produtividade do nosso trabalho, cujo objetivo deve estar sempre diante dos nossos olhos: o bem das pessoas através da sua integração em comunidades dinâmicas, alegres e fortes na comunhão e na esperança.

Definidas as prioridades da nossa ação e estabelecidos os meios para as realizar, precisamos de ser fiéis e disciplinados, e não apenas criativos e improvisadores. Assim queiramos e Deus nos ajude.

 † António Vitalino, Bispo de Beja
01 de Julho de 2014



Guias carismáticos
1. Guias experientes

De vez em quando ouvimos dizer que algum turista ou explorador morreu ao aventurar-se por terrenos perigosos e desconhecidos, sem nenhum guia experiente. Ainda nestes últimos dias aconteceu isso numa das ribanceiras das famosas levadas da Madeira. Também a Igreja tem por missão acompanhar e guiar os peregrinos do além, um horizonte para o qual precisamos dos olhos da fé.




Na semana passada celebrámos a solenidade do Corpo de Deus, festa instituída no século XIII para acentuar uma vez mais o modo maravilhoso como Jesus quis ficar com os seus discípulos, prolongando no tempo aquilo que fez na última Ceia: a instituição da Eucaristia, a doação da sua vida, para que nós tivéssemos a vida em abundância.

Este sacramento tem o nome de viático, quando dado a pessoas doentes, necessitadas de forças interiores e corporais para fazer uma travessia difícil, a doença. O pão e o vinho, alimento e bebida quotidianos, quando consagrados tornam-se presença real da entrega de Jesus para nossa salvação, para a vida eterna. Um mistério de presença e de alimento que nunca agradecemos e adoramos em demasia.

Associado a este modo de presença através da história, Jesus mandatou os seus apóstolos: fazei isto em minha memória. Mas, no início dessa última ceia, Jesus teve um gesto, que desejou que ficasse também para a vida e missão dos apóstolos. Lavou-lhes os pés como sinal do seu amor, que o fez servo de todos, e disse-lhes: como Eu vos fiz, fazei vós também. Assim os apóstolos, para cumprirem o legado de Jesus, têm de continuar a celebrar o memorial da última ceia, a Eucaristia, e servir os seus irmãos, os discípulos de Jesus, amando-os como Ele os amou, muito especialmente nos momentos de debilidade. Nisto o mundo reconhecerá que são discípulos de Jesus.

Na tradicional procissão que, na cidade de Beja, encerra a festa do Corpo de Deus, este ano partindo da igreja de S. João Batista para a Sé, junto ao castelo, vendo as pessoas, de todas as idades, que caminhavam, cantavam e rezavam pelas ruas da cidade e muitas ajoelhavam diante da pequena custódia com a hóstia consagrada, que eu segurava nas minhas mãos, pensava em todos os meus antecessores que nos transmitiram a fé.

Ao mesmo tempo perguntava-me: será que a minha geração o está a fazer também em relação à próxima? Como ser testemunha da fé num mundo globalizado pela técnica, de relações massificadas e anónimas? Como e quem nos introduzirá na sabedoria do mistério da vida, na profundidade do sentido da existência, na comunhão com todos e na atenção uns aos outros, para que ninguém fique excluído ou seja empurrado para a berma dos nossos caminhos?

Enquanto assim reflectia, o meu olhar fixava a hóstia que segurava nas minhas mãos e sentia uma resposta para a minha vocação e missão. A humanidade precisa de guias carismáticos, que sejam pedagogos experimentados, que façam continuamente a experiência de Jesus, caminho, verdade e vida para a plenitude da vida eterna, que consiste na perfeição do amor, da caridade. Estaremos nós a desempenhar bem esta missão?

2. Pastores segundo o Coração de Jesus

No próximo sábado, dia 28 de junho, serão ordenados na Sé de Beja dois novos padres para a missão da Igreja, o Luís Fernandes, de Grândola e o frei João Gonçalves, do Brasil e celebraremos 60 anos da ordenação dos padres Manuel Alves e José Pires Soares.



Será um momento forte da esperança no futuro desta diocese e também de gratidão pela vida e missão daqueles que nos precederam e se mantiveram fiéis. Na alegria destes acontecimentos, pergunto-me: como deve ser desempenhada a missão do padre nos próximos tempos, nesta diocese, de modo a ajudar este povo no seu percurso?

Nas jornadas dos bispos, realizadas em Fátima de 16 a 18 de Junho, reflectimos sobre isso, à luz da Exortação Apostólica ‘Alegria do Evangelho’, do Papa Francisco. No nº 24 do primeiro capítulo sobre a missão da Igreja, que deve ser sempre uma Igreja em saída, o Papa define-a com cinco verbos: primeirear, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar.

Vale a pena ler a breve definição do que ele entende por estas palavras e para ficar a saber como devem ser os pastores da Igreja, de acordo com o pensamento e o testemunho do Papa e sobretudo tendo presente o modo como Jesus viveu.

O padre deve acreditar e confiar na ação do Espírito Santo, que é o motor da vida da Igreja e nos antecede a trabalhar o coração daqueles a quem nos dirigimos. Ele é o primeiro e nós temos que discernir a sua presença e estar lá para onde Ele nos conduz. Depois temos que nos envolver nas situações reais das pessoas, “cheirar às ovelhas”, como diz o Papa Francisco, para sentirmos as suas alegrias e esperanças, êxitos e fracassos. Criar empatia com as pessoas. Acompanhá-las, escutá-las, como fez Jesus com os discípulos de Emaús, para não responder a perguntas que não foram feitas, dar “secas” inúteis, em linguagens herméticas, incompreensíveis.

A seguir, não basta semear. É preciso ter paciência e cuidar das sementes, para que possam dar fruto. Não basta celebrar os sacramentos, batizar e depois deixar as pessoas abandonadas, entregues a si mesmas. Somos também responsáveis pela germinação da semente lançada. Contribuir para que dê fruto e muito. Isso exige que saibamos também festejar, celebrar a alegria da obra que Deus vai realizando no coração dos crentes.

Aqui temos um pequeno tratado de pastoral, de como devem ser os padres, pastores segundo o pensamento e o exemplo do Papa Francisco, para que sejam na verdade pastores segundo o Coração de Jesus, cuja festa celebramos no dia 27, que a Igreja instituiu como dia de oração pela santificação dos sacerdotes.

Ao celebrar estes acontecimentos, peço a todos os diocesanos que se associem na alegria, na oração e gratidão por vocações para a missão da Igreja, para que nunca nos faltem os guias experientes no caminho da vida, rumo à eternidade.

† António Vitalino, Bispo de Beja
24JUN201


Luz para um mundo melhor

1. Juramentos e tomadas de posse

Todos estamos habituados a presenciar tomadas de posse de cargos públicos, seja de presidentes da República e até de reis nas monarquias, e todos fazem juramentos solenes pelos mais diversos códigos: por Deus, pela honra, pela constituição, etc. Na Igreja há vocações, ordenações e entradas solenes, mas é sempre Deus, a sua Palavra revelada e tornada escrita na Bíblia e o amor ao Povo de Deus, cuja salvação se deseja e ama, que marcam o início da missão.

Nestes dias estamos a proclamar na liturgia, a oração oficial e comunitária da Igreja, o texto das bem-aventuranças segundo o Evangelho de S. Mateus. Lá ouvimos que não devemos jurar, nem por nós nem por qualquer outro poder, mas que a nossa linguagem deve ser sim, sim e não, não. Isto não quer dizer que as nossas afirmações, gestos e atitudes devam ser arbitrárias, subjectivas, pensando apenas a partir da nossa opinião e bem pessoal, mas a partir de uma personalidade bem formada, coerente e transparente, que tem como suprema norma da sua linguagem e missão o bem integral da comunidade, dos outros, e não apenas dos amigos ou tendo em conta somente a dimensão económica da vida. A matéria, o dinheiro não se pode tornar o nosso Deus, a norma fundamental do nosso agir e muito menos da missão da Igreja, como não se cansa de acentuar o Papa Francisco.


Então pergunto-me: onde vamos buscar a luz para a nossa vida, para a nossa linguagem e missão? As fragilidades humanas são muitas, as constituições ou leis fundamentais dos Estados são importantes, mas podem e devem evoluir e são produto de épocas históricas, nem sempre as melhores para o futuro dos povos, sobretudo quando descem a pormenores que nem sempre são a melhor aplicação dos princípios, que na maioria das democracias são transcrição dos ideais da revolução francesa e da declaração universal dos direitos humanos, cuja concretização é muito variável nas leis de muitos países.

Os apelos para a constitucionalidade de muitas decisões dos governos nem sempre significam um amor ao bem comum de todo o povo nas circunstâncias históricas em que vivemos, mas escondem muitas vezes interesses de grupos ou classes. Por isso, os guardiães das Constituições não podem ajuizar somente a partir da letra dos princípios, mas ter sempre em conta a relatividade das suas aplicações. Como dizia Ortega y Gasset: a nossa consciência e as nossas decisões partem sempre do eu e das suas circunstâncias. E quem diz eu, diz todos os outros que connosco vivem, quando temos funções de autoridade em ordem ao bem comum.

2. Dia do Acto de Consciência

Para não ficar na análise de normas de ética e da formação da personalidade, na brevidade desta nota, aponto um caso muito conhecido da nossa história. No dia 20 de Junho, em muitos lados, comemora-se o dia do acto de consciência e no passado dia 10, foi o Dia de Portugal, de Luís de Camões e das comunidades. Este ano, algumas pessoas e grupos aproveitaram as comemorações desse dia para fazer revindicações e não para comemorar a nossa identidade como povo, espalhado pelo mundo, cuja história, semeada de glórias e também de debilidades, foi cantada por esse grande poeta, nos Lusíadas.


Refiro-me ao Cônsul de Portugal em Bordéus, desde 1938, Aristides de Sousa Mendes, que, a partir de Junho de 1940, perante milhões de pessoas que fugiam à invasão das tropas nazis de Hitler, contra as ordens do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, concede milhares de vistos, sobretudo a judeus, cujo destino seria os campos de concentração e a morte, caso não pudessem fugir. É nessa altura que lhe é atribuída a frase: se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.

Sabemos que Aristides não era nenhum santo, mas em situação de cumprir ordens ou salvar vidas, ele optou pelas pessoas perseguidas, pela defesa destas e da sua dignidade, o que lhe valeu a despromoção, perseguição e abandono, terminando a sua vida em pobreza.

Em carta a Salazar, então também Ministro dos Negócios Estrangeiros, a 10 de Agosto de 1940, dizia:Não podia eu fazer diferenças de nacionalidades, visto obedecer a razões de humanidade que não distinguem raças nem nacionalidade.

E noutra, ao seu advogado, Adelino Palma Carlos, a 17 de Julho de 1941, ele escrevia: Não cumpri instruções que significavam, a meu ver, perseguição a verdadeiros náufragos que procuravam a todo o custo salvar-se da sanha hitleriana. E acrescentava: Deus aceitará o meu sacrifício em desconto dos meus pecados e imperfeições, que muitos são.

Aristides de Sousa Mendes tornou-se um exemplo para todos nós. Em situação de crises humanitárias, de guerra, o que deve prevalecer no ditame da nossa consciência bem formada é a pessoa humana, na sua dignidade e nos seus direitos. Não são as leis humanas que formam a consciência, mas aquilo que deveria ser o fundamento incontornável de todas as leis: o ser humano, sem distinção de raças ou de cores, de ideologias ou religiões. Ele é nosso irmão. Ficar indiferente ao seu sofrimento, põe em causa a nossa própria dignidade e os nossos direitos.

Por isso, a Fundação Aristides de Sousa Mendes declarou o dia 20 de Junho como Dia do acto de consciência e pediu a vários bispos que nesse dia celebrassem uma missa em sua memória. Em Beja, presidirei à Eucaristia por essa intenção, no dia 20, às 18,30 horas, na igreja de S. João Batista, onde estará a decorrer o Tríduo da Solenidade do Corpo de Deus.

† António Vitalino, Bispo de Beja

15 de Junho de 2014



Construir a Paz

1. Construir pontes




No dia 6 de Junho reuniram-se muitos Chefes de Estado a nível mundial na Normandia, França, para comemorar o 70º aniversário do famoso dia D, em que as tropas dos aliados contra as tropas do nacional socialismo de Hitler desembarcaram nessa parte da Europa, começando aí o início do fim da segunda guerra mundial, mas à custa de milhares de mortos, de ambas as partes. Foi um dia histórico para a construção duma Europa democrática e livre, mas à custa de muitas vidas. Nunca agradeceremos suficientemente essas vidas que possibilitaram a paz para nós.

Mas a história não se faz apenas de memória do passado. É preciso lançar fundamentos e construir pontes em ordem a um futuro de paz, de progresso e de harmonia entre todos os países e pessoas. Sob os escombros da segunda guerra mundial, três grandes homens começaram a lançar essas bases sólidas: Adenauer, da Alemanha, De Gaspari, da Itália e Schuman, luxemburguês radicado na França. Foi este último que lançou a ideia da união europeia a partir do controle da produção do carvão e do aço, para evitar a construção de armas de guerra. Rapidamente aderiram vários países do centro da Europa e hoje são já 28. A ideia fundamental foi a construção de uma Europa de paz, para que nunca mais fosse pela guerra fratricida a solução dos problemas entre os países.

Depois de mais de 60 anos após a assinatura do primeiro tratado em Paris, em Abril de 1952, muitos avanços e recuos se têm feito, muitos tratados celebrados e assinados! Permanecem muitas interrogações para se conseguir a coesão social entre todos os 28 países que agora formam a União Europeia. As últimas eleições para o Parlamento Europeu, a 25 de Maio, vieram demonstrar a debilidade da construção da Europa por parte dos políticos e dos povos. Os candidatos olharam mais para si mesmos e os seus partidos, que para o bem comum da paz, do progresso, da protecção dos mais fracos, da coesão e integração de todos num projeto com futuro de esperança para todos. Os cidadãos eleitores mostraram desinteresse ao abster-se de votar.

Como podemos assim construir a União Europeia? Sem o envolvimento de todos e sem raizes mais sólidas e profundas que os sistemas económicos e financeiros, não será possível. Também as Igrejas e sobretudo os cristãos precisam de se empenhar mais por uma Europa mais segura, melhor, acolhedora e integradora de todos, na base do respeito pela dignidade humana.

2. Contributo da Igreja pela paz

A construção de uma sociedade coesa, feliz, em paz e harmonia entre si e os países vizinhos e também entre os povos dos vários continentes depende de muitos factores e iniciativas. Mencionarei apenas alguns, ao alcance de todos e mais de acordo com as possibilidades e a missão da Igreja.


Começo por uma iniciativa em que acabo de participar, representando a Conferência Episcopal de Portugal. Foi oKatholikentag, um encontro bienal dos católicos alemães, em que, durante vários dias, à volta da festa da Ascensão, se canta, se fazem exposições de arte, se discute sobre diversos temas, se dialoga, reza e celebra. São mais de mil encontros. Foi o 99ºKatholikentag, desta vez em Ratisbona, cidade património mundial, onde leccionou Josef Ratzinger, agora Papa emérito e onde a diocese de Beja participou numa exposição de arte mariana, em 1999.

O tema foi “Com Cristo construir pontes”. Por aqui passa o rio Danúbio e aqui era a fronteira do império romano. Na outra margem do rio estavam os povos eslavos, então denominados de bárbaros. Só na idade média se contruiu a primeira ponte, a famosa ponte de pedra. Hoje é preciso construir muitas pontes, que levem os povos e a humanidade a encontrar-se, para que conviva em paz e construa um futuro melhor.

Cristo foi e é a ponte entre o céu e a terra e também entre os povos. Os cristãos são chamados a edificar pontes entre os povos, as culturas, as pessoas, a natureza, de modo que tudo seja unificado em Cristo, no respeito pela diversidade e beleza de cada ser. Foi belo falar com pessoas de muitos países e celebrar juntos a fé, particularmente ocidentais e orientais, até há pouco separados pela cortina de ferro, que passava por ali perto.


O Espírito Santo, que Jesus prometeu aos apóstolos enviar após a sua morte, é a alma da Igreja e dos cristãos, que faz a comunhão profunda dos crentes entre si e com Deus. Foi precisamente no dia de Pentecostes deste ano, que faz memória dessa primeira vinda do Espírito sobre os apóstolos, que os fez perder o medo e testemunhar com alegria a sua fé, que o Papa Francisco rezou no Vaticano pela paz na Terra Santa, junto com os Presidentes de Israel e da Autoridade Palestiniana, assim como com o Patriarca de Constantinopola, elo da unidade da Igreja Ortodoxa, separada da comunhão com Roma desde o século XI.

Os cristãos acreditam na força da oração e no poder do Espírito Santo para realizar a comunhão e a paz, as bases sólidas da convivência, do progresso e do futuro da humanidade. Por isso o Papa convidou todos os bispos, dioceses e paróquias a unirem-se a estes quatro homens importantes para a construção da paz na terra onde Jesus viveu e onde a Igreja nasceu e que constitui desde há anos um pólo de instabilidade no mundo, como o foi outrora a Alemanha de Hitler.

Estas e outras iniciativas estão ao nosso alcance para obter a paz no mundo e possibilitar o desenvolvimento dos povos. Em Fátima, Nossa Senhora o lembrou aos três pastorinhos, em 1917. Por isso, todos podemos participar na construção de uma Europa e de um mundo melhor.

† António Vitalino, Bispo de Beja

09 de Junho de 2014





Renascer da Esperança


1. Sem verdade não há futuro
Por esta altura do ano muitos estudantes do ensino superior terminam os seus cursos em ambiente de grande festa, da qual faz parte a chamada bênção das pastas, mais propriamente bênção dos finalistas.

Desde há quinze anos que presido em Beja a essa bênção. Fico sempre com a impressão que as orações, as leituras bíblicas, os discursos e os cânticos, embora preparados com muita antecedência e fazendo parte da festa, pouco penetram na mente e no coração dos presentes. Mas fazem parte da festa.


Pela décima quinta vez fiz o meu papel no passado dia 24 e procurei não estragar a festa. A reflexão que tinha preparado foi reduzida ao mínimo, mas aqui deixo alguns dos pensamentos que gostaria de ter transmitido, mas que apenas enunciei.

Em primeiro lugar, pergunto-me pela solidez dos diferentes cursos superiores, alguns com nomes muito semelhantes, mas que pouco têm a ver com a realidade social e empresarial do nosso meio. Além disso interrogo-me se a aprendizagem cria hábitos sólidos de reflexão, de investigação, de trabalho e de construção de um mundo melhor, de relações harmoniosas entre as pessoas e a natureza.

Em segundo lugar, estou convencido que fazer coisas, produzir bens para satisfazer necessidades artificiais de alguns privilegiados, sem ter em conta a verdade, a justiça, a dignidade das pessoas, o desenvolvimento sustentável, uma sã ecologia não tem futuro. A arte de se impor aos outros, a falsidade, a mentira, a injustiça, a corrupção para atingir objectivos egoístas, são areia movediça para a construção da casa comum de todos.

Por isso, para além da natureza específica dos cursos, faz falta introduzir na formação disciplinas que ajudem os estudantes a interrogar-se sobre os fundamentos sólidos da natureza humana e do cosmos, assim como referentes à ética das relações humanas e do progresso. A filosofia, a arte de pensar em profundidade as questões, a verdade e a moralidade, nem sempre acompanham os diversos saberes. Sem isso não é de admirar que predomine a mentalidade economicista de emprego, da exploração do homem e da natureza. O bem comum deveria ser o prisma principal de todos os cursos, cimentando a articulação dos saberes, visando o progresso integral da pessoa, da família, da sociedade e do país.
                                                                                                     
2. Renascer da esperança
Ao convidarem o Bispo para uma cerimónia de bênção creio que, para além de manter a tradição, há um sinal de abertura a valores superiores aos apreendidos na frequência dos diversos cursos; de busca de fundamentos mais sólidos e seguros que o dinheiro, as remunerações possíveis através do saber adquirido; da vontade de construir a casa, o futuro sobre a rocha, e não sobre a areia.



A rocha é a verdade, o amor, o bem dos outros, o tornar o mundo e a convivência humana mais bela, harmoniosa, respirável, baseada no respeito e na confiança mútua, na solidariedade, na entreajuda, e não sobre a areia da mentira, da injustiça, da corrupção, da exploração da natureza e das pessoas, sem respeito pela sua beleza e dignidade. O modelo dessa atitude e a rocha da nossa construção é Cristo, que sendo Senhor se fez servo, por amor a todos.

O projecto bíblico da criação do homem e da mulher apontam nesse sentido. E a exortação de S. Paulo aos Colossenses vem muito a propósito. E, acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição ... E sede agradecidos (Col.3, 14-15). Sem verdade, sem amor e sem gratidão é vão o nosso saber; não contribuirá para fazer renascer a esperança, a alegria de viver e a confiança entre as pessoas. Quando nos sentimos amados, acolhidos e somos gratos, renasce em nós a esperança e o vigor; ressuscitam em nós capacidades para tornar as nossas vidas e o mundo mais alegres e fortalece-se a nossa confiança no futuro.

Exemplo de que há valores e motivações capazes de fazer renascer a autoestima e a alegria nas pessoas foi o que presenciei ao fim da tarde do dia 24 de Maio no Bairro da Esperança, em Beja. Desde há muitos anos conhecido como um bairro pobre, degradado, onde há droga e violência. Têm sido feitos muitos estudos e projectos para melhorar a vida e o ambiente do bairro, mas sem êxito visível.

Um grupo de pessoas, leigos ligados ao núcleo de Beja de luta contra a pobreza, começou a despertar a autoestima dos habitantes do bairro e a desafiá-los para tornarem o seu ambiente mais florido, amigo e limpo.

 As casas foram caiadas, vasos de flores colocados a enfeitar as ruas, das várias espécies e cores, a aprendizagem e entreajuda tornaram-se uma realidade do dia a dia dos moradores, a confiança entre as pessoas fortaleceu-se, a alegria ressurgiu, o ambiente floriu e a esperança renasceu. Bairro da Esperança, de nome e de facto. Aqui se confirma o que escreveu Dostoievski: a beleza salvará o mundo. Não disse a economia ou o poder, mas a beleza, que não se compra, mas se admira, se oferece e nos fascina.

Não deixemos que nos roubem a alegria, o amor ao próximo e a vontade de construir as nossas vidas sobre estes sólidos fundamentos, como amiúde se expressa o Papa Francisco.

† António Vitalino, Bispo de Beja
26de Maio de 2014



Construir o futuro
                                     
1. O imediato e o futuro

Desde há 20 anos que no dia 15 de Maio se celebra o Dia Internacional da Família, instituído pelas Nações Unidas em 1993. Na semana em que isso ocorre a Igreja dedica-a à reflexão e oração pela vida. Este ano deu-lhe o título de gerar vida, construir o futuro. Isto significa que tanto a sociedade civil como a Igreja reconhecem o valor fundamental da família, embora nem sempre vista pelo mesmo prisma. Inspirando-me na iniciativa destas organizações mundiais, vou tecer algumas considerações sobre a família, a vida e o futuro da humanidade.



Vivemos muito absorvidos pelo imediato, a realização pessoal, o emprego, os prazeres individuais, a conjuntura presente de crise e temos pouca sensibilidade e disposição para enfrentar os problemas estruturais da vida e da sociedade, aqueles que terão significado no futuro da humanidade. Daí o consumo desenfreado e a exploração da natureza, sem respeito pelas futuras gerações e uma sã ecologia, necessária à qualidade de vida de todos os seres.

A humanidade vive obcecada pelo bem estar individual e entrou numa espiral do medo, da instabilidade, da falta de confiança. Estas atitudes fundamentais alteraram profundamente a nossa maneira de viver, com consequências ainda fora do alcance da compreensão da maioria das pessoas.

Anos atrás foi o medo do crescimento drástico da população mundial que levou muitos países a adoptarem medidas de planeamento familiar em que foram postos de parte princípios essenciais da dignidade da pessoa humana, como a liberdade e o respeito pela vida. Na China foi imposta a lei do filho único por casal, de preferência masculino, castigando quem ousasse contradizer. Passada uma geração, muitos homens chineses tiveram dificuldade em encontrar uma esposa chinesa. Nos países do norte do hemisfério não se foi tão longe, mas deu-se facilidade ao aborto e aos contraceptivos. Hoje há dificuldade em repor as gerações, para equilibrar as sociedades, inclusive os sistemas sociais. Nem mesmo a concessão de subsídios por parte de alguns estados e municípios tem conseguido inverter a situação. Porquê?

O medo do futuro apoderou-se das pessoas e das famílias e impede-as de ser generosas e abertas à vida. Uma geração que não se interessa pela geração seguinte está a pôr em causa o seu próprio futuro. Como modificar esta tendência em vista de um equilíbrio racional entre o não egoísta à vida e uma procriação sem planeamento? Vai ser difícil sem uma conversão espiritual de cada pessoa e sem políticas familiares pró-vida.

2. A família estável prepara o futuro


Cada vez mais os governos e as instituições europeias e mundiais cedem à pressão dos lobis da igualdade do género e da equiparação de todas as opções de realização da sexualidade humana, prejudicando assim as famílias constituídas a partir da união de um homem e de uma mulher abertos à vida. Neste contexto recomendo a leitura de duas recentes notas dos bispos portugueses, uma sobre a força da família em tempos de crise e outra a propósito da ideologia do género, que nos advertem sobre as consequências perniciosas para a humanidade provenientes do desrespeito pela família.

Há dias li uma mensagem de uma familiar grávida que dizia: os filhos carregámo-los nove meses na barriga, três anos no colo e por toda a vida no coração. É esta relação de amor proveniente da maternidade e da paternidade que dá estabilidade à família, preparando um futuro de confiança entre as pessoas e que dá equilíbrio às sociedades.

Para usufruir da beleza do amor gratuito, que se aprofunda e desenvolve quanto mais nos libertamos de nós mesmos e nos abrimos aos outros, quanto mais superamos o medo e nos libertamos da tirania do mercado e do consumo, temos que dar uma grande cambalhota, operar uma conversão profunda, uma abertura à vida simples, de relações transparentes e confiantes na natureza, nas pessoas, a partir daquelas que nos geraram, gratuitamente, por amor.


Este é o caminho que nos apontava Jesus, que leva à bem-aventurança, à realização plena: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Nesta direção apontam muitas opções de vida, vocações para o serviço em prol dos outros, sobretudo daqueles que mais precisam, material e espiritualmente, seja através de uma resposta profissional remunerada, seja de um serviço gratuito de voluntariado.

Por isso aqui deixo a minha gratidão e admiração a todos os que nutrem e procuram realizar estes ideais de vida, na Igreja e na sociedade, sacrificando os seus interesses pessoais em favor do bem comum. A gratuidade do amor aprende-se na família. Por isso é importante dar força à família. Oxalá o seu exemplo alastre por esta sociedade em crise, sendo a espiritual com mais graves consequências que a económica e financeira.

† António Vitalino, Bispo de Beja

19MAI2014



A mulher, Fátima e os portugueses
1. A mulher e Maria
Nestes dias Fátima atraiu ao seu santuário milhares de pessoas de todo o mundo. Embora nem todas movidas pelas mesmas intenções, no entanto a grande maioria por causa da sua devoção a Nossa Senhora, Maria, a mãe de Jesus, que em 1917, na Cova da Iria, apareceu a três crianças, Lúcia, Francisco e Jacinta, confiando-lhes uma mensagem referente a todo mundo, então em plena grande guerra, a primeira das duas apelidadas de grandes, cujo cenário foi o centro da Europa, mas que, pela primeira vez, envolveram todo o mundo, enfrentando-se em dois blocos opostos. Mas estas crianças pouco sabiam da geografia e da história do mundo.



É fascinante ler as diversas memórias da irmã Lúcia sobre os acontecimentos, escritas a pedido de várias autoridades eclesiásticas, responsáveis pela investigação e considerar muitos dos factos importantes acontecidos posteriormente e relacionados com estas aparições. Deslumbra-nos também a atracção de Fátima sobre tantos milhares de pessoas, muitas fazendo longos percursos a pé e cumprindo promessas de muitos modos, alguns pouco habituais.

Maria, a mãe de Jesus, mulher crente e obediente às inspirações de Deus, tornou-se também a mãe e modelo dos verdadeiros discípulos de Jesus, desde que Ele a confiou como mãe ao discípulo amado, João, que, como ela, se manteve de pé junto à cruz, sem medo e sem vergonha daquele que foi condenado à morte de cruz, como um escravo malfeitor. A partir daí Maria ganhou estatuto de Mãe e protectora de todos os que acreditam em Jesus. Nunca na história mulher alguma teve tanta importância, apesar de ainda hoje a mulher não ter estatuto de igualdade em todas as sociedades.




Apesar da importância de Maria na história da Igreja, muitos acusam a Igreja católica de não conceder à mulher igualdade de direitos na sua estrutura. Embora compreendendo as razões alegadas, penso que ainda não se reflectiu profundamente sobre o que faz a igualdade e a diversidade dos seres humanos e por isso temos dificuldade em entender muitos fenómenos, sendo um deles o do papel e da dignidade da mulher na história do mundo. Quando nestes dias ouvimos o que aconteceu na Nigéria com o rapto de mais de duas centenas de meninas, porque grupos radicais islamitas defendem que a mulher não deve frequentar a escola, também na Europa circulam ainda ideias semelhantes entre algumas etnias minoritárias.

No respeito pelas convicções dos outros, parece-me que ainda precisamos de um grande diálogo intercultural e inter-religioso, de modo a reconhecermos à mulher a sua dignidade de pessoa na sua diversidade específica. De qualquer modo, os cristãos nutrem uma devoção filial a Maria, que muito nos tem ajudado a ver nela o modelo e a mãe da sua fé. Assim compreendo a atracção dos santuários marianos sobre tantos milhões de peregrinos através da história.

2. Fátima na alma dos portugueses

Ao longo da minha vida também constatei o papel de Nossa Senhora de Fátima na identidade dos portugueses, embora se tratede um fenómeno com menos de cem anos, mas que se liga a uma longa história de devoção a Maria na Igreja e no povo português. Como já referi algumas vezes, noutros contextos, entre os emigrantes, longe do seu país, Fátima desempenha um papel forte na identidade e na alma dos portugueses, sendo factor de unidade e de estabilidade em países estranhos. Quando alguém mais racionalizante queria rebaixar ou retirar Fátima da mente e da devoção dos portugueses, muitas vezes ficava só ou apenas com alguns amigos. Por esta altura do mês de Maio os emigrantes realizam procissões e peregrinações a santuários, mas levando a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Muitos bispos portugueses são solicitados para presidir, mas também sacerdotes ou bispos dos países onde vivem. São momentos de muita emoção e de devoção a Nossa Senhora, de envolvimento das famílias e de aprofundamento da unidade nacional.


Também aqui em Portugal acontece algo semelhante. No Alentejo as procissões com a imagem de Nossa Senhora de Fátima atraem muitas pessoas, também os homens. Até mesmo a oração do rosário (o terço) na igreja muitas vezes é mais concorrida que a celebração da missa. Recordo-me de uma terra, onde decorria uma missão popular, que os momentos comunitários da missão tiveram de ser marcados para a hora do rosário, e não da missa, para que as pessoas afluissem em maior número.

A devoção a Nossa Senhora de Fátima através de procissões e da oração do rosário está na alma do povo português. Assim aprendamos de Maria a estar atentos e solícitos pelo bem de todos, a ser exemplos de luta contra o pecado, sobretudo o egoísmo opressor do próximo de oração pela paz no mundo, sempre ameaçada em tantas partes, algumas bem conhecidas nossas, até mesmo terra de muitas pessoas que vivem no nosso país, como a Ucrânia, a Síria e os países da Ásia Menor, entre eles a terra de Jesus e de Maria, agora dividida entre israelitas e palestinenses.

isso, revestiu-se de grande significado a presidência da peregrinação de Fátima, nos dias 12 e 13 de Maio, pelo patriarca latino de Jerusalém, D. Fouad Twal, um católico palestinense. Rezemos com ele pela paz na terra de Maria e de Jesus e pelo reconhecimento da dignidade da mulher no mundo.

† António Vitalino, Bispo de Beja
13 de Maio/2014
Vocação e vocações

1. Chamados à responsabilidade

Na última nota escrevi sobre o significado da liberdade, condição fundamental da dignidade da pessoa humana e das liberdades, que nem sempre dignificam o ser humano, sobretudo quando o seu exercício não tem em conta todas as relações em que estamos inseridos. Isto significa que precisamos de crescer na responsabilidade no modo como vivemos a nossa liberdade, na multiplicidade das relações para que aponta o nosso ser pessoa. Neste sentido irei tecer algumas considerações sobre a nossa existência como uma vocação para a responsabilidade na construção de relações interpessoais, em que o maior bem de todos é fundamental, no respeito pelas possibilidades de cada um e também da natureza, a fim de criar um ambiente de harmonia e de paz, essencial para um desenvolvimento integral.

Recebendo a vida como um dom, pela educação vamos aprendendo a ser gratos por isso e a retribuir a pouco e pouco, transformando o dom em oferta de nós mesmos e das nossas capacidades, para que a cadeia destas atitudes fundamentais se prolongue no tempo e no espaço e assim realizemos a finalidade da existência, criando um mundo melhor e mais belo.
Esta maneira de ver a vida e o mundo implica também uma visão da realização da pessoa humana como uma vocação e uma atitude de responsabilidade concertada com tudo e todos os seres que nos rodeiam.

Por isso é importante que a família e os sistemas educativos contribuam para o discernimento dessa vocação e não apenas para a realização profissional.
Muitas perguntas surgem no meu espírito ao tecer estas considerações, que não posso alongar. Na brevidade desta nota quero apenas chamar a atenção para a vocação na construção do crescimento humano e espiritual da pessoa e sociedade, na continuidade da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que vai acontecer no próximo domingo, dia 11 de Maio, na liturgia da Igreja denominado o Domingo do Bom Pastor, deixando para outra altura vocações complementares.

Nela o Papa afirma que, na pluralidade das estradas, toda a vocação exige sempre um êxodo de si mesmo para centrar a própria existência em Cristo e no seu Evangelho. Eu diria mesmo que a vida como vocação implica sempre um sair de si mesmo e centrar-se no outro e nos outros, numa atitude de admiração e de responsabilidade pelo bem deles, seja no exercício das diversas profissões, seja na vida conjugal, familiar, social, politica e no lazer. Isso é ainda mais necessário na vida eclesial, na construção de comunidades centradas em Deus, realização plena da pessoa humana.
A superação de uma vida centrada no eu, no individualismo, exige uma aprendizagem contínua da vida como admiração e como serviço a Deus na pessoa dos irmãos e irmãs, diz o Papa na sua mensagem.

A vocação é um fruto que amadurece no terreno bem cultivado do amor aos outros, que se faz serviço recíproco no contexto duma vida eclesial autêntica.Nenhuma vocação nasce por si, nem vive para si.Nasce no coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel na experiência do amor fraterno. Por isso Jesus disse: Nisto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.

2. Vocações, testemunho da verdade

 
Como frisei na primeira parte desta nota, dificilmente contribuiremos para o despertar de vocações consagradas ao serviço da construção de comunidades eclesiais, se não trabalharmos as relações fundamentais da existência, a partir da família, como uma vocação para a responsabilidade pelo bem de toda a criação. E ainda menos tratando-se do bem espiritual, que as preocupações pelo imediato da existência nos impede de ver e dar importância.

Descobrir a verdade do nosso ser e dela dar testemunho num mundo à deriva e à procura, é a vocação prioritária da Igreja. O lema do nosso Sínodo diocesano é também a expressão evangélica a verdade te libertará. E a verdade da pessoa feliz e realizada é Jesus Cristo, que viveu para nós e por todos entregou a vida, para que nós a tenhamos em abundância, lemos no Evangelho de S. João (10, 10).

A vida como um projeto de amor, em qualquer missão ou estado de vida, mesmo que difícil de realizar, é o modelo que pode fascinar as crianças e os jovens, ainda não corrompidos pelo individualismo egoísta. Nisto consiste a santidade de vida: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei, disse Jesus aos seus discípulos na última ceia. As vocações para o serviço em ordem à realização deste ideal de vida surgirão deste húmus familiar e eclesial.

Ainda neste fim de semana experimentei a alegria de antigos colegas meus na gratidão manifestada ao nosso professor e superior, padre Olavo, em Ervidel desde há 43 anos, e a humildade deste confrade carmelita, com 89 anos, a confessar as suas impotências perante muitos desafios do seu itinerário missionário, da Holanda para o Brasil, daí para o seminário carmelita em Braga e de Braga para a diocese de Beja, em Ervidel. Mas sempre lutando com esperança pelas causas nobres da educação e da promoção dos pobres! Que belo testemunho de vida em prol dos mais pobres em tempos difíceis!

Por isso, do íntimo do nosso coração, brota, primeiro, a admiração por uma messe grande que só Deus pode conceder; depois, a gratidão por um amor que sempre nos precede; e, por fim, a adoração pela obra realizada por Ele, que requer a nossa livre adesão para agir com Ele e por Ele, lemos na mensagem papal para este 51º Dia Mundial de Oração pelas Vocações.

Sabendo que tudo depende de Deus, mas também de nós, da nossa abertura à vontade salvífica de Deus, não nos podemos cansar de implorar do Senhor da Messe os trabalhadores necessários para a sua messe. E não se trata apenas de padres e de pessoas na vida consagrada.

Todas as nossas comunidades, mesmo que pequenas, devem tornar-se fermento de oração e de vida fraterna, viveiros de santidade e de vocações para a vida do mundo. Não deixemos esta preocupação apenas ao bispo ou aos padres. Não nos fechemos na comodidade do nosso bem estar egoísta, mas abramo-nos à vida como vocação para o bem dos outros, na alegria de conhecermos o caminho da realização plena em Cristo.


† António Vitalino, Bispo de Beja

A Páscoa e a fé no Ressuscitado

Depois de um itinerário acompanhando Jesus durante a Quaresma, chegamos à Páscoa, para Jesus meta do seu caminho, para nós início de um novo caminho, ou melhor, de um itinerário com um horizonte e meta distante, mas real. Na verdade, ficamos a saber que o sofrimento e a morte fazem parte do caminho, mas não são a meta final, pois é a vida que sai vitoriosa. Paulo diz-nos na primeira carta aos Coríntios (15, 14) que, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e a nossa fé e os seus discípulos seriam as pessoas mais infelizes do mundo.


Porque Cristo ressuscitou, está vivo, os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo de hoje e todos aqueles que os antecederam, biliões de pessoas, muitas delas entregando a sua vida pela sua fé na ressurreição, não fogem das situações de contrariedade e sofrimento. Ontem como hoje os discípulos missionários de Jesus Cristo mantem-se junto dos povos em guerra ou a sofrer com a pobreza e cataclismos da natureza, na Síria, no Sudão, nos Camarões, etc.

Recordemos apenas um S. João de Brito, que preferiu o martírio na ìndia ao conforto da corte real em Lisboa, ou a Madre Teresa de Calcutá junto dos pobres no Bangladesch, ou o jesuíta holandês Frans van der Lugt morto à bala há poucos dias na Síria e tantos outros que anualmente são martirizados pela fé no Morto Ressuscitado junto dos povos e das pessoas que sofrem!

De modo especial desejo fazer memória agradecida pela vida do saudoso Papa João Paulo II, que no dia 27 de abril será proclamado santo da Igreja Católica. Baleado na Praça de S. Pedro quando saudava e abençoava a multidão, no dia 13 de maio de 1981, milagrosamente salvo pela proteção da Nossa Senhora, como ele próprio afirmava, visitou na cadeia quem o pretendia matar e perdoou-lhe, como o fez Jesus na Cruz, perdoando a quem o crucificou: Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.

O que leva estas corajosas testemunhas a manter-se junto do povo nessas situações de sofrimento? O amor de Jesus Cristo em quem acreditam e querem seguir de perto, na certeza de que só o amor que leva ao dom e entrega da vida sai vitorioso dos poderes da morte, da violência e do ódio e nos dá a alegria da fé, que proclama: Cristo ressuscitou, está vivo, aleluia.

É esta profissão de fé, num mundo deprimido por muitas crises, pessoais, familiares, sociais, políticas, alimentares, económicas e financeiras, que nos leva a levantar a cabeça e continuar com alegria e esperança o caminho da vida, perdoando, reconciliando, partilhando e acreditando na vitória do amor e da vida sobre o ódio, o egoísmo e a morte.

Neste sentido, como bispo de Beja enviado para o Alentejo para aqui ser testemunha de Cristo ressuscitado, quero pedir aos meus colaboradores e diocesanos que não se cansem de caminhar no meio deste povo, sempre atentos aos sinais de Deus na vida das pessoas, que anseiam e gritam pela verdadeira liberdade e realização plena da vida pessoal e comunitária.

Caminhemos juntos, escutemo-nos, demos as mãos, olhando para Cristo, espelhado na vida dos pobres, dos doentes, dos solitários, dos presos, das crianças, dos jovens, das famílias e dos idosos e proclamemos, por palavras, mas mais por gestos e obras, a vitória da vida em Cristo ressuscitado e naqueles que acreditam.



A todos alegres festas pascais, pois Cristo está vivo, ressuscitou e a nossa fé não é vã, mas uma certeza dum caminho firme e seguro.

† António Vitalino, Bispo de Beja


Rejuvenescer na alegria da fé

1. Refazer a vida e o itinerário
Durante a Quaresma deste ano nas minhas notas semanais tenho estado a fazer uma leitura orante da mensagem e da vida de Jesus, a partir dos textos que a Igreja propõe para os domingos, fazendo alguma aplicação ao nosso tempo e cultura.

Aproxima-se o final da Quaresma e entramos na Semana Santa, a Semana Maior dos cristãos, na qual celebramos os acontecimentoss centrais e finais da vida de Jesus, a sua entrada triunfante em Jerusalém, a última ceia com os discípulos, carregada de ensinamentos e gestos, a prisão de Jesus, o seu julgamento sumário e condenação à morte de cruz, a que se segue a experiência inaudita da ressurreição, em que as mulheres e os apóstolos são envolvidos.

A partir destes acontecimentos os discípulos têm de refazer a sua vida, mudar o seu modo de pensar e começar um novo itinerário de missão. Desde há alguns anos que a Igreja coloca no Domingo de Ramos a jornada mundial de juventude, que, de três em três anos, se celebra num país diferente com a presença do Papa.


Em 2011 foi em Madrid com o Papa emérito Bento XVI e no ano passado foi no Rio de Janeiro com o Papa Francisco, que convocou a próxima jornada com a sua presença para Cracóvia, na Polónia, em 2016, começando a preparação já este ano a nível das dioceses. O tema é a partir das bem-aventuranças, proclamadas e vividas por Jesus Cristo e que são a carta magna dos princípios fundamentais dos seus discípulos. Para este ano o Papa propõe aos jovens a primeira bem-aventurança: felizes os pobres em espírito, porque é deles o Reino dos Céus (Mt 5, 3).

Que todos queremos ser felizes e procuramos a felicidade e os jovens são particularmente sensíveis a isso, é um facto incontestável. Mas em que consiste a felicidade ou o que dá alegria, satisfação e prazer aos jovens de modo duradoiro e consistente? As coisas, os amigos, o possuir e ter à disposição aquilo de que se gosta dá alegria, mas pode ser passageira, pois a relação de posse escapa à liberdade. Feito para amar, o coração da pessoa só nessa relação encontra a realização feliz da sua vida. 

Só no encontro de duas liberdades fiéis ao amor do outro que se deixa amar e se esvazia totalmente para o receber, pode haver alegria feliz, acontecer aquilo a que o Evangelho chama Reino dos Céus. A condição para que isso aconteça é esvaziar-nos de nós mesmos, do fardo do ter, tornarmo-nos mendigos do amor. É um caminho exigente e por vezes doloroso. Mas quem ama é capaz de aguentar muito sofrimento e encontrar energia para caminhar ao encontro do único capaz de inebriar e encher o seu coração.

O itinerário e o caminho da vida que se deixa marcar pelas bem-aventuranças proclamadas e vividas por Jesus Cristo fascinam o jovem, que não se contenta com a satisfação no efémero, no imediato, nos bens deslumbrantes do ter, nos prodígios da técnica, mas envereda pelo diálogo e pela relação interpessoal, que desperta a esperança e a alegria no outro.
Muitas vezes experimentei uma imensa paz e alegria ao ouvir um obrigado ou contemplar um simples sorriso no rosto do pobre, do doente ou da pessoa a quem prestei atenção. No mundo das relações virtuais dificilmente se experimenta esta felicidade. Precisamos todos de reaprender a relacionarmo-nos em espírito e verdade, para experimentarmos a alegria autêntica e compreender o que significa Páscoa feliz.

2. O papel da juventude no mundo e na Igreja
Na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, que celebramos no Domingo de Ramos, diz-se que uma multidão saiu ao encontro de Jesus montado num burriquito, gritando: Hossana! Bendito o que vem em nome do Senhor! É um rei pobre, que não vem montado num cavalo, mas num jumento, o transporte dos pobres.

Esta cena faz-nos lembrar o Papa Francisco, que prescindiu de muito aparato, para ir ao encontro dos pobres, dos doentes, dos jovens e das crianças, que, na sua simplicidade reconhecem a grandeza de Deus, que vem ao nosso encontro e nos faz gritar de alegria: Hossana!


Na sua mensagem o Papa diz que é muito triste ver uma juventude saciada de todos os bens materiais, mas fraca. Os jovens que escolhem Cristo são fortes, nutrem-se da sua Palavra e não se «empanturram» com outras coisas. Tende a coragem de ir contra a corrente. Tende a coragem da verdadeira felicidade! Dizei não à cultura do provisório, da superficialidade e do descartável, que não vos considera capazes de assumir responsabilidades e enfrentar os grandes desafios da vida.

No Alentejo verifica-se um envelhecimento galopante da população e um grande decréscimo da natalidade. Isto também tem reflexos na constituição das comunidades paroquiais, envelhecidas e tristes. Precisamos de nos abrir à juventude, ao seu espírito generoso e aberto, alegre e movido pela esperança.

O Papa João Paulo II, que será proclamado santo a 27 de Abril, iniciador das jornadas mundiais da juventude em 1984 e patrono da próxima jornada na Polónia, mesmo doente e idoso, atraía os jovens para Cristo.

Em 1982, no parque Eduardo VII em Lisboa, dizia que os jovens têm uma conaturalidade com Cristo. Por isso serão os melhores evangelizadores dos jovens e da Igreja, porque a evangelização só será possível por contágio da alegria, diz o Papa Francisco na referida mensagem. A alegria do Evangelho brota dum coração pobre, que sabe exultar e maravilhar-se com as obras de Deus, como o coração da Virgem, que todas as gerações chamam «bem-aventurada» (Lc 1, 48).

Oxalá a celebração da jornada diocesana da juventude, que vai acontecer este ano em Moura, no dia 12 e que marca o início da Semana da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, nos rejuvenesça na alegria do Evangelho, apesar da crise económica e financeira.

Como Jesus nos amou, amemo-nos nós também, vivendo para os outros e indo, de coração repleto da alegria pascal, ao encontro dos pobres, que têm muito para nos dar do que é mais importante na vida.
† António Vitalino, Bispo de Beja
09ABR2014




Vida e Esperança

1. Vida sem esperança
Ouve-se muitas vezes dizer, sobretudo a médicos e amigos no caso de doença grave, que enquanto há vida há esperança, pois esta é a última coisa a morrer. Mas também constato que há muita gente a viver sem esperança. São mortos vivos. Por isso não apenas se diz que a esperança é a última  coisa a morrer, mas também a primeira a nascer. Ainda há pouco, numa terra da nossa diocese, aconteceu que, não aparecendo o coveiro no momento de enterrar um defunto, foram encontrá-lo enforcado.

No contexto da atual crise económica há muita gente a perder a esperança e alguns não aguentam a pressão, pondo termo à vida.O padre Antonio Moreira, falecido há poucos dias de um cancro no pâncreas, durante os dois anos de doença dizia-me sempre que estava curado e podia retomar o trabalho, ao que eu respondia para se confiar a Deus e aos médicos, deixando as preocupações pelo trabalho ao bispo. Foi um exemplo de esperança para todos.


Como fortalecer a esperança nas situações de doença, de crises afetivas, familiares, sociais e económicas. Esta é a principal missão da Igreja e dos discípulos de Jesus Cristo, enviados a curar os enfermos, consolar os tristes e anunciar a boa nova. Por isso o Papa Francisco repete muitas vezes: não vos deixeis roubar a esperança. E espero que não estejamos sós nesta tarefa de incutir esperança ao nosso povo. Mas espero também que os cristãos não deixem sós os profissionais do acompanhamento psicológico, pois há causas que transcendem o nível psicológico. Sem fé em Deus será difícil manter e animar a esperança em muitas situações graves da vida.

Estes pensamentos surgiram-me ao ler os textos que a liturgia da Igreja propõe para o quinto domingo da Quaresma. No evangelho fala-se da morte e reanimação de um amigo de Jesus, Lázaro. No diálogo de consolação de Jesus com as duas irmãs do morto, Marta e Maria, lemos: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?» Disse-Lhe Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo».

O que significa isto neste contexto de alguém perseguido, Jesus, a quem procuram para fazer desaparecer e que perde um amigo, cuja perda o comove e faz chorar, mas que deseja consolar quem também sofre muito com isso, as suas irmãs Marta e Maria?

2. Refazer as fontes da esperança

Perante este e outros casos semelhantes, que amiúde nos afetam e fazem parte da vida e missão da Igreja, clero e fiéis, temos que, em primeiro lugar, fazer o problema e a tristeza dos outros a nossa. Comover-nos e até chorar perante a dor de quem sofre, como Jesus. Sem esta empatia serão fúteis todas as outras palavras e gestos que possamos pronunciar ou ter. Até mesmo as frases piedosas soam a oco e revoltam quem sofre. O ministério da consolação passa pelo silêncio, emoção e lágrimas de solidariedade.

Mas quem tem fé, quem acredita, não pode permanecer numa tristeza sem esperança. A interrogação de Jesus às suas amigas Marta e Maria é o início do reacender da chama da esperança. No fundo de elas mesmas são desafiadas a responder, a reagir entre acreditar no sentido da existência ou no absurdo perante a morte absoluta, biológica e pessoal, sem possibilidade de qualquer relação no futuro.

Quem acredita em Deus, mesmo que tenha morrido, vive. E quem vive e acredita em Deus, nunca morrerá. Como será isso possível? Parece um contrasenso, algo contraditório e impossível. Mas a pergunta faz ecoar e vibrar as fíbras profundas da fé ou até mesmo despertar a fé e uma nova maneira de ver e reagir perante o sofrimento e a morte. Mais palavras e razões são inúteis nessa situação ou até serão ofensivas de quem sofre.

A terceira atitude de quem quer consolar é acompanhar as pessoas ao local da dor, ao sepulcro. Em silêncio, quando muito num gemido orante, encarar com as pessoas as causas do sofrimento, como fez Jesus, indo com as pessoas até ao túmulo de Lázaro. No evangelho diz-se que houve o milagre da ressurreição de Lázaro. Eu diria que se tratou de uma reanimação, dum voltar ao convívio dos amigos. Mas não sabemos por quanto tempo. Penso que aí aconteceu também a ressurreição das pessoas enlutadas. A reanimação da sua fé em Deus e no sentido da vida.

Esta é a ressurreição que o evangelho quer operar em nós, que por vezes parecemos mortos vivos, corpos que se movem, mas sem fé, sem alma, sem a crença de Marta, que, perante a pergunta de Jesus, afirma: Eu creio, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo.


Sem pretender tirar todas as ilações da liturgia deste quinto domingo da Quaresma, penso que a oração da Igreja nos quer ajudar a reanimar a nossa fé e abrir à confissão da fé aqueles que se preparam para ser admitidos ao batismo na noite de Páscoa. As comunidades crentes devem ajudar as pessoas que procuram Deus na sua vida e se confrontam com muitas situações de sofrimento e de dor, a abrir-se à pessoa de Jesus, suas palavras, gestos e atitudes, a fim de descobrir aí uma nova possibilidade de relação para além do sofrimento e da morte.

A morte do Justo e dos crentes abre-nos um caminho de esperança, que desejamos reanimar e fortalecer na nossa caminhada quaresmal, para que ninguém no-la roube. É esta esperança que nos leva para o campo de missão, para a semear no coração e na vida dos Alentejanos, dispersos e isolados, que clamam pela nossa proximidade. Sem este percurso de proximidade não poderemos cantar o cântico novo do aleluia pascal.

† António Vitalino, Bispo de Beja
01/ABR/2014

Cansados junto à fonte

No terceiro domingo da Quaresma a liturgia da Igreja apresenta-nos o episódio de Jesus a caminho de Jerusalém junto ao poço de Jacob, em diálogo com uma samaritana. Sem espaço para uma reflexão pormenorizada sobre o sentido deste encontro, deixo aqui apenas algumas pistas de leitura e aplicação ao nosso percurso quaresmal.


No episópio em causa lemos que Jesus, cansado, se sentou junto a um poço e que pede de beber a uma mulher samaritana, que aí foi buscar água, mas que se admira de um judeu falar com ela e lhe fazer um pedido, pois os inimigos não se falam nem muito menos se pedem favores. Depois lemos que o pedinte pode dar a beber um líquido muito mais precioso e que torna a quem o bebe numa nascente para a vida eterna e adorador do verdadeiro Deus em espírito e verdade, em qualquer tempo ou lugar.

É desta bebida, que só Cristo pode dar, que todos precisamos, para não pararmos fatigados no nosso caminho e para continuarmos rumo à meta final. O ser humano tem sede do infinito e não pode contentar-se com a bebida de todos os dias, necessária, mas insuficiente para o levar até à meta. Como se chama esta bebida e quem a pode dar? O próprio Jesus Cristo o diz: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida...(Jo 14, 6). Vinde a Mim, vós todos que andais fatigados, que Eu vos aliviarei...(Mt 11, 28).

E onde e como encontramos Cristo? A minha resposta pode não satisfazer a todos. Por isso apenas aconselho a que ninguém deixe de a procurar, de caminhar até o seu espírito fazer a experiência feliz desse encontro, pois quem procura encontra. Ou melhor, Ele está em nós e espera, com paciência e respeito pela nossa liberdade, até que batamos à porta, para Ele nos abrir e cear connosco (Ap 3, 20), ou seja, satisfazer todos os anseios do nosso coração. Muitos fizeram a experiência desse encontro feliz no seu percurso de vida no aquém, como a Samaritana, o apóstolo Paulo e tantos outros.


Recordo uma das muitas narrações da experiência do encontro pessoal na fé e que ficou célebre. Trata-se de Santo Agostinho, que, no livro X, nº 27-28 da sua obra as Confissões assim a descreve: Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a procurar-te... Tu me chamaste, gritaste por mim e venceste a minha surdez. Brilhaste, e o teu esplendor afugentou a minha cegueira. Exalaste o teu perfume, respirei-o e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo da tua paz me inflama. Quando me unir a ti com todo o meu ser, não sentirei mais dor ou fadiga. A minha vida, cheia de ti, será então a verdadeira vida...
† António Vitalino, Bispo de Beja

17/MAR/2014

Experiência do sentido

1. Pôr-se a caminho e subir
Desde o nascimento até à morte a vida do ser humano é um contínuo estar em saída, trilhando caminhos cuja direção nem sempre se sabe e muito menos se compreende. Para muitos pensadores a vida não tem sentido, classificando-a até de absurdo, de seres condenados a ser livres, o que torna a própria liberdade um absurdo.

Mas entre o caminhar confiantes e com esperança de chegar a um fim feliz, há muitas experiências de avanços e recuos, entre antevisão alegre da realização plena e escuridão do desânimo da esperança perdida ou pelo menos cimentada de muitas dúvidas.


Essas núvens adensam-se sobretudo se os nossos objetivos de vida se baseiam apenas no progresso material e os horizontes têm os limites de uma economia de austeridade, de recessão, de montanhas intransponíveis ou de vizinhos que invejam e ameaçam o nosso bem estar, como podemos constatar no mundo global em que vivemos, mas de portas fechadas para acolher e integrar os outros, sobretudo os mais pobres, no mundo das nossas relações sociais.

Deixo estes breves pensamentos, que cada um pode aprofundar e aplicar à sua existência e ao quadro social e político em que vivemos, para propor uma alternativa proveniente de uma experiência da fé cristã, comprovada pela história, experimentada no presente por muitos que acreditam e ousam projetar a sua vida de acordo com essa fé, caminhando com esperança para um futuro com sentido, de realização plena do ser humano em todas as suas dimensões.

Os cristãos estão a viver e celebrar um tempo forte da sua fé, a Quaresma, um itinerário de quarenta dias até à Páscoa, em que são convidados a fazer a experiência do êxodo, um itinerário de saída de si mesmos, na escuta da Palavra de Deus e no seguimento de Jesus Cristo, que nos convida a subir o monte da revelação do sentido do seu e nosso caminho, não apenas subindo o monte da transfiguração, mas também o monte das Oliveiras e do Calvário, em Jerusalém, onde o sofrimento da Paixão e exaltação na cruz será seguido da experiência da alegria da ressurreição. É este itinerário que proponho como leitura orante com a celebração da liturgia do segundo domingo da Quaresma.

2. Revelação do sentido no Monte Tabor
A liturgia deste segundo domingo da Quaresma apresenta-nos o desafio de Deus a Abraão para deixar o seu torrão natal e pôr-se a caminho da terra prometida. Fala também do convite de S. Paulo ao seu discípulo Timóteo para não ter medo de sofrer por causa do Evangelho, ou seja, do testemunho da boa nova que é a pessoa e a vida de Jesus.


Mas apresenta-nos também o convite de Jesus a três apóstolos de subir com Ele o Monte Tabor, para compreenderem que a continuação do caminho para Jerusalém seria a manifestação do verdadeiro Messias, o Salvador que salva e liberta pela experiência do sofrimento e da morte, um absurdo para os pagãos, para quem não tem fé em Deus, um escândalo para os judeus que apenas acreditavam num Messias glorioso pelo poder e riqueza do mundo, mas glória para os seus verdadeiros discípulos, como escreverá mais tarde o apóstolo Paulo aos Coríntios.

Este contexto do episódio da transfiguração do Monte Tabor é importante, para compreendermos o seu sentido e significado para o nosso caminhar hoje, no subir penoso do monte do desprendimento dos fardos pesados e da experiência da paixão e fascínio por aquele que nos convida a subir. A subida do monte tem um significado forte na história bíblica em que Deus se revela ao seu povo, seja o monte Moriah com Abraão, seja o Monte Sinai com Moisés, o monte Horeb com Elias ou o monte Calvário com Jesus. Mas também na tradição religiosa dos místicos, como em S. João da Cruz com a Subida do Monte Carmelo.

Mas vejamos e apliquemos o que acontece no Monte Tabor. Na versão do Evangelho de S. Lucas diz-se que Jesus subiu ao monte para orar, como em tantos outros momentos significativos da sua vida. E, enquanto orava, os discípulos dormiam, porque estavam cansados. É neste contexto que os discípulos acordam e veem Jesus transfigurado e rodeado de dois personagens significativos da história bíblica, Moisés e Elias, símbolos da Lei e dos Profetas, e ouvem a voz de Deus que proclama Jesus o Seu Filho muito amado, a quem devemos escutar e seguir. Isto significa que Jesus é a nova lei e o profeta a quem temos de escutar para chegar à terra prometida.

Mas o que nos diz Jesus e o que faz para lá chegar? Convida os discípulos e a nós, deslumbrados com aquela experiência de luz gloriosa, a ponto de esquecer a realidade, a descer o monte e segui-Lo até Jerusalém, onde se vai manifestar a crueldade do pecado da humanidade, condenando um inocente, mas também o amor até ao extremo de Jesus pelo seu povo, pronto a entregar a vida para o salvar.

Meditando sobre estes acontecimentos do nosso passado da fé, volto o pensamento para o presente, vejo o sofrimento de tantos pobres de bens materiais, sociais e espirituais e pergunto-me: terá sentido tanto sofrimento? É possível evitá-lo ou, pelos menos, aliviá-lo? Como? Qual o papel dos crentes e o meu neste empenho pelo bem do próximo, pelo bem comum?

São muitas as interrogações que me afloram à mente, mas, de repente, olho para as testemunhas da nossa fé, do presente e do passado, sobretudo Jesus Cristo, e vejo que é possível sofrer com os que sofrem, e viver com esperança. Alegres por podermos partilhar e aliviar o sofrimento, sem matar ninguém, mas dando a vida pelos outros.

São estas vidas que têm sentido e dão esperança a um mundo coberto de densas núvens. Por isso sinto que vale a pena continuar o nosso caminho quaresmal, escutando Jesus e seguindo-O, pois Ele é verdadeiramente o Caminho, a Verdade e a Vida e quer que tenhamos a vida em abundância, a vida plena, não apenas a vida do bem estar material, que não tem sentido fechada em si mesma, mas só aberta aos outros e a Deus, que dá a plenitude do sentido da vida humana.
† António Vitalino, Bispo de Beja
09/03/2014

NATAL DA ESPERANÇA

1 - Nascimento de uma grande esperança

Sempre que há vida, também há esperança. Todos já experimentamos situações de vidas a nascer e de vidas em perigo de extinção. Por ocasião de um parto difícil, de um terramoto, furacão ou naufrágio testemunhamos frequentemente a alegria de sentir sinais de vida ou a decepção e tristeza ao não encontrá-los.

Apesar de sabermos que a vida é frágil e por vezes nos sentimos às portas do abismo, no entanto trazemos em nós a ânsia da eternidade e tudo fazemos para prolongar a vida na condição que a conhecemos. Por isso damos grande valor a todos aqueles que amparam a vida das pessoas na sua fragilidade, na doença, na infância, na idade avançada, etc. Normalmente pensamos apenas na saúde do corpo, julgando que isso sacia a vontade de viver. Se assim fosse, não compreenderíamos as doenças psíquicas, o suicídio de pessoas aparentemente saudáveis, nem a serenidade de alguns moribundos ou de outros que arriscam as suas vidas para salvar o próximo.


Isto significa que há mais vida e vontade de viver para além da saúde do corpo. Mas deixo isso à reflexão dos leitores e ouvintes, para agora falar daqueles que experimentam a realização da sua esperança na luz da fé, que faz reconhecer na criança nascida em Belém o Salvador prometido, o Deus connosco, cujo nascimento o Natal cristão celebra. Pela celebração da memória deste nascimento tornamos presente não apenas a vida de uma pessoa histórica importante, mas renasce, reaviva-se e cresce em nós a confiança e daí também a esperança na vida, porque o autor da vida se aproxima de nós, se faz um de nós e nos comunica o seu amor indelével. Por isso, celebrar o Natal é para os cristãos fonte de vida a caminho da realização plena. Esta celebração torna-se uma necessidade, que, como tudo o que vive no tempo e no espaço, carece de frequente repetição celebrativa.

2 - Alegria da esperança realizada

Mas um cristão não pode contentar-se com passar o Natal do mesmo modo que o faz a maioria das pessoas. Consumo de presentes e formalidades, banquetes, viagens, passeios, etc. Esta maneira de viver o Natal desgasta-nos, cansa-nos e deixa um lastro de tristeza. Precisamos de deixar brotar do nosso coração e dos nossos lábios um cântico de louvor, ao reconhecer na criança de Belém Deus que nos visita e quer ficar connosco. Com os pastores e tantos crentes através da história também nós cantamos: glória a Deus nos céus e paz na terra aos homens de boa vontade.


Com o Papa Francisco, as nossas famílias e comunidades cristãs, acolhemos com alegria a boa nova deste nascimento salvador e queremos transmitir a outros esta esperança realizada no nascimento de Jesus. Seria um bom presente de Natal, se nos oferecêssemos algum tempo para celebrar a nossa fé com as nossas comunidades e famílias, para dialogarmos uns com os outros e para ler os dois últimos escritos do Papa, a Exortação apostólica Evangelii Gaudium e a Mensagem para o Dia Mundial da Paz, Fraternidade, Fundamento e Caminho para a Paz.

Estes documentos fornecem temas ricos para o nosso diálogo e reflexão. Vêm fundamentar as causas da nossa alegria, reavivar a nossa esperança e fazem-nos ver também o porquê de tanta tristeza, miséria e infelicidade à nossa volta.

No Natal descobrirmos as raízes da família humana num único tronco, a árvore da vida que germinou e floresceu entre nós, nos restitui a dignidade de filhos reconciliados com Deus e fortalece a fraternidade dos irmãos que se amam e procuram o bem uns dos outros. Esta descoberta para muitos e revitalização da fé para outros será um forte contributo para vencer as crises de que tanto se fala, mas pouco se faz para as resolver.

Nesta convicção proveniente da fé, que fundamenta a esperança dos cristãos e me chamou a servir a Igreja de Beja como bispo, imploro de Deus a bênção, para que todos possam celebrar este Natal com alegria renovada, na esperança de um novo ano em que se renove a solidariedade, o amor e a fraternidade, que ponham fim às guerras, à pobreza, à exploração, à ganância e dissenções, na família, na sociedade, na política, no nosso país e no mundo. Para todos alegres festas de Natal e Ano Novo abençoado.

+ António Vitalino, Bispo de Beja

16 de Dezembro de 2013



DESEJO E ESPERANÇA

1 - Purificar o desejo
Toda a pessoa deseja e espera alguma coisa, agradável ou não, que a move em direção ao esperado ou em sentido contrário, se é desagradável. Do desejo surge o interesse, que desperta a atenção e a vigilância. O pior que nos pode acontecer é nada nos interessar. Viver sem objetivos, sem metas, ao sabor dos acontecimentos, pode causar o desespero e levar até ao suicídio.

Há alguns anos atrás li um estudo sobre o desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida, onde se referia o caso de algumas que recusavam o alimento, parecendo quase desistir de viver. Nesse estudo dizia-se que essas crianças, embora tendo tudo para se alimentar, não se sentiam amadas. Isto fez-me refletir sobre tantas crianças mal-amadas pelos seus progenitores e tantas outras institucionalizadas devido a problemas na família. Ao mesmo tempo lembrei-me da minha infância, no tempo da segunda guerra mundial, da pobreza de muitas famílias e da falta de alimentos, mas ao mesmo tempo do carinho e da atenção para com os mais pequenos, de modo que as carências materiais pouco nos afetavam.

Olhando as famílias das últimas décadas, nota-se a abundância de alimentos e de objetos materiais de entretenimento, mas pouco tempo para as crianças, poucas manifestações de carinho e ternura. A falta de atenção e amor tem produzido um deserto demográfico, pelo receio de não haver meios materiais suficientes para o crescimento dos filhos, mas, pior que isso e talvez mesmo em consequência disso, tem conduzido a uma frieza e pobreza de relações, que originam muitas doenças psíquicas, em crianças, jovens e adultos.


Sem querer estabelecer uma relação de causa e efeito dos problemas que afetam a nossa sociedade, deixo aqui estas referências, para o nosso exame de consciência neste tempo de preparação para o Natal, na minha infância muito desejado, por motivos diferentes dos de hoje, pois muito pouca gente relaciona esta festa com a manifestação do amor de Deus por todos nós e que por isso se faz um de nós, para estar connosco, o Emanuel. Muitos esperam os presentes, sem alegria e sem amor e os adultos têm dificuldade em encontrar algo que ainda desperte contentamento nos mais novos. Porquê?

2 - Fortalecer esperança
Diz-se dos portugueses que são pessimistas e por isso tristes. Vivemos muito da nostalgia, da saudade de momentos bons do passado, que deveriam ser memória grata para fortalecer a nossa confiança na vida e nos fazer esperar ainda tempos melhores. A oração da Igreja ajuda-nos a cultivar horizontes de esperança através da celebração dos mistérios da nossa fé, tornando presentes os acontecimentos da vida de Jesus Cristo, que prometeu ficar connosco até ao fim dos tempos e associar-nos à plenitude da sua vida.

As quatro semanas antes do Natal, denominadas na oração da Igreja de Advento, têm a tónica da esperança. Trazem-nos à memória belos textos proféticos, sobretudo de Isaías, e palavras dos evangelhos, a boa nova do amor de Deus por nós. Mas tudo isto não é para nos projetar no passado, mas para nos fazer crescer e caminhar rumo à plenitude da vida, caminho este que nunca está concluído.

Repito aqui palavras do Papa Francisco no Angelus do 1º domingo do Advento: Como na vida de cada um de nós, há sempre necessidade de começar de novo, de levantar-se, de reencontrar o sentido da meta da própria existência, assim, para a grande família humana é necessário renovar sempre o horizonte comum, rumo ao qual somos encaminhados... O tempo do Advento restitui-nos o horizonte da esperança, uma esperança que não desilude porque é fundada na Palavra de Deus.

As catequeses do nosso Sínodo, desta vez sobre a riqueza da Palavra de Deus, também nos podem ajudar nas etapas do caminho, iluminando alguns enigmas e interrogações e fortalecendo as nossas convicções. Uma coisa é certa: sozinhos, sem a abertura à comunidade, a começar pela família, sem relação com Deus na oração, torna-se impossível caminhar e alcançar a meta. O mundo fechado do egoísmo individualista não é o mundo de Deus e da nossa fé cristã.

Por isso peço a todos os colaboradores na missão da Igreja da diocese de Beja, para não se cansarem nem desistirem de alimentar a luz e a esperança deste povo fatigado, pondo-se a caminho com ele.

+ António Vitalino, Bispo de Beja
09 de Dezembro de 2013



O programa do Papa e o nosso

O Papa convida os cristãos a ser testemunhas alegres do evangelho, sem a tristeza do individualismo, atentos ao clamor dos pobres, abertos ao diálogo com todos, cristãos ou não, sem que para isso tenham de esconder a afirmação da sua identidade cristã. Os verdadeiros discípulos missionários do Evangelho são construtores do Reino de Jesus e da paz na justiça, na verdade e no amor…

1.    Programa do Papa
Quase todos os políticos e gestores apresentam os seus programas de governo, apelando aos seus eleitores e colaboradores para confiarem neles. O nosso Papa Francisco, escolhido a 13 de Março para a cátedra de Pedro e bispo de Roma, não estando nessa altura na sua mente essa missão que lhe foi confiada, não apresentou nenhum programa de candidatura, mas tem dado seguimento ao testemunho da sua fé, como cristão e pastor na Igreja, como discípulo missionário de Jesus Cristo. Por palavras, gestos e atitudes tem mostrado claramente como gostaria de ver a Igreja, chamada a ser sinal e sacramento de unidade e comunhão de todo o género humano, uma Igreja pobre para os pobres.


Passados vários meses, dando seguimento ao desejo e propostas do sínodo dos bispos, de outubro de 2012, sobre a nova evangelização para a transmissão da fé cristã, ao encerrar o Ano da Fé, proclamado pelo Papa emérito Bento XVI, a 24 de Novembro, publicou uma longa exortação apostólica, intitulada Alegria do Evangelho, na qual exprime as linhas programáticas para a Igreja nos próximos tempos.

Este documento está redigido bem no estilo a que já nos habituou o Papa Francisco: simples, profundo, direto, arrojado e interpelativo. É uma leitura dos sinais dos tempos com indicações concretas para o caminho e missão da Igreja, entendida como povo de Deus, leigos e hierarquia, de todos os estados de vida, profissões e condições. Interpela a todos a viver abertos a Deus e aos outros, sobretudo aos pobres, aos marginalizados e explorados dos poderes do mundo, pondo o dedo em muitas feridas das atitudes individualistas, surdas ao diálogo e rendidas ao consumo, dentro e fora da Igreja.

Convida os cristãos a ser testemunhas alegres do evangelho, sem a tristeza do individualismo, atentos ao clamor dos pobres, abertos ao diálogo com todos, cristãos ou não, sem que para isso tenham de esconder a afirmação da sua identidade cristã. Os verdadeiros discípulos missionários do Evangelho são construtores do Reino de Jesus e da paz na justiça, na verdade e no amor, sempre confiantes no poder do Espírito Santo, alma da Igreja e sem medo de sujar as mãos ao tocar os pobres e as misérias deste mundo.

2.    Nosso programa no caminho do Advento
Apesar de se tratar de um documento extenso, este escrito papal lê-se com facilidade, no estilo muito pessoal e interpelativo do Papa Francisco. Por isso ouso aconselhar a sua leitura neste tempo do Advento, início do ano litúrgico da Igreja, em que precisamos de alimento para o nosso caminho de esperança na vinda do Senhor, para salvar a nossa humanidade, carente de amor e de pão, muito desigual no usufruto dos bens deste mundo e do alimento que vem do céu.

Outra recomendação para este tempo é a participação na oração comunitária dos cristãos, sobretudo aos domingos, preparando bem a nossa integração nas celebrações da fé, aproveitando os convites para os encontros de formação nas nossas paróquias e movimentos. Aponto como exemplo as catequeses publicadas pela comissão do Sínodo diocesano, que nos ajudam a compreender a riqueza da Palavra de Deus para a nossa vida e propor sugestões para melhorarmos a qualidade de vida cristã nas nossas comunidades. Responder ao questionário sobre a família, preparando o próximo Sínodo dos Bispos, também é uma boa proposta, para o nosso diálogo e exame de consciência em família.

Uma outra indicação para fortalecermos a esperança e caminharmos com alegria é o caminho da partilha fraterna. A recolha de alimentos para o Banco Alimentar contra a Fome, feita neste fim-de-semana com a participação de milhares de voluntários generosos, jovens e adultos, veio lembrar-nos que sem partilha e entreajuda não conseguiremos combater as injustiças e as crises dum mundo egoísta, cheio de desigualdades e indiferença perante os sofrimentos do próximo. A solidão na doença e na pobreza causam sofrimento atroz e exclusão nas nossas sociedades. Por isso o Advento deve levar-nos a caminhar com alegria ao encontro dos que sofrem, seja pela solidão, a doença, a pobreza, ou pela falta de trabalho remunerado, etc.

Não é preciso ser rico para poder partilhar e fomentar a esperança, a alegria e o amor. Assim estamos a preparar o Natal, a contribuir para a construção dum mundo mais solidário, dialogante, próximo e fraterno. Assim evangelizamos e construímos o Reino de Jesus Cristo, que vem até nós, para nos libertar.

† António Vitalino, bispo de Beja
03 de Dezembro/2013



Questões sobre a família

Nos últimos dias a comunicação social tem posto na praça pública muitas questões sobre o pensamento da Igreja católica acerca da família. Primeiro ao tomar conhecimento do questionário enviado de Roma para preparar o Sínodo dos Bispos, convocado pelo Papa Francisco para 2014 e 2015 e que versará sobre esta temática. Depois ao saber da carta pastoral acerca da ideologia do género, publicada pela conferência episcopal portuguesa a 14 de Novembro.

Mas, afinal, vai haver ou houve mudanças substanciais no pensamento da Igreja acerca da família? Ou apenas mudança de sensibilidade e atitude na relação com as famílias e pessoas que não vivem de acordo com a doutrina tradicional da Igreja católica?


Em primeiro lugar, convém desfazer alguns mal entendidos. Sempre foi costume fazer anteceder os sínodos com muitas questões acerca do tema escolhido. Desta vez, talvez também por vontade expressa do Papa Francisco, o questionário sobre a família deve ser respondido não apenas por membros do clero, mas também pelos leigos. Além disso, há perguntas sobre atitudes expressamente contrárias à doutrina tradicional da Igreja sobre o casamento e a família. O Sínodo quer saber a sensibilidade dos católicos a esse respeito, com frontalidade, sem subterfúgios. Isso não significa que tenciona mudar a doutrina da Igreja, que assenta na revelação bíblica e na antropologia judaico-cristã.

Sem querer antecipar as respostas ou influenciar a liberdade dos membros do Sínodo, representantes dos bispos de todo o mundo, e, quem sabe, talvez também de leigos, pelo menos como ouvintes e consultores, destina-se esta breve nota a tranquilizar os católicos, pelo menos os diocesanos de Beja, pedindo-lhes para responder às questões, sem preconceitos ou temor, fazendo-se intérpretes da real situação e sensibilidade das famílias, pois só assim a Igreja poderá encontrar respostas a problemas reais e desenvolver práticas pastorais que ajudem verdadeiramente as famílias, cujo bem nos deve preocupar sempre, sobretudo as mais fragilizadas por problemas de vária ordem.



2. Famílias heróicas

Apesar de nos devermos preocupar com as famílias afetadas pelo mais diverso tipo de crises, gostaria de aqui deixar o meu apreço por tantos casais e famílias que conseguem crescer na comunhão e amor do casamento entre homem e mulher, mantendo-se fiéis e sendo generosos na transmissão da vida a novas gerações, contribuindo assim para a construção do bem comum da sociedade, sobretudo a europeia, que já não consegue renovar as gerações, e vai envelhecendo galopantemente. E nem a imigração de gente nova no ativo consegue contrariar. Mesmo a nível económico a situação vai degradando. Mas sobre isso muito se tem escrito.


Esta visão da Igreja sobre o casamento não vai mudar. A carta pastoral dos bispos portugueses sobre a ideologia do género, mostrando as implicações e consequências da sua aceitação em muitos países e a nível da comunidade europeia, reafirma essa visão e fundamenta a mesma na antropologia judaico-cristã, no bem comum e no desenvolvimento integral da nossa sociedade. A ideologia do género implica uma mutação cultural, com graves consequências para o mundo, muitas delas ainda pouco refletidas.

Mas pode sim haver alguma alteração na atitude da Igreja para com aqueles que não conseguem realizar e viver na perfeição este ideal de vida cristã. Digo dos que não conseguem e não dos que não querem. Por isso é importante ouvir das pessoas implicadas a sua sensibilidade e realidade concreta, para encontrarmos essas atitudes pastorais, à semelhança de Jesus, o bom pastor, que se compadecia das multidões e dos pecadores.

Como bispo diocesano peço a todos que respondam às questões formuladas. Quem não tiver acesso à internet, pode dirigir-se aos párocos e movimentos católicos e pedir o elenco das perguntas enviadas pelo secretariado do Sínodo. Como são muito complexas, o Patriarcado de Lisboa desdobrou-as em questões que podem ser respondidas com uma simples cruz. Também este formulário está acessível on-line na página do Patriarcado ou pode ser pedido aos párocos. Não deixem de refletir e responder, se possível até dia 15 de dezembro, entregando as respostas aos párocos ou enviando-as para a diocese, pois é também uma maneira de vivermos o nosso sínodo diocesano, em que desejamos caminhar mais unidos, na fé, na esperança e no amor.



† António Vitalino, bispo de Beja
25 de Novembro/2014


Fé e Serviço

1. Fim do Ano da Fé?
O Ano da Fé proclamado pelo Papa emérito Bento XVI, que começou a 11 de Outubro de 2012, vai encerrar a 24 de novembro de 2013, solenidade de Cristo Rei e último domingo do ano litúrgico. Também o faremos a nível diocesano na Sé de Beja, numa solene celebração com três instituições para os ministérios e duas ordenações de diáconos, o Luís Taborda, de Grândola e o frei João Gonçalves, brasileiro em missão entre nós.
Ao terminar este ano temos de nos perguntar, se valeu a pena celebrar um ano sobre a fé. A nível civil e eclesial celebram-se muitos dias e anos dedicados aos mais variados assuntos e temas, para realçar a sua importância e não para depois disso banir da memória e da nossa vida o tema comemorado, muito menos tratando-se da fé, uma das três virtudes teologais, ou seja um dos hábitos fundamentais da vida cristã, a par da esperança e da caridade. Sem a fé, explicitada no credo ou símbolo dos apóstolos, não é possível ser cristão.
Mas afinal que nos traz a fé? O fascínio pela ciência e pela razão pode levar-nos a pensar que a fé impede o progresso e o desenvolvimento das capacidades do ser humano e apelidar de atrasadas as pessoas animadas pela fé em Deus. Mas a fé esclarecida e iluminada pela pessoa e pelo evangelho de Jesus Cristo tem o efeito contrário a essa suposição. A razão aberta à fé faz-nos ver a realidade muito mais rica, complexa e bela do que a simples explicação científica. A fé não nos deixa parar na simples constatação dos resultados obtidos pela ciência. Abre a nossa própria razão e pessoa à plenitude de sentido, à vida eterna que todos desejamos e que só Deus pode conceder. A fé cristã empolga as nossas vidas e deixa-nos vislumbrar a sua realização plena. Alimenta e fortalece a nossa esperança e faz-nos atuar a partir e em vista dessa plenitude de sentido pelo amor.


2. Vocações para o serviço
Ao encerrar o Ano da Fé vamos ordenar e instituir pessoas para o serviço ao povo de Deus na Igreja. Muitos interrogam-se sobre o que pode levar pessoas normais a disponibilizar-se para um serviço e estilo de vida que implica renúncia aos modos habituais de viver da maioria dos homens. Mas também há quem não só não compreenda tal decisão, mas até a critique e rejeite como algo impossível e anormal.
Também neste caso vem a propósito mencionar a famosa máxima de Pascal: há razões que a inteligência desconhece ou não compreende. Na brevidade deste texto direi apenas que sem a luz da fé e o amor infundido por Deus no coração daqueles que ele chama para um serviço exclusivo e total no seu Reino, isso não seria possível. Esta chama que motiva os vocacionados a entregar-se totalmente ao serviço do Reino precisa de ser alimentada e cultivada na vida da Igreja, nas comunidades e nas famílias cristãs. Temos de promover uma cultura vocacional na Igreja, um pouco em contracorrente com a cultura reinante do saber para alimentar o poder, o ter, o domínio, o êxito. A fé abre-nos a uma cultura do serviço, da vida como uma entrega e oblação para o bem da comunidade.
Na escassez de vocações para o serviço ordenado na diocese de Beja temos de agradecer a Deus, às famílias e às comunidades onde surgem estas vocações para o serviço, abrir-nos a uma cultura vocacional nas paróquias e famílias, pois quem não prepara o terreno e semeia também não pode esperar colher.
Aqui temos duas razões fortes para no próximo domingo virmos à Sé de Beja agradecer a Deus o Ano da Fé e as vocações dos que vão ser ordenados e instituídos para o serviço e alimento da fé na vida da diocese, ao mesmo tempo que nos reanimamos para implementar entre nós a cultura vocacional para o serviço.

† António Vitalino, bispo de Beja,

18 de Novembro de 2013

Formar para a vida
No próximo domingo começa nas dioceses portuguesas a semana dos seminários, altura para nos interrogarmos sobre o seu papel na vida da Igreja e da nossa sociedade. As comunidades dos seminários não se podem fechar em si mesmas. Precisam da relação com as comunidades reais e estas também de se relacionar com os seus seminários.

1. Preparar para a vida


O ser humano depende de uma relação e desenvolve-se numa rede de relações, nas quais encontra o seu lugar, dando e recebendo. A relação primordial e fundamental encontra-se na família, a partir dos pais. A inserção na rede de relações exige preparação, estudo e prática.

Neste mês de Novembro, que iniciou sob o signo de todos os santos, agora, sem direito a dia santo, só recordados pelos católicos, a que se seguiu a comemoração dos fiéis defuntos, que leva aos cemitérios grande parte da população portuguesa, lembramos que a nossa relação não é apenas com os vivos, mas também com os falecidos. A isto a fé católica chama comunhão dos santos.

Enquadrar assim a nossa vida na história da humanidade, com passado, presente e futuro, alarga o horizonte das nossas relações e faz surgir em nós um sentimento de pertença a uma nova cidadania, a que aludimos na frase anterior. Mas também precisamos de ser formados para este novo mundo de relações. A oração da Igreja é o melhor exercício dessa relação. Assim faz sentido a memória orante dos nossos antepassados. Ao fazê-lo, surge em nós uma paz profunda e a nossa vida ganha o sentido da eternidade.

Mas quem nos forma para este mundo rico de relações? A família, a Igreja, mas também uma escola que eduque para os valores e uma sociedade que se oriente por eles desempenham um papel imprescindível na formação da identidade e da cidadania global da pessoa humana. Por isso nunca é demais investigar o nexo destas relações e formar para a abertura aos valores que contribuem para a realização plena da humanidade.

2. A formação nos seminários


No próximo domingo começa nas dioceses portuguesas a semana dos seminários, altura para nos interrogarmos sobre o seu papel na vida da Igreja e da nossa sociedade. Já lá vão os tempos em que muitos dos nossos jovens, depois do ensino primário, iam para os seminários, sobretudo os filhos de famílias com menos recursos económicos para pagar estudos nos poucos liceus, longe da maioria das nossas aldeias. Muitos abandonavam os seminários, alguns já em fase adiantada dos estudos. Apesar disso, ainda hoje se ouve da boca de antigos alunos dos seminários e de suas famílias de que foram beneficiados com a educação recebida.
Como sabemos, os seminários surgiram como imposição do concílio de Trento, no século XVI, para a formação do clero. A reforma protestante e o pluralismo religioso que surgiu na Europa e depois foi levado para os novos mundos então descobertos, obrigava a uma formação mais profunda e homogénea do que a recebida na família, nas comunidades crentes junto dos párocos e nas universidades.

Este tipo de preparação do clero trouxe vantagens, mas também alguns malefícios. Nos escritos do Novo Testamento lemos como surgiam as comunidades crentes no Senhor Jesus Cristo e como se organizavam, de modo a constituírem verdadeiras fraternidades, em que os dons eram exercidos e partilhados para o bem comum.

Modelo dessas comunidades era a de Jerusalém, descrita no livro dos Atos dos Apóstolos. Os que acreditavam em Jesus Cristo e recebiam o batismo eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão (a Eucaristia) e às orações. Partilhavam os bens com os mais pobres, de modo que ninguém entre eles passava necessidade (cf Atos 2, 42 ss e 4, 32 ss).

Neste ambiente comunitário surgiam os dons, graças e carismas para o serviço e o bem de todos. Este foi o melhor seminário, ou seja, viveiro das vocações necessárias para a vida das comunidades cristãs. Este deverá também ser o modelo de formação dada nos seminários. As comunidades dos seminários não se podem fechar em si mesmas. Precisam da relação com as comunidades reais e estas também de se relacionar com os seus seminários.

Os formadores, os párocos e os bispos precisam de estar atentos, para que nos seminários se cultive este tipo de formação. Por vezes ouvem-se queixas acerca do clero jovem. Acusa-se de individualista, ditador, fechado numa liturgia ritualista, com relações humanas deficientes. Por isso a Igreja, as comunidades cristãs e os formadores devem cultivar uma relação humana, orante e de entreajuda, também económica, procurando sempre os melhores meios para formar um clero segundo o Coração de Jesus, compassivo, misericordioso, atento aos pobres e aos pecadores.

Também em relação aos seminários se pode aplicar a norma de que precisam de reforma constante, não fazendo deles estruturas fechadas e intocáveis. Neste sentido, não esqueçamos os nossos seminários, os seus formadores e seminaristas. Rezemos por eles. Que os seminários se abram às comunidades e estas aos seminários, para que surjam as vocações para o serviço missionário, para que o Reino de Deus cresça!

† António Vitalino, bispo de Beja
(Semana dos Seminários)


Instituições sociais e a crise

1. Crise económica ou social?

Na última semana reuniram-se no Centro Pastoral da Diocese de Beja representantes e técnicos de grande parte das instituições sociais a operar na área da diocese, Baixo Alentejo e Alentejo Litoral, convidadas pelo bispo, a fim de ouvirmos da sua parte aquilo que esperam da Igreja, muito especialmente neste tempo de crise. Estiveram presentes cerca de 200 pessoas ligadas às Misericórdias e às instituições de solidariedade social, ligadas à Igreja e civis, outras a movimentos sócio-caritativos, de âmbito nacional, diocesano ou paroquial.

Depois de ouvirmos falar o Presidente da União das Misericórdias, Dr. Manuel Lemos e o Presidente da Cáritas Nacional, Prof. Eugénio Fonseca, houve tempo para o diálogo. Conscientes de que o aumento de casos de pobreza e a diminuição de recursos económicos obriga a uma melhor gestão, quase todos os intervenientes, altos responsáveis da economia social na área da diocese, se pronunciaram no sentido de que a crise é mais profunda no que respeita aos valores humanos e cristãos, como por exemplo, o individualismo e materialismo na família, no sistema educativo, nas relações sociais e políticas. Por isso mais urgente se torna a evangelização das pessoas e das estruturas sociais por parte da Igreja, não apenas pela repetição da doutrina social da Igreja, hoje mais atual que nunca, mas sobretudo por bons testemunhos da sua vivência a nível pessoal e comunitário.

Noutros tempos de maior pobreza que hoje, as famílias e a sociedade a nível das estruturas intermédias estavam atentas às necessidades dos seus membros e apoiavam-se de modo a minorar o sofrimento. Hoje parece dominar a regra de cada um por si e o Estado que providencie. Esqueceu-se a força social da subsidiariedade, isto é, a solução dos problemas pelas pessoas e estruturas mais próximas, recorrendo apenas a organizações superiores quando as inferiores não têm capacidade de resolver as situações por si sós.

Criou-se a mentalidade do Estado providência e da subsidio­dependência, com culpas para ambas as partes. Precisamos de responsabilizar as pessoas e a sociedade civil e reestruturar o Estado, cuja razão de ser é o serviço à sociedade, em vez de a querer substituir ou pô-la a seu serviço. A missão dos políticos, eleitos pelo povo nos regimes democráticos, é regular a economia, de modo que se oriente por princípios éticos e democráticos, não permitindo que poderes ocultos açambarquem os recursos a proveito de alguns indivíduos ou grupos.
2. O Sínodo e a intervenção social e cultural

O Sínodo que estamos a realizar na diocese de Beja deve ser para nós uma oportunidade de nos consciencializarmos da missão da Igreja, tornando-a mais colegial, corresponsável e missionária, de modo a ser fermento de uma sociedade mais humana e fraterna, que tem a verdade como fundamento, a justiça como norma, o amor como impulso e a liberdade como clima. Estes princípios reafirmados pela encíclicaPacem in terris do bom Papa João XXIII e de que este ano se comemorou o 50º aniversário, precisam de ser implementados na nossa Igreja diocesana e na sociedade.

As propostas surgidas do primeiro ciclo de reflexões sinodais sobre a Igreja como é vista pelo Concílio Vaticano II podem ajudar a nossa Igreja diocesana a tornar-se mais presente e atuante no tempo e no espaço da nossa intervenção.

A verdade te libertará é o lema do nosso Sínodo, assumindo uma expressão do evangelho, mas formulado no singular. Precisamos de descobrir a verdade da nossa vida e missão e acolhê-la de coração aberto, partilhando-a numa proposta imbuída de amor ao próximo, fazendo-lhe justiça, no respeito pela sua liberdade.

Nesta tarefa temos de unir forças, reanimar a nossa vocação e acreditar nos valores vividos e transmitidos por Jesus Cristo, que nós confessamos como o nosso salvador. Os valores espelhados na vida de Jesus e transmitidos pelo Evangelho, se verdadeiramente assumidos na vida e missão da Igreja, ajudarão a nossa sociedade a libertar-se do ambiente injusto e corrupto em que está mergulhada. Este deve ser também o nosso contributo para ajudar a superar a crise, não apenas financeira e económica, mas sobretudo dos valores da verdade, da justiça, do amor e do respeito pelo próximo. Escusado será dizer que vemos estes valores na realidade do seu fundamento, o Deus de Jesus Cristo, a cuja imagem e semelhança fomos criados.
   † António Vitalino, bispo de Beja,
22 de Outubro de 2013


Emigrantes responsáveis

1.   Formação e responsabilidade
Na semana passada tive oportunidade de participar numas jornadas de formação dos agentes pastorais de língua portuguesa na Alemanha e na Suíça, cerca de 45 pessoas, e em celebrações da fé com procissões de Nossa Senhora de Fátima em três comunidades das missões portuguesas de Basel e Luzern, na Suíça. Nas jornadas refletiu-se sobre a catequese familiar em ambiente de emigração e sobre as relações das Igrejas dos países de origem e de destino dos nossos emigrantes. Tivemos também oportunidade de ouvir falar dos novos emigrantes, famílias jovens com filhos, que procuram as nossas missões, sobretudo para aí terem o apoio na formação religiosa das crianças.

Soube que a percentagem de emigrantes de origem portuguesa na Suíça aumentou 20% neste ano, ultrapassando já bastante as duas centenas de milhar. Sendo um país pequeno, montanhoso, rico e bem organizado, os nossos emigrantes também dão um forte contributo para isso.


No curto espaço de tempo, em fim-de-semana, pude observar várias comunidades católicas em funcionamento. Conselhos pastorais bem estruturados, com pessoas responsáveis em todos os setores, liturgia, catequese, economia, cultura, etc. Porque a área das missões é muito extensa e os sacerdotes e outros agentes pastorais têm de assistir várias comunidades, estas estão organizadas de tal modo que os padres se podem dedicar mais à celebração da fé e à formação dos colaboradores.

Ao chegar às diferentes comunidades verifiquei que todas estavam a funcionar e preparadas para participar nas celebrações. Senti saudades dos anos em que trabalhei na emigração e uma certa tristeza ao lembrar muitas das nossas paróquias, movimentos e serviços, que paralisam quando o padre não está presente.

2. O Sínodo e a corresponsabilidade eclesial
Na diocese de Beja estamos a realizar um Sínodo, isto é, a fazer um caminho conjunto na vida e missão da Igreja diocesana, que envolva todos os cristãos, e não apenas o clero e os consagrados. Sentir-se corresponsável na vida e missão da Igreja é um objetivo ainda distante na maioria das nossas comunidades. Muitos exigem supostos direitos da Igreja, mas têm dificuldade em assumir os deveres do serviço voluntário, para ajudar os mais débeis da sociedade e fortalecer a formação, a comunhão e oração comunitárias.

Como melhorar a nossa situação eclesial? Por onde começar? Quem deve tomar a iniciativa? Com certeza que o bispo e o clero são os primeiros responsáveis e não podem demitir-se das suas obrigações. Mas temos todos que reaprender a trabalhar uns com os outros, respeitando e fomentando os dons de cada membro da comunidade. É melhor caminhar mais lentamente, mas uns com os outros, sem excluir ninguém, do que fazer tudo sozinho. Envolver todos na corresponsabilidade pelo bem comum da vida eclesial e social é uma mais-valia, que a longo prazo traz grandes benefícios.

Com a diminuição do clero na Europa temos de aprender a dar o lugar aos leigos, não apenas dentro dos muros das igrejas, mas na família e na sociedade, para aí serem fermento dos valores evangélicos e testemunhas da fé junto das novas gerações. O tema da catequese familiar, que começa a ser posta em prática em muitas dioceses, e que foi assunto da formação dos agentes pastorais da emigração na Alemanha e na Suíça, é também muito atual para a nossa diocese. O Sínodo deve ajudar-nos a descobrir caminhos de realização deste e outros objetivos, para sermos uma Igreja em comunhão fraterna e participativa na missão.
 † António Vitalino, bispo de Beja
16 de Outubro



CRIAR REDES

A dignidade da pessoa humana realiza-se na relação. Para que esta não seja simplesmente virtual, impessoal, anónima, torna-se necessário fazer uma nova aprendizagem das novas linguagens. A escola e a Igreja têm aqui um campo imenso de investigação e de ação pedagógica junto das famílias, das crianças e dos jovens, que não podemos deixar perder.

1.  Criar relações
Na semana passada tive oportunidade de participar nas jornadas das comunicações sociais da Igreja em Portugal, que versaram sobre a comunicação em rede como novo ambiente pastoral, inspirando-se na mensagem papal para o Dia Mundial de 2013. Foi uma rica oportunidade para ouvir pessoas experientes sobre esta temática, que me fascina e muito me tem ajudado na missão episcopal. Mas, para além do uso intenso dos meios tecnológicos digitais, constatei que eles criaram um novo ambiente de comunicação, mesmo ao nível do testemunho da fé cristã, fazendo surgir novas linguagens e novas mentalidades.


Muitas vezes estes novos meios criam dependências e rompem os laços de proximidade interpessoal. Mas também se revestem de imensas potencialidades na criação de novas relações, que, embora virtuais, não deixam de ser reais. Sabemos que a dignidade da pessoa humana se realiza na relação. Para que esta não seja simplesmente virtual, impessoal, anónima, torna-se necessário fazer uma nova aprendizagem das novas linguagens. A escola e a Igreja têm aqui um campo imenso de investigação e de ação pedagógica junto das famílias, das crianças e dos jovens, que não podemos deixar perder. As escolas de teologia, onde se forma o nosso clero, não podem prescindir de formar os seus alunos nestas linguagens.

Por isso, em primeiro lugar, temos nós próprios de aprender, não apenas a usar os meios digitais, mas a saber entrar neste novo ambiente de comunicação, para nele ajudar a construir relações entre os cibernautas, ajudá-los a encontrar o sentido das suas vidas no mundo e na sociedade em que vivemos, com a sua riqueza de possibilidades, mas também de perigo de se perder na barafunda cibernética.

2. O Sínodo e a comunicação digital
A diocese de Beja está a viver um tempo sinodal, isto é, está convocada para fazer um caminho em comunhão de fé, de esperança, de sentido e de vidas partilhadas. Para que possamos caminhar juntos temos de nos relacionar, comunicar o que sabemos e sentimos, ajudar-nos mutuamente, para ninguém ser marginalizado, ficar perdido no caminho.

Como consegui-lo? Com certeza que os meios digitais nos podem e devem ajudar. Mas temos que saber movimentar-nos nesse ambiente. Por vezes é a única maneira de encontrar e se relacionar com muitas pessoas, de todas as idades e gerações, mas sobretudo os mais novos. É preciso aprender esta nova linguagem e pedagogia. Saber encontrar as pessoas que estão por trás deste mundo virtual, caminhar com elas, escutando as suas expressões e orientando o diálogo na procura do sentido das nossas vidas e provocar o encontro com a pessoa de Jesus Cristo, que é de ontem, de hoje e de sempre.

A história dos discípulos de Emaús indica-nos um bom método para se mover também neste mundo digital, estabelecer relações, despertar interesses e descobrir a verdade e o sentido profundo das nossas buscas.
Sugestiva a exposição do padre António Spadaro, diretor da revista dos jesuítas La Civiltà Cattolica, que fez uma longa entrevista ao papa Francisco e que acaba de publicar um livro com o título de Ciberteologia, pensar o cristianismo na era da internet, cuja leitura aconselho, pois aí podemos compreender o que não é possível dizer nestas breves linhas.

Vamos tentar estar mais presentes neste ambiente digital, para fazer do nosso Sínodo uma experiência de relações em rede, onde Cristo e o nosso próximo devem ser o centro e nos revelar o seu rosto.

† António Vitalino, bispo de Beja
08 de Outubro de 2013


RECOMEÇAR

Ao iniciarmos um novo ano pastoral, saúdo todos os cristãos e pessoas de boa vontade residentes na área da diocese de Beja, com os seus 17 concelhos (14 do distrito de Beja e 3 do Alentejo Litoral) e peço-lhes a atenção para estas breves considerações de um bispo preocupado com o bem de todos.

No próximo sábado, 28 de Setembro, a partir das 9,30 horas da manhã, chegam ao Centro Pastoral de Beja pessoas vindas de todas as paróquias, serviços e movimentos da diocese, para celebrar o XXXI Dia Diocesano, instituído pelo saudoso D. Manuel Falcão, que marca anualmente o reinício das atividades pastorais na diocese de Beja.

No ano passado abrimos o Sínodo diocesano, que está a decorrer. Por isso gostaríamos de contar com todos os membros do Sínodo e os colaboradores na vida e missão da Igreja diocesana. É um momento de encontro, de alegria e de planeamento do nosso ano pastoral. Por isso vamos com alegria para este encontro da família diocesana. O Bispo deseja ver-vos, saudar-vos e comprometer-se convosco.

1. Recomeçar
A 11 de Outubro de 2012 começamos um Ano da Fé, 50 anos depois do início do concílio Vaticano II, convocado pelo bom Papa João XXIII e que despertou na Igreja e no mundo uma onda de esperança. Dum ambiente fechado, cheio de temas e assuntos tabus passou-se a um ambiente primaveril na vida da Igreja, interessada em promover a paz, o bem-estar e o entendimento entre todos os povos, apesar da diversidade de culturas e de religiões. Voltou a sentir-se que Jesus Cristo veio para salvar toda a humanidade e a Igreja não pode adormecer sobre as suas certezas, mas torná-las perceptíveis e credíveis a todos, sem fanatismos, mas com muito amor.


Terá isto acontecido? Em que falhámos? Como reavivar o ardor da esperança, tornar o evangelho e a pessoa de Jesus próxima de todos, viver a alegria de sermos salvos?

De uma Igreja voltada para si mesma, para os seus problemas e questões internas a uma Igreja aberta aos problemas da humanidade, disponível para colaborar com todos os homens de boa vontade, apesar das legítimas diferenças, foi uma revolução copernicana, mais parecida com o seu Mestre e Senhor, Jesus Cristo, que veio para os pobres, os doentes, os pecadores, e não para os justos. Retomar o espírito do concílio e das origens é uma tarefa de sempre. Ver e agir com os olhos de Jesus, com a frescura, a fé e confiança dos padres conciliares, saber ler os sinais dos tempos e ser profetas da esperança, vencendo a tendência pessimista dos profetas da desgraça, eis o que desejo para a nossa diocese e os nossos colaboradores na missão, para esta Igreja em caminhada sinodal.

Será este o espírito e a atitude que reina entre nós, na Igreja de Beja? Onde estão as nossas dificuldades e omissões?

2. Novo plano pastoral em ambiente sinodal e de crise
Jesus iniciou a sua vida pública na sinagoga de Nazaré, citando o profeta Isaías (61, 1 ss), que, com estas palavras, apresenta o Messias, o libertador esperado: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4, 18-19). Palavras sempre presentes na bênção dos santos óleos, com os quais se unge os cristãos e os ministros ordenados, lembrando-lhes a sua missão e capacitando-os para ela.


Analisando e meditando cada uma destas palavras e revendo a nossa vida e missão à sua luz, descobriremos muitas omissões e contradições no espírito que nos anima e no modo de proceder do nosso ministério. Mas nunca é tarde para recomeçar. Para isso se fazem os planos pastorais, se realizam muitos encontros de formação, rezamos diariamente, nos arrependemos e confessamos as nossas culpas e agora estamos a celebrar um Sínodo.

Em Igreja, como comunidades orantes e missionárias, estimulando-nos mutuamente, conseguiremos reanimar as nossas vidas e a nossa diocese com o mesmo Espírito de Jesus. Ao iniciar um novo ano pastoral, continuando o nosso caminho sinodal, escutando, rezando e proclamando a Palavra de Deus, transmitida na Igreja pelas Sagradas Escrituras, prestaremos um grande serviço aos nossos contemporâneos e conterrâneos, sempre inundados e rodeados pelos profetas da desgraça. Por palavras, gestos, obras e atitudes queremos ser mensageiros da esperança, da alegria e do amor.

Sabemos que não basta anunciar. É preciso também consolar, curar e partilhar os bens espirituais e materiais. O nosso testemunho seria contraditório, se víssemos os nossos irmãos sofrer e nós a viver confortavelmente. Por isso teremos de incrementar a nossa ação socio-caritativa, mesmo que insuficiente para satisfazer todas as necessidades do nosso próximo. Pelo menos sentirá o nosso interesse e proximidade.

Bom ano, acompanhando bem de perto o nosso próximo e deixando-se inundar pela luz e vivacidade da Palavra de Deus e pelo Espírito de Jesus.

24 de Setembro de 2013



A verdade e luz da fé

1. Papa responde a jornalista

O Papa Francisco não para de nos surpreender. No dia 4 de Setembro escreveu uma carta ao jornalista de La Repubblica, Eugénio Scalfari, que na edição de 7 de Julho e 7 de agosto do mesmo diário questionou algumas afirmações da encíclica Luz da Fé. Afinal a fé ilumina a razão ou escurece a inteligência?

Com o aparecimento do iluminismo no século XVIII difundiu-se a ideia que só a ciência e os seus métodos dignificam a razão e ajudam a descobrir a verdade. Neste caso a fé seria sempre sinónimo de obscurantismo. Mas a fé cristã não é um objecto possuído pela razão, mas uma relação com uma pessoa, que tanto melhor se conhece quanto mais profundo for o encontro. Isso exige sempre respeito pela alteridade do outro e humildade. Ninguém poderá reivindicar para si uma relação mais profunda e melhor conhecimento da pessoa com quem se estabelece o encontro.

Por outro lado, o Papa diz que a nossa relação com a pessoa de Jesus Cristo nasce e cultiva-se na comunidade da Igreja e por isso deve muito à família e ao ambiente em que crescemos.

Na aproximação a Jesus precisamos da comunidade eclesial e de cultivar um grande espírito de delicadeza e humildade. É isto que se verifica no diálogo que o Papa Francisco estabelece com o jornalista e pensador Scalfari, o que desperta em nós o desejo de ver continuado este diálogo inusitado, muito diferente da pergunta sobranceira de Pilatos a Jesus: Afinal, o que é verdade? Não se trata de uma resposta puramente especulativa, mas que apela à experiência pessoal e comunitária.

2. Mudanças diocesanas e paroquiais

Desde o dia 8 de Setembro que estou a percorrer várias zonas da diocese, apresentando novos padres às comunidades, em alguns casos acumulando com outras funções e responsabilidades. Ocasião para lembrar a missão da Igreja e a necessidade de estarmos atentos às vocações para o serviço eclesial. Felizmente vou descobrindo um maior empenhamento dos leigos na vida da Igreja, mas também sentindo a necessidade de formar melhor os nossos colaboradores.

Estamos a viver o nosso Sínodo diocesano e a planificar e programar o ano pastoral de 2013/2014, durante o qual continuaremos a sensibilizar-nos para a dimensão missionária da vida da Igreja, em que todos procuramos caminhar, tendo um só coração e uma só alma, em comunhão profunda com Jesus Cristo, o Mestre, Caminho, Verdade e Vida.

À semelhança do Papa Francisco, também nós precisamos de apelar para a nossa experiência no caminho da vivência da nossa fé, respondendo a muitas interpelações que nos fazem nesta imensa seara alentejana. Oxalá também o possamos fazer, com humildade, coerência e verdade.

No próximo Dia Diocesano, a 28 de Setembro, a partir das 10,00 horas, iremos partilhar a riqueza e também a pobreza da nossa experiência diocesana e inspirar-nos para estarmos cada vez mais preparados para dar as razões da nossa fé.

† António Vitalino, bispo de Beja

17 de Setembro/2013
Emigrar e peregrinar

1. À procura de melhor vida
Devido à crise económica que Portugal e outros países atravessam, muitas pessoas deixam as suas terras e tentam encontrar noutros países aquilo que não encontram perto, trabalho melhor remunerado e condições de vida mais satisfatórias. Nisto reside a principal causa da emigração em massa, de gente nova bem formada e com especialização profissional, mas também de outras pessoas em idade activa, que não se resignam perante o desemprego ou o subemprego. Muitos milhares de portugueses têm emigrado nos últimos tempos, para todas as partes do mundo e não apenas para os países da comunidade europeia. Ao mesmo tempo, muitos imigrantes, que procuraram em Portugal melhores condições de vida, estão a regressar aos seus países de origem ou a emigrar para outros.

Esta convulsão social afecta profundamente o panorama do nosso país, que envelhece rapidamente e diminui a população activa, com reflexos na estabilidade familiar, escolar e também eclesial. Por isso a Igreja em Portugal sente a urgência em acompanhar este fluxo de pessoas, como aconteceu no tempo dos descobrimentos e também há 50 anos, quando se fundou a Obra Católica Portuguesa das Migrações. Para estudar a melhor maneira de acompanhar as famílias e os seus emigrantes estão reunidos em Vila Real, durante esta primeira semana de Julho, os Secretariados diocesanos da Mobilidade Humana com as estruturas da Conferência Episcopal encarregadas deste sector e de 11 a 18 de Agosto vamos celebrar a 41ª Semana Nacional de Migrações, que este ano tem como lema: Peregrinação de fé e de esperança.Terá como ponto alto a Peregrinação do Migrante ao santuário de Fátima, nos dias 12 e 13 de Agosto, presidida pelos bispos da Comissão episcopal e pelo arcebispo do Luxemburgo, onde vive uma numerosa comunidade de língua portuguesa.

Que pode a Igreja fazer pelos emigrantes e pelas famílias afectadas por este fenómeno? Com o olhar clarividente de Jesus Cristo e o seu coração misericordioso e compassivo, temos de também nos fazer ao largo e não ficar a lastimar-nos como o velho do Restelo, contentando-nos com uma pastoral de manutenção do pequeno resto. Não se trata de abandonar os nossos lugares de missão, mas de os alargar para lá onde se encontram as pessoas, dentro do espírito missionário e da colaboração com as Igrejas dos países de acolhimento dos nossos emigrantes. Temos de ser mais pró-activos, missionários e colaborantes com a Igreja católica, como o foram os nossos antepassados, embora dispusessem de menos meios de conhecimento e de acção. Apesar do seu exíguo presbitério, a diocese de Beja está a colaborar com a Igreja do Reino Unido, em Londres, onde reside uma numerosa comunidade de língua portuguesa, creio que superior ao número de habitantes da área diocesana. É o padre Pedro Rodrigues, há quase 6 anos entre os nossos emigrantes.

2. Peregrinos de Fátima
Durante dois dias muitos diocesanos de Beja também emigraram das suas terras, ou dito com mais propriedade, peregrinaram até Fátima, para aí exprimirem a sua fé e devoção mariana e se congregarem em grande assembleia, formada por alentejanos e muitos outros peregrinos das mais diversas partes do mundo. Fiquei emocionado e disse-o na homilia do dia 30, ao ver tantos diocesanos juntos e unidos à volta da imagem de Nossa Senhora de Fátima, por ela conduzidos até ao trono e fonte da graça, Jesus Cristo. Nunca em Beja consegui juntar tantos diocesanos e tanto clero com os seus paroquianos. É o fenómeno de Fátima e de Nossa Senhora. Só ela nos desinstala, torna peregrinos de Deus e enche o nosso coração.


Sei que as grandes emoções passam depressa. Vivemos num mundo e num tempo de mudanças céleres e precisamos de parar um pouco, em reflexão e contemplação do mistério de Deus e da nossa vida, para não nos esvaziarmos do cerne da humanidade, que promana de Deus e nos é comunicado pelo seu Espírito na comunhão dos santos.

Nos limites desta breve nota fica o apelo para, de vez em quando, em grupo, nas comunidades paroquiais, nos movimentos ou a sós, reavivarmos esta condição de peregrinos. Estamos a realizar um sínodo, isto é, a tentar unir as forças, a fé e a vida de todos os diocesanos, para descobrirmos a nossa missão como cristãos nos diferentes ambientes e locais do Baixo Alentejo e do Alentejo Litoral.

Talvez ainda não tenhamos descoberto o caminho do nosso peregrinar como Igreja diocesana e os meios e apoios de que dispomos para ir percorrendo as diversas etapas dessa peregrinação. Apetece-me apontar uma das orações de S. Francisco de Assis, o inspirador do actual Papa, como inspiração desse caminho:

Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz. Onde há ódio, que eu leve o Amor; Onde há ofensa, que eu leve o Perdão; Onde há discórdia, que eu leve a União; Onde há dúvida, que eu leve a Fé. Onde há erro, que eu leve a Verdade; Onde há desespero, que eu leve a Esperança; Onde há tristeza, que eu leve a Alegria; Onde há trevas, que eu leve a Luz.
Oh Mestre, fazei que eu procure menos ser consolado do que consolar; Ser compreendido do que compreender; Ser amado do que amar. Porque é dando que se recebe; É perdoando que se é perdoado; É morrendo que se ressuscita para a Vida Eterna.

† António Vitalino, bispo de Beja
1 de Julho de 2013


Cimentar a esperança

1. A doutrina social da Igreja e a crise

De 17 a 19 de Junho os bispos portugueses reuniram-se em Fátima, para escutar especialistas da economia, da política, do mundo do trabalho e da doutrina social da Igreja, para compreender melhor as razões da presente crise económica e social e analisar até que ponto podemos contribuir para ajudar a encaminhar soluções sólidas. Alguns intervenientes desafiaram os participantes, bispos e vigários gerais das dioceses, a serem artífices da esperança do povo português, muito desiludido com os políticos.


Embora sendo muito sensível a esta tarefa, continuo muito perplexo sobre o modo como poderemos ajudar a levantar a esperança e a auto-estima do nosso povo, tendo em conta que a grande maioria já não frequenta as nossas igrejas para nos escutar e os meios de comunicação baralham as nossas ideias com contravalores e contra testemunhos, de modo a dificultar a compreensão das razões da nossa esperança. Apesar disso atrevo-me a continuar a escrever estas breves notas, na expectativa de ajudar alguns leitores e ouvintes.

Tenho estado a aplicar os princípios e os valores da doutrina social da Igreja a diversas situações da nossa sociedade. Já escrevi sobre o destino universal dos bens, o bem comum, a subsidiariedade, o amor (caridade), etc. Falta lembrar um dos princípios, a solidariedade, que muitos confundem com assistencialismo, caridadezinha ou doação do que nos sobra, do supérfluo, mas que é muito mais que isso, embora não o exclua. Por isso é importante apresentar este princípio como um dos pilares da vida social de qualquer sistema político democrático, sem o qual a democracia é posta em causa.

2. Democracia justa e solidariedade

Qualquer organização social e política assenta na participação dos seus membros, sobretudo quando se trata de pessoas adultas, dotadas de dignidade e liberdade. No caso da convivência pacífica e coesa das pessoas isso pressupõe uma relação fundamental entre elas e uma atenção especial entre si, sobretudo quando alguém está em situação de debilidade ou sofre alguma fragilidade. É esta atitude de reciprocidade, que torna sólidas, firmes e coesas as relações entre os membros da sociedade.


A isto chamamos solidariedade, que pode atingir um grau heróico na caridade, quando se ama o próximo sem esperar retribuição. Mas é do interesse da própria democracia, para que funcione sem grandes perturbações, que ela seja justa, que esteja organizada de modo a não favorecer o domínio dos ricos, dos inteligentes ou dos espertos (espertalhões e corruptos), dos sortudos sobre os mais débeis.

A atitude solidária aprende-se e educa-se, a começar pela família, na escola, nas universidades, nas empresas, nas atividades dos tempos livres, no desporto e nas igrejas e religiões baseadas na fé em Deus e no amor. Todos somos poucos para ajudar a humanidade a enveredar pelos caminhos da sua própria realização pacífica, que não acontecerá sem a orientação da vida dos seus membros de uns para os outros, sem a solidariedade e direi mesmo sem a abertura de todos à transcendência, como afirmou D. José Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, na conferência final das jornadas dos bispos.

Uma sociedade de pessoas que vivem para si, em função de si mesmas, não ultrapassará a crise económica e financeira, nem ajudará a recuperar a esperança, uma virtude essencial da vida humana e da vida cristã, entrelaçada na fé e na caridade, que constitui a perfeição da solidariedade e do cristianismo. Estas assim denominadas virtudes teologais aprofundam a nossa relação com Deus, o transcendente e imanente na sua obra-prima, e de uns com os outros, pois quem diz que ama a Deus e não ama os irmãos, mente, escreve S. João. Fé, esperança e amor que não se testemunham, que não se apegam, apagam-se, dizia o nosso grande mestre da língua portuguesa padre António Vieira.

E termino esta breve nota, que remata o conjunto de notas sobre os princípios da doutrina social da Igreja, pequeno contributo para ajudar na superação da crise, com o desafio aos leitores e ouvintes: mudemos de mentalidade e de linguagem e perguntemo-nos sobre o que podemos fazer pelos outros e pelo nosso país, cada um segundo os dons e capacidades que tem, em vez de continuarmos a lamentar-nos e a exigir dos outros e do país aquilo que satisfaça os nossos prazeres e bem-estar individual.

Contando com a liberdade egoísta de alguns e de algumas classes sociais, se a maioria enveredar por este caminho e esta nova mentalidade, se sairmos à rua a demonstrar pelos outros, pelos marginalizados e mais débeis, fortaleceremos a esperança dos nossos concidadãos, os desempregados, os doentes e os explorados e neutralizaremos os que apenas pensam em si e no seu bem-estar.
 † António Vitalino, bispo de Beja

24 de Junho de 2013


Participar na construção do bem comum

1. Direitos e deveres, receber e participar

Celebrámos o Dia de Portugal, um modo de afirmar a nossa identidade nacional, mas parece que continuamos muito divididos, pelas mais diversas razões. Cada um e cada grupo luta pelos seus interesses corporativos, sem atenção aos seus concidadãos, sobretudo àqueles que não conseguem defender-se.


A democracia e a liberdade das pessoas necessitam de diálogo permanente, de modo a conjugar-se o melhor possível direitos e deveres, indivíduo, pessoa e sociedade, o bem pessoal e o bem comum, direito à propriedade e função social dos bens. Por isso o sistema democrático carece de contínuo aperfeiçoamento, para que nenhum cidadão se sinta lesado na sua dignidade ou diminuído nas suas potencialidades de participação na construção do bem social. Por motivos vários nunca como agora senti a importância de um dos princípios da doutrina social da Igreja: o da subsidiariedade, ou seja, o direito e o dever das pessoas, a família e organizações sociais intermédias participarem na construção do bem comum, em todas as áreas e dimensões, e de o Estado criar as melhores condições para que os cidadãos possam exercer esse direito e dever de participação, sem cair no centralismo do Estado.

Muitos dos problemas e conflitos na nossa sociedade têm origem na má aplicação deste princípio. E não me refiro apenas à greve dos professores e à dificuldade do governo em defender o bem de todos os cidadãos, professores, alunos e famílias. O centralismo da escola pública, ou melhor dito, da escola estatal, porque as privadas também prestam serviço público, o exagero da burocracia com o consequente aumento do funcionalismo público, as parcerias público-privadas em que os intervenientes e beneficiários se encontram em ambos os lados, direta ou indiretamente, a falta de legislação sobre o enriquecimento ilícito sob pretexto de ferir direitos constitucionais, a não responsabilização de governantes pelos graves prejuízos causados ao bem comum, e muitos outros setores em que uma boa aplicação dos princípios da doutrina social da Igreja muito contribuiria para a construção duma sociedade mais coesa e pacífica, reduzindo conflitos sociais e o fosso entre ricos e pobres.

2. Escola estatal e privada
Na impossibilidade de nesta breve nota alargar a consideração a muitos setores, vou concentrar-me apenas no caso da escola, embora saiba que é um terreno quente e difícil, muitas vezes abordado com animosidade contra um ou outro lado.


No anterior governo quase se proclamou ilegal ou indigno do nome de serviço público, a escola privada. Criaram-se os mega-agrupamentos, pensando melhorar o ambiente escolar. Gastaram-se rios de dinheiro em estruturas físicas, parcerias público-privadas, que iremos pagar durante muitos anos, mas pensou-se pouco nas famílias, nos alunos, nos professores, nos funcionários, na liberdade de escolha, na preparação de quadros dirigentes, etc. É certo que diminuiu a natalidade, o número de alunos, e aumentou o desemprego entre os professores, que nem a mobilidade conseguirá resolver. A instabilidade na escola e a mobilidade prolongada dos professores, muitas vezes condição para perspetivar a ambicionada efetivação, fez deles funcionários públicos especiais, mas desempregados, que, neste tempo de crise económica e de assistência financeira de credores externos, está a provocar uma maior conflituosidade social.

O princípio da subsidiariedade aplicado ao nosso sistema de ensino e às escolas, potenciando a participação dos corpos intermédios e da sociedade civil, muito contribuiria para o desenvolvimento da cultura no país, a estabilidade do sistema e dos seus agentes e a poupança de recursos económicos. Apesar do centralismo burocrático e monolítico resultante da interferência do Estado, o ensino privado, mesmo assim funciona melhor, com menos instabilidade, para agrado de todos os intervenientes, e sem aumentar a máquina burocrática do funcionalismo público. A médio e longo prazo todos ganharíamos com a implementação deste princípio, também na área da escola. A dignidade da pessoa humana de todos os intervenientes, as famílias, alunos e professores, e o respeito pela liberdade de todos os cidadãos sairiam vencedores entre nós. E muito fica por dizer...

† António Vitalino, bispo de Beja
17 de Junho 2013

Dia de Portugal e o bem comum





1.   Restaurar a confiança e a auto-estima



Nas breves notas das últimas semanas tenho estado a reflectir sobre alguns valores e princípios que devem orientar a nossa vida social e política em ordem à construção do bem comum, não apenas do nosso país, mas do mundo global em que vivemos.



Por motivo do 10 de Junho, Dia de Portugal, das Comunidades e de Luís de Camões, achei por bem incluir este evento como contributo para a afirmação colectiva do nosso povo em ordem ao desenvolvimento do nosso lugar no mundo dos povos e das nações. Na multiplicidade dos ângulos de visão, resolvi fazê-lo a partir da perspectiva das nossas comunidades espalhadas pelo mundo, que constituem mais de um terço dos portugueses na actualidade, sem contarmos os luso-descendentes.



Enquanto em Portugal se ouve conversas de maldizer e destrutivas na rua e nos órgãos de comunicação social, até mesmo feitas por representantes eleitos pelos portugueses em órgãos políticos nacionais, nos dez anos que vivi entre emigrantes e em vários encontros em que tenho participado nos últimos tempos, sempre vi e ouvi afirmações de grande orgulho em ser português e reclamações em poder fazê-lo em ambientes por vezes adversos, mesmo no que respeita a costumes da religiosidade popular.



Pequenos grupos de portugueses na diáspora pedem a presença de membros da hierarquia e de autoridades civis por ocasião da celebração das suas festas religiosas e culturais, assim como a colaboração na educação religiosa e escolar dos seus descendentes. Ficam contentes quando anuímos e ganha força neles o amor pelo seu país, sobretudo quando membros das comunidades locais dos países de acolhimento também participam e os nossos representantes dialogam com eles de igual para igual, sem subserviência, mas com respeito e gratidão pelas boas relações.



Estas experiências levam-me a poder afirmar que a auto-estima e a confiança são importantes na construção da nossa identidade, em qualquer lugar que nos encontremos. Olhando o reverso da medalha, concluo que a maledicência, a desconfiança, a falta de respeito pela dignidade das pessoas e das nossas instituições e o retraimento em círculos fechados de grupos e famílias, impedem a nossa afirmação na sociedade e no mundo, rompendo o processo de construção da nossa identidade e personalidade.



Por isso, a nossa Igreja, os nossos políticos e comunicadores devem estar atentos às comunidades portuguesas na diáspora e reaprender a falar de Portugal e da lusitanidade a partir delas. Somos, na verdade, um povo em mobilidade, peregrino do mundo, com um forte contributo para a construção duma sociedade afirmativa e coesa, multicultural e com personalidade corporativa.



2.   A língua e os afectos



Os Lusíadas e o seu autor Luís de Camões afirmaram a língua e o povo português no mundo do último milénio. Fernando Pessoa reflectiu em profundidade sobre o que é ser português, o modo de o ser e como se exprime.




Muitos pensadores têm repensado Portugal, mas creio que é uma tarefa sempre a recomeçar e sem fim à vista. Todos podemos dar o nosso modesto contributo para descobrir e dar a conhecer a alma portuguesa, não num sentido saudosista do passado, mas para valorizar o contributo do povo português na construção dum mundo mais coeso e fraterno, justo, pacífico e solidário.



Mas ninguém dá o que não tem. Por isso precisamos de começar a fazer o trabalho de casa. Descobrir a nossa identidade profunda e perceber como podemos enriquecer o nosso meio. A crítica mordaz, o pessimismo e a falta de esperança não ajudam no discernimento.



Os Lusíadas terminam com a palavra inveja, a causa do desmoronamento do império construído pelos valorosos lusitanos. É por isso que afirmo a importância de descobrir e olhar Portugal a partir da alma saudosa, valente e grata das comunidades migrantes. Cada vez mais se acentua que o conhecimento verdadeiro implica emoção, afecto e não apenas inteligência pura. E os emigrantes amam o seu país natal, cultivam uma saudade afectuosa pelo seu país. Eles ainda não desistiram de Portugal. Quem cá ficou é que parece já não amar o seu país e o seu povo e sem afecto não se conhece nem se contribui para o seu bem, o bem comum.



Termino esta breve nota louvando e agradecendo aos valorosos membros da grei lusitana, que, espalhados pelo mundo, lutam por uma vida melhor e não desistiram de contribuir para o engrandecimento do seu país, material e afectivamente.



† António Vitalino, bispo de Beja

10 de Junho de 2013

Contributo para a construção 
do bem comum

Pão para o corpo e para o espírito

Dai-lhes vós de comer, assim desafiou Jesus os seus discípulos, preocupados com a multidão que tinha vindo ouvi-Lo, desanimada com as autoridades civis e religiosas do seu tempo e que se assemelhava a um rebanho sem pastor. Este mesmo desafio nos fez Jesus, ao celebrarmos a solenidade do Corpo de Deus, este ano pela primeira vez a um domingo e não na quinta-feira a seguir ao domingo da Santíssima Trindade, por causa das medidas de austeridade, sem fim e solução à vista, apesar dos sacrifícios feitos por tantas famílias que ficaram sem trabalho remunerado ou sem clientes para os seus pequenos comércios familiares.

E qual é a nossa resposta? Talvez muito semelhante à dos apóstolos: não temos senão cinco pães e dois peixes. Onde iremos nós arranjar dinheiro para alimentar tanta gente esfomeada? Não temos nenhuma fortuna, não cobramos impostos, não temos empresas produtivas e com mercado, para poder remunerar tanta gente sem trabalho, desanimada e à deriva, como a multidão do evangelho.

Qual é a resposta de Jesus? Dizei às pessoas para ficar, já que fizeram tão grande esforço para vir até aqui, para me ouvir e confiar os seus doentes e preocupações. Trazei-me os cindo pães e os dois peixes. Jesus tomou os pães e os peixes, levantou os olhos para o céu, para Deus seu Pai, abençoou-os, deu graças e mandou reparti-los. E qual não foi o espanto dos apóstolos e da multidão, quando todos comeram, ficaram saciados e ainda sobrou. Jesus mandou recolher as sobras, para não se estragarem, para não haver desperdícios.

 A narrativa evangélica não diz o que Jesus fez com as sobras. Mas, na narração de S. João (todos os quatro evangelhos descrevem esta cena e milagre da vida de Jesus), aproveitou para instruir a multidão sobre a busca do verdadeiro alimento, que mata a fome profunda do ser humano. Quem crê em mim tem a vida eternaQuem come o meu corpo e bebe o meu sangue não morrerá jamais. Aqui está a resposta perene para a fome da humanidade. Buscai primeiro o alimento que vem do céue tudo o resto vos será dado por acréscimo. Quem se alimenta da palavra de Jesus sabe repartir com todos. Fica saciado, partilha e ainda sobra.

2. A festa e o trabalho

Esta festa do Corpo de Deus não diminui a produtividade, mas, para quem tem fé, escuta e segue os ensinamentos de Jesus, se alimenta da sua palavra e da sua vida, aprende a optimizar os seus recursos e energias, para que todos tenham a vida em abundância. Todos e não só alguns. A fé em Jesus dá origem à melhor gestão das energias pessoais e dos recursos do mundo. Um gestor cristão escreveu um livro intitulado: o amor como princípio fundamental da gestão e da economia. E o Papa Bento XVI escreveu a sua encíclica social intitulada: a caridade na verdade.


O alimento desse amor é a Palavra de Jesus, a sua vida, o seu testemunho, o seu corpo e sangue, a Eucaristia, que celebramos sacramentalmente na Missa, para sermos pessoas que vivem eucaristicamente, ou seja, dando graças a Deus por tudo o que recebem e oferecendo-se e partilhando os dons recebidos.

A Madre Teresa de Calcutá passava horas em oração diante do Santíssimo e muitas mais horas a cuidar dos pobres, a recolhê-los nas casas que ia fundando com ajuda de outras companheiras, vendo neles os Cristos de hoje, em carne e osso, tornando-se irmãs e até servas deles. É conhecida a resposta que deu ao jornalista inglês, que passou uns tempos a observar a vida da madre Teresa e da sua obra com os pobres, quando, no final, avaliou o trabalho dela, observando que ainda poderia ajudar muitos mais pobres se usasse para isso as duas horas que todas as manhãs passava diante do Santíssimo exposto. Ao que ela respondeu, que o jornalista não tinha compreendido o fundamento da sua vida e acção. Sem o alimento do alto, não seria possível a dedicação aos pobres. O voluntarismo e filantropia, sem o alimento da caridade, que vem pela fé em Deus, que se revelou e entregou por nós em Jesus, depressa se esgotariam em cansaço e na procura do descanso e bem-estar egoísta.

Concluo afirmando: sem descanso, sem amor, sem festa, o trabalho torna-se escravidão e pouco produtivo. Creio que a nossa falta de produtividade não resulta de termos mais ou menos feriados, mas de não vivermos a vida como um dom e uma oferta, que se alimenta do Pão que vem do céu na oração e na caridade.
† António Vitalino, bispo de Beja
02 de Junho de 2013

Os bens e o bem comum

1.    Dignidade da pessoa humana e organização social

Se nos perguntarem qual o ser mais importante de tudo o que vemos à nossa volta, com certeza que a resposta incontornável cairá sobre o ser humano, a pessoa.



Mas como se relacionam as pessoas entre si e com os outros seres? A esta última pergunta encontramos muitas respostas teóricas e práticas, que dão e deram origem a vários tipos de organização da sociedade ao longo da história. A tradição judaico-cristã, em que se enraíza a cultura europeia e de muitos outros povos, até mesmo continentes, tem uma doutrina fundamentada na dignidade da pessoa humana e na fé em Deus, que cria o ser humano à sua imagem e semelhança e lhe confia a terra para a povoar e dela retirar o alimento, trabalhando-a e cuidando dela como a casa comum de todos e não apenas de alguns. Nesta maneira de olhar a vida e o mundo, Deus revela-se como o pai de todos e dá ao seu povo os mandamentos como lei da sua organização e convivência, que se resumem no amor a Deus e ao próximo, estabelecendo uma responsabilidade partilhada sobre os bens da terra, um misto entre um certo tipo de propriedade, destino universal dos bens e bem comum.

Respondendo a novas situações duma sociedade e dum mundo em mutação, cada vez mais complexo e global, a Igreja Católica foi dando orientações à luz da fé, que deram origem à Doutrina Social da Igreja, um património de grande valor para ajudar a construir o bem comum, a coesão social e a paz, não apenas a nível nacional, mas também na dimensão mundial. As declarações universais, como a dos direitos humanos de 1948 e as estruturas políticas e sociais, como as Nações Unidas, a Comunidade Europeia e outras são tentativas de organizações da convivência pacífica entre os povos, mas carecem de convicções profundas no coração e nos comportamentos das pessoas, que só a família e a fé concretizada nas diversas igrejas e religiões pode inspirar.

Nestas breves notas pretendo abordar alguns dos princípios da Doutrina Social da Igreja, muitos dos quais estão refletidos nas diferentes constituições políticas, mas nem sempre bem concretizados na legislação emanada dos parlamentos nos estados democráticos, que, por vezes, cimentam desigualdades e atropelos à dignidade da pessoa humana e da família, célula da sociedade. Por isso nunca é demais repetir alguns dos princípios desse património maravilhoso contido na Doutrina Social da Igreja.

2.    Destino universal dos bens e bem comum

Hoje limito-me a mencionar os princípios do destino universal dos bens e o bem comum, dois gonzos fundamentais da Doutrina Social da Igreja e de ajuda para resolver muitos dos problemas e injustiças nas nossas sociedades. Basta olhar para a presente crise em Portugal e em muitos outros países do mundo, que põem em causa a organização da Europa, nobremente sonhada e pensada pelos seus fundadores, todos eles cristãos convictos. Os concretizadores deste sonho parece não terem as convicções e sabedoria dos seus iniciadores. Estes não reconheceriam na Europa atual aquela que sonharam, cada vez mais materialista, em que crescem as desigualdades e o número de pobres. Alguns cidadãos são cada vez mais ricos e outros mais pobres,  dependentes e entregues à protecção de organizações sociais.

Os princípios da dignidade da pessoa humana, da família como património da humanidade, do destino universal dos bens e do bem comum, para além de outros, que abordaremos noutras notas, não são tidos na devida conta quando se organizam as estruturas sociais e se legisla. Algumas empresas exploram os trabalhadores e os cidadãos delas dependentes, sobretudo quando têm o monopólio de alguns serviços e bens, acumulam milhões de lucros, fogem aos impostos através dos paraísos fiscais e o Estado nada mais sabe fazer que procurar os seus recursos junto de quem não pode fugir, ama o seu país e família.

Não é fácil regulamentar e harmonizar o direito à propriedade, que não é um direito absoluto e autónomo, com os princípios do destino universal dos bens da terra e do bem comum. Para isso é que existem os políticos e as estruturas do Estado. Deixemo-nos de discursos demagógicos e de dialética verbal, que muitas vezes impera no nosso parlamento, tentemos harmonizar a nossa legislação com a constituição e os princípios fundamentais da ética e encontraremos modos mais justos e equitativos para construir um pais que vive de acordo com as suas possibilidades, dentro do espírito da família humana e solidária, a começar pela comunidade europeia, cujo projeto parece esquecido.

Os católicos, que neste domingo celebraram o mistério da Santíssima Trindade, encontrarão inspiração potente para a sua vida nesta revelação de Deus como um só em três pessoas iguais e distintas, cuja vida e amor transborda para toda a criação.

† António Vitalino, bispo de Beja 



Em busca da perfeição

1. Buscar a perfeição da vida
Desde a Páscoa que venho abordando facetas da vida humana, social e politica em ordem à realização da pessoa e ao seu desenvolvimento, de modo a ultrapassar a depressão e a crise que se abateu sobre muitos países, até então tidos por ricos. Falámos da fé, da abertura da pessoa ao espiritual, do trabalho, do diálogo, da dignidade da pessoa humana, da família, da escola.


Hoje, vou abordar a questão da plenitude da vida, dado que encerrámos o tempo pascal com a solenidade do Pentecostes, recordando a vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos, em cumprimento da promessa de Jesus, com a consequente perda do medo por parte deles e que deu início ao tempo da Igreja, ao anúncio da boa nova da ressurreição e do perdão dos pecados.
É próprio do ser humano procurar a verdade, o bem, a perfeição, a plenitude da vida. Mas em que se concretiza tudo isso? Onde e como encontrar satisfação, paz, alegria profunda? Poderemos apontar algo que responda a esta questão?

Atrevo-me a responder afirmativamente, indicando o amor no sentido de doação plena a quem se ama, um amor com as características descritas por S. Paulo na primeira Carta aos Coríntios, cap. 13, cuja leitura recomendo. O Papa Bento XVI mostrou a riqueza da noção cristã do amor, definindo Deus como caridade e esta como verdade da realização plena da humanidade, como podemos ler nas suas encíclicas.

Cada pessoa tem a sua dignidade e os seus dons, mas estes são concedidos para o bem comum, para riqueza da comunidade a que se pertence. De pouco valem, se não forem exercidos nesse sentido, pois só o amor é dotado das qualidades apontadas e nele consiste a perfeição da vida.

2. Gestos de amor para vencer o egoísmo e a crise
Muito se tem falado da crise económica e financeira e de medidas de austeridade para a superar. No entanto, se a raiz da crise é de outra ordem, ética e espiritual, então teremos de encontrar a medicina eficaz nessa dimensão. De contrário, estaremos a adiar a solução ou a fazer como a avestruz.

Inspirado na solenidade que os cristãos celebram, vou apontar alguns gestos simples de cura dos males presentes e que podem restituir a confiança perdida, sobretudo nos políticos. Baseado na convicção de que a conversão, a mudança radical de modelo de vida, não se impõe, mas propõe e de que as boas propostas são aquelas que partem do testemunho, dos bons exemplos, das boas práticas, aqui fica a menção de algumas.

Uma primeira proposta de bom testemunho deveria partir daqueles que tanto falam da necessidade de mudar de paradigma, procuram medidas de austeridade, impõem taxas de solidariedade, para que estejamos em condições de pagar as dívidas ou pelo menos os juros da dívida e viabilizar o sistema de pensões e de reformas. Se estão realmente interessados no bem comum, pois foi para isso que foram eleitos, então que prescindam voluntariamente de parte dos seus vencimentos e mordomias. Não sei quanto se pouparia ao erário público, mas seria pelo menos uma prova de coerência e até mesmo de amor ao país e aos mais pobres. Isso seria um estímulo para todos, conscientes que os pobres sempre foram os mais generosos. E se os vencimentos exorbitantes de gestores de empresas públicas e de bancos e as mordomias de ex-políticos fossem reduzidos para valores razoáveis, os protestos diminuiriam.

Uma segunda proposta seria de cada um estar atento aos vizinhos que ficam desempregados e têm dificuldade em viver dignamente com o seu agregado familiar. Em diálogo com eles, buscar soluções no mercado de trabalho ou, pelo menos, no voluntariado social. A pior crise e tristeza que nos pode afectar é sentirmo-nos inúteis ou fecharmo-nos sobre nós mesmos.

Uma terceira proposta, válida para os mais peritos em humanidade e na perfeição cristã, será a prática das obras de misericórdia, partilhando humanidade, solidariedade, amor, horizontes de fé e de esperança, para que a depressão não tome conta de nós e dos nossos ambientes, já muito empestados pela fixação no aspecto material da crise, esquecendo os valores da verdadeira hominização.

E poderia continuar a elencar boas práticas e bons testemunhos, apontando também caminhos e métodos de realização, mas creio que já todos percebemos onde está a possibilidade de cura. No último capítulo do evangelho de S. João, Jesus ressuscitado pergunta a Pedro, por três vezes, se o ama. Ao que ele responde que sim e até fica triste pela pergunta repetida. Mas a exigência da missão, de apascentar o rebanho, seguindo Jesus até ao dom total, assim o pede.

Também a nós, homens de Igreja ou políticos, todos chamados a servir, se pede para darmos provas de amor, de entrega, de doação e atenção aos mais necessitados. E não basta perguntar três vezes, mas sempre e em cada dia. Assim se realiza o Pentecostes hoje e se começa a curar a raiz dos nossos males. A perfeição da vida consiste no amor, pois Deus é amor.

† António Vitalino, bispo de Beja 
Beja, 20 de Maio de 2012


A escola e o desenvolvimento

1.   Dar força à escola personalizada

Na última nota falei da família como factor determinante no processo de crescimento integral da pessoa humana e de desenvolvimento coeso da sociedade. Hoje vou mencionar outro elemento fundamental desse processo nas sociedades desenvolvidas, a escola. Embora a família seja a primeira e basilar escola de humanização, no entanto precisamos de nos entreajudar na permuta de saberes e de poderes.


A interligação da escola com a família é imprescindível, sobretudo nas fases iniciais. A relação criança, pais e professores tem de ser fomentada, para que o crescimento se processe gradual e harmonicamente. Os conhecimentos têm de ser acompanhados pelos afectos dos intervenientes. Está comprovado que a proximidade afectiva e efectiva das pessoas em relação contribui para o bem estar de todos, desperta o amor pela escola e favorece o desenvolvimento integral. Quer a família, quer a sociedade precisam de unir esforços para melhorar o ambiente escolar, aproximar as pessoas, para que, conhecendo-se e estimando-se mutuamente, se entreajudem na transmissão dos saberes e dos valores.

Sem entrar em pormenores administrativos e organizacionais ou propor a criação de estruturas físicas e pessoais, para as quais não temos recursos, deixo aqui apenas alguns pensamentos e sugestões para melhoria do ambiente escolar, que se tem degradado a pretexto da crise económica. Nem sempre as grandes reformas são mais dispendiosas que aquelas que temos implementado no nosso país e que têm criado muita instabilidade no meio escolar, altamente prejudicial para o desenvolvimento e coesão social. Apenas algum exemplo. Pensando modernizar a escola e poupar recursos, criaram-se os mega-agrupamentos, gastaram-se milhões na sua construção e dotou-se os edifícios de equipamentos e dimensões que encarece o funcionamento da escola. Olhou-se mais ao material que às pessoas. Perdeu-se a dimensão da proximidade entre os intervenientes, família e escola, massificou-se o ensino e despersonalizou-se o ambiente escolar. Deu-se mais importância à técnica e à burocracia que às pessoas e com isso se tornou mais difícil realizar um dos principais objectivos da escola: o crescimento integral da pessoa na riqueza de todas as suas dimensões. Aumentou a instabilidade institucional e psíquica. Criou-se um modelo de escola burocrática, uniforme e estatizante, dificultando o empenho da sociedade civil, sempre mais próxima das pessoas e das famílias, estando em risco a liberdade de ensino e da participação dos encarregados de educação no tipo de escola mais adequado aos seus princípios educativos. Que o estado defina os objectivos a atingir no final do currículo escolar é compreensível, mas que imponha todos os pormenores metodológicos e pedagógicos torna-se uma tirania para pais, professores e alunos.

2. Distanciamento entre escola e empresas

Além do distanciamento dos vários intervenientes na educação, acresce ainda o desfasamento entre escola e mundo do trabalho. Nas fases mais altas do ensino é necessário adequar a aprendizagem à futura intervenção na sociedade, aproximar a escola e a intervenção no processo de desenvolvimento da sociedade. Isto significa que é preciso relacionar melhor a escola com as empresas, sejam elas de produção fabril ou de serviços, sem esquecer a área da investigação e do ensino.


Também sem entrar em pormenores, sei que há tentativas para ligar melhor escola e desenvolvimento, mas também aqui se tem criado muita instabilidade, pois muitos jovens acabam os seus cursos e não têm nenhuma relação com o mundo do trabalho. Basta olhar para a grande percentagem de académicos no desemprego. Bem sei que o saber não ocupa lugar e ajuda a pessoa a encontrar o seu lugar na sociedade. Mas também se encontram muitos finalistas desiludidos, desanimados, a viver à custa da família, quando um jovem deveria ser por natureza uma pessoa animada e empreendedora. Neste caso a escola não ajudou o estudante a encontrar o seu lugar na sociedade. Foram recursos e energias perdidas, que geraram desempregados de luxo.

Nestes dias, nas terras onde há escolas de ensino superior, organizam-se festas de queima das fitas e de bênção de finalistas. Pergunto-me se os nossos governantes têm dado a devida atenção à escola, de modo a evitar tanta frustração e descontentamento entre a juventude e tanto prejuízo e desperdício para a sociedade e o país. E não é com simples cortes nos orçamentos das escolas ou pequenas alterações nos programas de ensino que melhoramos o alcance das suas finalidades. Em vez de reformas apressadas, impostas pelo governo, talvez fosse melhor envolver todos os implicados no processo, ouvir e avaliar as suas sugestões, apoiar experiências diversificadas e seleccionar as boas práticas, mesmo demorando mais tempo na reforma escolar. Com isto todos ganharíamos.

† António Vitalino, bispo de Beja 
12 de Maio de 2013


A força da família em tempos de crise

1. A força da família
Nas últimas notas semanais tenho estado a abordar elementos da identidade e da realização humana e pessoal, como a fé, o trabalho, o diálogo, etc. Hoje vou tocar a fonte e o seio donde promana a primeira aprendizagem das relações constitutivas da identidade e da realização integral da pessoa. Refiro-me à família, constituída pela união de amor de um homem e de uma mulher, aberta à geração de novos seres. A esta união o Papa emérito Bento XVI apelidou de origem e património da humanidade.


Numa recente nota pastoral dos bispos portugueses, com o mesmo título deste artigo, a força da família em tempos de criseapresenta-se a família como um insubstituível bem social, onde se aprendem as relações humanas essenciais, cujo contributo é fundamental para vencer a crise profunda que atravessamos.

No entanto, parece que é a própria família que está em crise, ainda mais acentuada pelo descalabro económico e financeiro que afecta o nosso país e muitos outros. O casamento, a natalidade e os compromissos comunitários são adiados, com medo da falta de recursos económicos. Mesmo assim, aumenta a insegurança, o stress e a depressão das pessoas. Parece que estamos condenados a um círculo vicioso, que faz lembrar o mito de Sísifo.
É precisa alguma confiança e coragem para romper este círculo.

Precisamente estas virtudes aprendem-se no seio da família, seja ela pobre ou rica, onde os seus membros se amam pelo que são e não pelo que servem ou pelos seus dotes. Uma sociedade egoísta, de pessoas fechadas e ciosas do ter e do seu bem estar, com medo de perder esse estatuto, carece da ousadia da esperança e das energias renovadoras do tecido social, sem as quais nenhuma crise será superada.

Nos seus diversos parágrafos, a nota dos bispos vai apresentando argumentos para que todos os intervenientes sociais colaborem na defesa da estabilidade da família, pois isso reverte em proveito próprio. A família é o mais forte antídoto contra a crise.

2. Maternidade e paternidade física e afectiva
A pessoa humana é, desde a sua concepção, produto de gratuidade, cujo desenvolvimento implica sempre relação. Um ser recebido e doado, cuja geração e crescimento implica sempre uma maternidade e paternidade física e afetiva. Quando falta alguma destas componentes, não apenas o indivíduo sofre perturbações, mas todos com quem se relaciona ao longo da vida.


Por isso é do interesse da sociedade que a família não seja apenas uma comunidade de indivíduos, mas de pessoas em desenvolvimento físico, afetivo e intelectual, em que cada um se transcende e relaciona com o outro. Esta transcendência atinge a sua perfeição quando se abre ao espiritual, no diálogo da fé e na doação gratuita ao outro.

A filosofia personalista veio confirmar a visão judaico-cristã do ser humano, aberto ao meio e ao seu semelhante e nele a Deus. Nesta conceção da pessoa humana é muito importante uma educação que tenha em conta todas as dimensões, uma pedagogia integral, em que se cultiva o testemunho e a relação afetiva e espiritual. Esta educação a partir da família, com o apoio subsidiário da sociedade, fortalece a pessoa e o meio em que se move, originando energias para enfrentar e superar os obstáculos e as crises.

Poderia apontar muitos exemplos, pela positiva e pela negativa, mas com certeza que muitos pais e mães os conhecem melhor que eu, embora nem sempre saibam o porquê nem descubram a terapia adequada para os diversosdesvios comportamentais.

3. Participação na formação moral e religiosa
No mês de maio, em que floresce a natureza e se lembram com gratidão as mães e os cristãos veneram, de modo especial, Maria, a Mãe de Jesus e também de todos os seus discípulos, celebramos também a semana da vida, de 12 a 19 de maio, este ano com o lema dá mais vida à tua vida.As mães mostram-nos como se fomenta o crescimento e a qualidade da vida, doando-a e dando-se aos seus filhos, que constituem o sentido de todo o seu empenho.

Ajudar-nos-á a descobrir este sentido e elã a reflexão sobre a dedicação das mães e sobre a maternidade de Maria. Mas também a participação nos processos de formação que a sociedade nos oferece. E os cristãos, para além da oração, não podem esquecer os recursos que a Igreja proporciona, para que saibam dar razões da sua fé e esperança.

E, dado que em breve vão começar as matrículas nas escolas, é importante inscrever-se também na formação moral e religiosa, um suporte educativo importante para o desenvolvimento integral da pessoa. Numa sociedade com muitas famílias em crise, mais importante se torna a formação cultural, afetiva e religiosa, que não é o mesmo que a catequese feita nas paróquias, mais voltada para a participação sacramental na vida da Igreja.

† António Vitalino, bispo de Beja 
Dia da Mãe, 05Maio2013


Peregrinos em diálogo

1. Caminhar em diálogo
Na última nota apontei o trabalho como imprescindível para afirmação da dignidade da pessoa humana. Agora, nesta breve nota, abordarei outra dimensão essencial da realização integral da pessoa humana, sem a qual não é possível construir uma sociedade livre, igual e fraterna. Trata-se da atitude dialógica do ser humano, da qual fazem parte a reciprocidade, a alteridade e a procura da verdade e da harmonia, pois somos seres em relação.



Como exemplo negativo, mais monólogo que diálogo, menciono os discursos dos nossos políticos. Quer estejam no governo, quer na oposição, falam da necessidade de diálogo e de consenso, mas não se escutam, não dizem a verdade toda, nem querem ouvir respostas diferentes ou complementares.
Sendo a realidade do mundo global muito complexa, mais necessário se torna o diálogo, desde que todos os interlocutores estejam bem intencionados e tenham como objetivo o bem comum do país.

Estas condições e atitudes para o diálogo, que faz evoluir a sociedade, aprofundar as relações fraternas entre todos e fortalecer a coesão social, não diz apenas respeito ao âmbito da política, mas a todas as instituições e relações humanas, a começar pela família e também na Igreja, cuja missão é essencialmente de mediação, em diálogo permanente entre a Palavra de Deus e a realidade humana, ao modo de Jesus Cristo.
A este respeito vale a pena reler os documentos do Concílio Vaticano II, não apenas a Constituição pastoral da Igreja no mundo. Todos os documentos acentuam a necessidade do diálogo com Deus, que se revelou em Jesus Cristo, com os irmãos na fé, com a humanidade a quem somos enviados, mesmo com aqueles que professam outras religiões ou não têm fé.

Diálogo não significa relativismo da verdade, mas reconhecimento da nossa compreensão relativa em face do mistério do homem, da vida humana e de Deus. É preciso baixar ao nível do outro, ao modo de Jesus Cristo, que, sendo Deus, assumiu a nossa condição, para nos tornar participantes da sua vida.

2. Peregrinos em comunhão
O mês de Maio caracteriza-se entre nós por muitas práticas sociais e devocionais, que, bem praticadas, nos podem ajudar a aprofundar a nossa auto-estima e esperança como povo, que não resigna perante as dificuldades, mas procura fortalecer as suas relações como família humana, ancorada na fé.



Uma dessas práticas é a devoção a Maria, para nós bem patente nas peregrinações a Fátima e a muitos santuários dedicados a Nossa Senhora, em alguns casos a pé. Por isso se diz que somos terra de Santa Maria e um povo de peregrinos.
Os modernos meios de locomoção não acabaram com as peregrinações a pé. Mesmo quem peregrina a pé por motivos desportivos ou de saúde, quando vai como romeiro a um santuário, sente algo de indizível, que transfigura a sua pessoa e a leva a repetir essa experiência, não já por motivos físicos, mas espirituais e de fé.

Que acontece no caminho do peregrino e à sua chegada ao santuário? Embora haja muita variedade nos diferentes grupos e pessoas, no entanto, o facto de caminhar juntos, descansar em grupo, a entreajuda, a atenção aos mais débeis, a reflexão, o silêncio, a oração e o canto, vão amolgando a alma do peregrino, de modo que, quando chega ao santuário, sente a alegria da meta e a frescura da comunhão e proteção do divino. Há mesmo conversões, mudanças de mentalidade e de atitudes em muitos peregrinos.

Por isso saúdo e imploro a bênção de Deus e a protecção de Maria para os muitos peregrinos que, desde a diocese de Beja, caminham por estes dias até Fátima. Nos dias 12 e 13 lá estarei também com eles e, em comunhão de intenções, aí consagraremos o pontificado do Papa Francisco a Nossa Senhora de Fátima, como ele pediu ao Cardeal-Patriarca, D. José Policarpo; consagraremos também a ela os jovens que vão participar na próxima jornada mundial da Juventude, unidos ao Bispo do Rio de Janeiro, que preside a esta peregrinação; intercederemos também pelo nosso sínodo diocesano, pelo nosso povo e pelos nossos políticos, para que, atentos aos clamores de quem sofre, em diálogo humilde e sincero, encontremos caminhos de esperança para todos.

† António Vitalino, bispo de Beja
29ABR2013


Trabalho e desemprego

1. O trabalho e a dignidade da pessoa


Na última nota escrevia que iria apontar algumas sugestões de caminhos para darmos ao nosso povo, que vejo e sinto muito desiludido e desanimado, razões profundas e concretas de esperança. Nessa nota falei de um caminho que pressupõe a fé e a vocação ao serviço na vida e missão da Igreja e que dá aos vocacionados rasgados horizontes de sociabilidade e de realização.
Hoje irei apontar um outro, que é universal, extensível a todo o ser humano. Trata-se do trabalho, lei fundamental para a realização da dignidade da pessoa, na totalidade das relações da sua existência: com a natureza envolvente, consigo mesmo e com os outros, a começar pela família. Não vou falar do trabalho na sua vertente do emprego remunerado, embora esta seja a via normal e concreta nas sociedades contemporâneas. Se apenas tivesse este tipo de ocupação em mente, então teria de concluir que vivemos numa sociedade cada vez mais infeliz, atendendo às taxas crescentes de desemprego. E talvez até haja muita verdade nesta afirmação. Por isso teremos de encontrar possibilidades de trabalho, mesmo que não seja em regime de pleno emprego remunerado.
Ao ler um livro de entrevistas ao arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Mário Bergoglio, actual Papa Francisco, deparei com afirmações muito fortes neste sentido. Ao falar dos muitos desempregados que encontrou ao longo da sua vida, afirma tratar-se de gente que não se sente pessoa. Por mais que as suas famílias e os seus amigos os ajudem, querem trabalhar, querem ganhar o Pão com o suor do seu rosto. É que, em última instancia, o trabalho unge de dignidade a pessoa... A dignidade, enquanto tal, só vem pelo trabalho... Um exemplo típico é o do emigrante que chega sem nada, luta, trabalha e com isso “faz a América”.

O desempregado, na sua solidão, sente-se infeliz. Por isso, é muito importante que os governos dos diferentes países, através dos ministérios competentes, fomentem uma cultura do trabalho, e não da dádiva.
Quanto a mim, isto verificou-se em Portugal e na comunidade europeia. Houve incentivos para não produzir, consumimos os subsídios, desabituamo-nos de investir e, com a crise mundial, com o corte dos créditos, sem os instrumentos e os hábitos de trabalho, chegamos a esta situação económica e a este estado de espírito. Inverteu-se o dito chinês de dar a cana para pescar, em vez de dar o peixe. Por isso temos de encontrar caminhos novos de investimento que criem postos de trabalho. Se não for possível pleno emprego para todos, que se encontrem vias alternativas, complementadas com o ócio, a vida social, cultural e familiar, o desporto, o voluntariado social e apostólico. A preguiça e ociosidade são origem de muitos vícios e destroem a dignidade da pessoa.

2. Ócio e relações humanas
O nosso progresso económico nem sempre foi acompanhado de hábitos de valorização humana do nosso tempo. Os nossos recursos foram mais usados para bens de consumo e entretenimento, e pouco para a formação, investigação, enriquecimento das nossas relações sociais e familiares, voluntariado, etc. Por isso, com o desemprego, sentimos o vazio da inutilidade da nossa vida, o que leva ao recurso a antidepressivos e, em alguns casos, mesmo ao suicídio.
Em Portugal proliferaram os centros comerciais, santuários de consumo, muitas vezes construídos fora dos centros urbanos, que, em muitos casos, desertificaram. Espectáculo triste dos centros históricos das nossas cidades, sobretudo aos fins-de-semana, ao contrário de outros países da Europa, onde os centros urbanos são o grande local de convívio, de comércio e de relações sociais e culturais. Agora, sem dinheiro, as famílias passeiam pelos centros comerciais e cresce ainda mais a depressão e frustração.
Por isso, para além dos investimentos em ordem à criação de emprego e da correspondente procura de trabalho por parte das pessoas, precisamos de formação para novos hábitos de urbanismo e de ocupação do nosso tempo. Despertar para os valores sociais, culturais, familiares e religiosos fortalecerá a nossa auto-estima, esperança e alegria de viver.

Termino esta breve reflexão com um pensamento do arcebispo de Buenos Aires, actual Papa Francisco, no livro com as entrevistas acima mencionadas: uma pessoa que trabalha deve ter tempo para descansar, para estar em família, para ter prazer, ler, ouvir música, praticar um desporto... Quando o trabalho não dá lugar ao ócio saudável, ao repouso reparador, então escraviza, porque uma pessoa já não trabalha pela dignidade, mas sim pela competitividade... O homem não é para o trabalho, mas sim o trabalho para o homem.
Estes pensamentos precisam de ser aprofundados entre nós, em todos os sectores. Será necessário um amplo debate, feito por todos e entre todos, não limitado apenas aos políticos.

† António Vitalino, bispo de Beja
22Abril2013



Esperança realizada

1.   Chamados a responder às esperanças da humanidade

Alegrai-vos na esperança (Rom 12, 12), escrevia S. Paulo aos Romanos e a nós também. Mas quais são as nossas esperanças e as da humanidade, através dos tempos? Aqui não se trata das esperanças dos outros, mas das nossas próprias. Aquilo que nos anima e dá sentido ao nosso viver e pode ser sinal para os nossos contemporâneos, que vemos muito preocupados com o seu bem-estar e até mesmo desanimados.



É nesta situação que os cristãos na Igreja são chamados a dar um testemunho de esperança, não apenas com palavras, mas de verdade e de facto. No entanto, todos compreenderão que o fundamento da esperança cristã e as respostas daí provenientes nem sempre são aquilo que a maioria das pessoas deseja: alimento, vestuário, habitação, trabalho bem remunerado, condições de vida saudáveis, etc. Embora não sejam essas as respostas concretas dadas pela Igreja, indiretamente podem contribuir para isso. Se todos os cristãos, sejam políticos, empresários, trabalhadores por conta de outrem, professores ou alunos, reformados ou crianças, clérigos ou leigos, se imbuídos do espírito de Jesus Cristo e da doutrina social da Igreja, poderão dar um forte contributo para mudar a situação, indo à raiz de muito mal-estar pessoal e comunitário.

Tentarei nas próximas notas apontar alguns desses contributos. Hoje vou falar para os meus colaboradores mais próximos e pedir-lhes para se juntarem a mim nesta causa humanitária e nacional, para darmos ao nosso povo razões profundas e concretas de esperança.

2.   Esperança radicada na fé

Ao longo da história do povo de Israel até Jesus Cristo houve muitos períodos de desilusão, em que parecia não se poderem cumprir as promessas feitas aos seus antepassados, a partir de Abraão. Guerras, fome, exílio, escravidão, destruição do templo, símbolo da sua unidade nacional como povo, etc. Com Jesus Cristo aponta-se para outros fundamentos e modos de realização da esperança, extensiva a todos os povos.

Jesus chama, instrui e envia os discípulos a anunciar a boa nova, a curar os doentes, a proclamar a paz, o perdão e a misericórdia. Ele mesmo se entrega por todos e promete enviar o seu Espírito, para que eles possam ser testemunhas, amando mesmo os inimigos como Ele, sem medo, obedecendo antes a Deus que aos homens.



Foram testemunhas deste calibre que transformaram muitos corações, famílias e sociedades, insuflando princípios evangélicos de organização social e política. Na interação entre as diversas culturas e as testemunhas, algumas até com o dom da vida, pelo martírio, foi surgindo um corpo doutrinal, hoje compendiado na doutrina social da Igreja, sendo os documentos do Concílio Vaticano II e as encíclicas sociais expoentes máximos disso. Estamos a comemorar o cinquentenário desse concílio e da encíclica Pacem in terris,cuja releitura recomendamos.

Mas os documentos não bastam. Precisamos de testemunhas, de mensageiros ao modo de Jesus Cristo. Estamos a celebrar na Igreja uma semana de oração pelas vocações ministeriais e consagradas. Em primeiro lugar, temos de pedir a Deus o dom dessas vocações autênticas e coerentes, que demonstrem que o estilo de vida de Jesus Cristo e a sua doutrina não são impossíveis. Precisamos de testemunhas que servem gratuitamente o seu próximo, de bons pastores que não deixam a comunidade humana entregue a si mesma, ao sofrimento e desânimo. Essas testemunhas carecem de uma fé profunda, que se encontra com a pessoa de Jesus Cristo, que acredita que com Ele é possível vencer os poderes de egoísmo e de morte e semear nas relações humanas critérios de amor, perdão, confiança, entreajuda, justiça e solidariedade.

Sozinhos não venceremos os poderes de morte, que parecem dominar as relações humanas, familiares, económicas e politicas. Por isso, nesta semana, que culmina com a festa do Bom Pastor, no quarto domingo de Páscoa, vamos implorar, com fé e persistência, a ajuda do alto. Cultivando os diferentes modelos de oração, não deixemos de implorar o fortalecimento das vocações ministeriais e consagradas existentes na nossa Igreja e o surgimento de novas vocações para o serviço da fé, o fortalecimento da esperança e da caridade nas comunidades, de modo que sejam fermento, sal e luz para a sociedade humana e política.

Precisamos de arrumar a nossa casa, a partir das nossas prioridades, para prestarmos um melhor serviço, com mais carinho, atenção e ternura, ao modo do Bom Pastor, como o Papa Francisco nos vem dizendo e mostrando.

† António Vitalino, bispo de Beja
15 de Abril 2013


Alegria pascal

1. O medo e a fé
Não sei que se passa, mas pela primeira vez na minha vida não vi estampada no rosto das pessoas a alegria pascal. Terá sido por causa do tempo frio e chuvoso ou pela desilusão provocada pela crise económica, politica e social? Será o medo de não conseguir ultrapassar a crise apesar das enormes medidas de austeridade, que deixam perplexos mesmo aqueles que sempre viveram sacrificadamente, no limiar da pobreza ou mesmo abaixo desse patamar.


Mas afinal qual é a causa profunda da nossa alegria, que a deixa transparecer mesmo quando tudo parece afundar-se no abismo? As narrativas (palavra que, de repente, se tornou moda!) evangélicas da ressurreição de Jesus ajudam-nos a compreender um pouco da tristeza estampada nos rostos, os medos de outrora e de hoje, mas também a descobrir a causa da alegria, apesar do sofrimento e da morte: o dom da vida por amor e a fé na força desse amor, mais forte que a morte.

Recordo o episódio dos discípulos de Emaús, relatado pelo evangelho de Lucas (24, 13 ss), que nos fala dos dois discípulos que, desiludidos e tristes com a morte do seu mestre, Jesus de Nazaré, regressam às suas terras e contam a sua história ao caminhante misterioso que se junta a eles no caminho e os ajudou a descobrir o sentido dos acontecimentos e a recuperar a esperança e a alegria, regressando à comunidade dos outros discípulos em Jerusalém. Estes também já tinham feito a experiência de Jesus ressuscitado e tinham recuperado da tristeza e do medo, abrindo as portas à comunidade.

Julgo que muitos dos nossos concidadãos ainda não fizeram esta experiência, para não se deixarem sucumbir pela tristeza, os medos, a falta de esperança. Precisamos de nos abrir uns aos outros, contar e ouvir as nossas histórias, mas sobretudo escutar quem nos alarga os horizontes para dimensões, que só a fé em Jesus ressuscitado nos pode tornar sensíveis e abrir à experiência criativa da caridade, que nos torna cada vez mais um povo em comunhão, solidário nas alegrias e tristezas, nas angústias e esperanças, como se exprime o início dum importante documento do Concílio Vaticano II, a constituição pastoral da Igreja no mundo, Gaudium et Spes.

2. Jovens de todo o país em Beja

Mas, tornando o passado presente, passo a referir uma experiência que fiz este fim-de-semana. A convite do Secretariado Nacional da Educação Cristã, reuniram-se em Beja cerca de mil alunos da disciplina de educação moral e religiosa do ensino secundário, vindos de várias escolas, de norte a sul, tendo como lema do encontro: encontrar muitas razões para conviver, reforçar laços de amizade. Ficaram instalados no Quartel RI3, mas percorreram as ruas de Beja, por grupos e conviveram num pavilhão da Feira de Beja. Aqui tive oportunidade de os saudar e, com poucas palavras, assumindo o lema do encontro, dizer-lhes: Não tenhais medo de cultivar com amor e carinho todas as relações essenciais da vida humana, a natureza, as pessoas e Deus. Não tenhais vergonha de falar da vossa fé e exprimi-la na vossa vida. Só ela dá razões profundas do sentido da vossa vida e vos transmite paz e alegria, apesar dos desafios que se vos apresentam. A vossa alegria contagia e dá esperança a quem convosco se cruza.

Não sei se todos prestaram atenção às palavras proferidas. Mas as palmas, os rostos alegres e os cânticos, animados pela equipa dos Irmãozinhos de S. Francisco de Assis, confirmaram a importância da saudação.

São estas experiências de partilha e convivência sadia, que todos necessitamos, para não sucumbirmos ao peso das austeridades e exigências da vida. Precisamente para reanimar a nossa fé e esperança, durante as tardes dos domingos do tempo pascal, os membros das comunidades neo-catecumenais da diocese de Beja dão testemunho da alegria da sua fé na ressurreição de Jesus, reunindo-se fora de muros no Parque da Cidade de Beja. Precisamos de nos contagiar com boas práticas, para não sucumbirmos nós mesmos com as más notícias.

† António Vitalino, bispo de Beja
8 de Abril 2013




Começar tudo de novo
1. Primavera e Páscoa


Todos os anos passamos por quatro estações, muito diferentes entre si, sendo a primavera a que mais maravilhas e beleza nos proporciona. Com excepção dos amantes dos desportos de inverno ou os veraneantes das praias, para a maioria das pessoas é a estação mais desejada. E não preciso de explicar porquê.
Para os judeus e os cristãos é no início desta estação, por altura da lua cheia, que se celebra a festa mais importante da sua fé, a Páscoa, que para uns faz memória da libertação da escravidão no Egito e para os segundos da paixão, morte e ressurreição de Jesus, que reconcilia a humanidade pecadora com Deus, liberta da raiz da escravidão e dá a certeza da possibilidade de uma nova primavera da vida.
Ao constatar tantos sinais de morte, de falta de esperança, de crise na política, nas finanças, na economia, na sociedade, nas empresas e na família, interrogo-me e grito: quem nos libertará desta escravidão? Levanto os olhos e contemplo um corpo suspenso na cruz. Recordo as narrativas dos Evangelhos sobre a vida do crucificado. Viveu fazendo o bem, falou com autoridade e anunciou um novo Reino, aproximou-se de quem estava doente e curou, usou de misericórdia e não teve receio de chamar pecadores para seus discípulos, acusado e difamado não quis defender-se com os meios humanos, proclamou o perdão e o amor aos inimigos e ao morrer pediu perdão para os algozes. Mataram-no, sendo inocente, mas o seu amor foi mais forte que a morte, porque Deus o ressuscitou, está vivo. Esta é a Páscoa dos cristãos, a aurora dos novos tempos, a primavera de uma vida nova e de uma nova criação. Com a ressurreição de Cristo tudo começa de novo.

2. Chamados e enviados a anunciar novos tempos

A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado, lembrado apenas entre os cristãos, dentro dos templos. O ressuscitado aparece aos seus discípulos atemorizados, dá-lhes o seu Espírito e envia-os a todo o mundo, a anunciar tudo o que ele ensinou e fez, a fazer discípulos, baptizando-os, isto é, inserindo-os na sua morte e ressurreição, para que vivam ao seu modo, amando como ele o fez.
Este fermento de uma nova vida, pessoal e comunitária, continua a levedar as massas, por vezes de modo quase imperceptível e invisível. Com a eleição do novo Papa Francisco tornou-se bem patente. Mesmo os não crentes sentiram a nostalgia de uma nova maneira de ser e de viver, que dá esperança a um mundo acorrentado por inúmeros grilhões, que trazem a humanidade deprimida e a impedem de viver na alegria da fraternidade universal, numa atitude de atenção e cuidado para com a natureza e os mais frágeis, crianças, doentes e idosos.
O desenvolvimento do mundo não é apenas na ordem do progresso económico e tecnológico, mas também na dimensão moral e espiritual. Subsistem algumas fontes de corrupção, vírus mortais da esperança. A afirmação da fé na Páscoa de Jesus Cristo continuará a ser a vacina mais eficaz contra os inimigos de uma vida humana sadia e com sentido de eternidade.
A celebração da nossa fé pascal, na alegria da reconciliação com Deus e uns com os outros, no anúncio e testemunho da misericórdia manifestada em Jesus Cristo e que interpela os seus discípulos a sê-lo também, vai transformando a nossa vida, tornando-a conforme a Ele. É o fermento de uma vida nova, de que a humanidade carece.
Felicito as comunidades do Caminho neo-catecumenal que, nas tardes dos domingos do tempo pascal, estarão no parque de merendas da cidade de Beja a anunciar a alegria da fé, que brota da ressurreição de Jesus. Saúdo também os grupos sinodais espalhados pela diocese, que têm estado a reflectir sobre a Igreja que somos e queremos ser, mais próxima de todos, mais simples, desprendida, missionária e alegre, para alimentar a esperança de um mundo deprimido, escravizado pelos poderes financeiro, económico e politico, porque desconhece a energia vital que brota da cruz e da ressurreição de Cristo.
Nesta fé, manifestada e alimentada na memória da paixão, morte e ressurreição de Cristo, desejo a todos os diocesanos santa alegria pascal.

† António Vitalino, bispo de Beja
Páscoa 2013


Caminhar, edificar, anunciar



1. Sempre a caminho


Na breve homilia da Missa com os Cardeais, após o Conclave, o Papa recém-eleito, que adoptou o nome de Francisco, dizia que a Igreja e os cristãos são um povo sempre em movimento, num caminhar rumo à “terra prometida”, seguindo as pegadas e o evangelho de Cristo. Interpelados por Cristo, na obediência à sua palavra, deixamos um mundo, construído a partir de nós e voltado para nós mesmos, abrindo-nos a Deus e aos nossos semelhantes. O Papa advertia que muitos, como Pedro em Cesareia, professam a fé em Cristo como Messias e Filho de Deus, mas pensando num Messias vitorioso e glorioso, num seguimento de Cristo sem cruz. Se assim for, o cristianismo nada mais será que uma instituição piedosa, dizia ele, uma ONG sócio-caritativa, apenas voltada para a dimensão material da vida humana, sem o horizonte da vida eterna. O próprio Papa, cardeais, bispos, padres nada mais seriam que um nome, uma função, e não discípulos de Cristo, afirmou o Papa.

Este povo peregrino de baptizados, a partir da fé, tem de orientar-se a partir do Cristo como a Bíblia e a fé da Igreja no-lo dão a conhecer. Por isso, o verdadeiro discípulo de Cristo tem de ser missionário, sempre a radicar a sua vida no Mestre e contribuir para o crescimento e fortalecimento do Povo de Deus, sem medo da cruz.



2. Povo chamado e enviado a anunciar

Na mesma homilia, o Papa Francisco dizia que, escutando o chamamento de Jesus e seguindo-O, carregando a cruz, não podemos ser meros espectadores ou repetidores da sua vida e mensagem. Precisamos de ser sempre evangelizados, para construir a nossa vida sobre Ele, como rocha firme, sem medo do sofrimento, da cruz, da incompreensão. Precisamos de anunciar e testemunhar a nossa fé, num mundo indiferente ou até mesmo adverso de Cristo, do seu Evangelho, dos seus discípulos.

Os cristãos são, pois, um povo sempre em movimento, que, partindo da profissão de fé em Jesus Cristo, edifica a sua vida e relações ao modo de Cristo e anuncia, transmite e testemunha essa vida nova em Cristo ao mundo.

Estava eu a reflectir sobre esta mensagem, expressa em poucas palavras e de modo simples e directo, veio-me à mente uma interrogação sobre a minha própria vida e missão de bispo, assim como dos colaboradores nesta diocese de Beja. Será que pautamos a nossa vida pela de Cristo, nos abrimos como Ele a Deus e às pessoas que vivem nesta terra alentejana? Que Igreja, Povo de Deus, estamos a construir? Como a edificamos?



3. A comunidade escolar de Santa Maria na Sé de Beja



Com estes pensamentos na mente, fui celebrar a Eucaristia do quinto domingo da Quaresma e encontrei a Sé Catedral repleta de jovens e adultos, muitos deles professores e funcionários da Escola de Santa Maria de Beja, que comemora neste mês de Março vinte anos de existência. Quis esta comunidade escolar assinalar também com a Eucaristia esse acontecimento, embora muitas pessoas e famílias ligadas a esta escola raramente participem nas celebrações da Igreja. Para mim foi um grande sinal de que ninguém é excluído do amor de Cristo e da missão da Igreja.

Qual não foi o meu espanto ao ver o silêncio, a atenção e participação da assembleia, bem apoiada por um coro de crianças e jovens, por diversos músicos, incluído órgão, por acólitos, por leitores e outros intervenientes em diversos momentos da celebração.

Reconhecendo a autonomia das instituições, constatei uma vez mais quanto é importante que todos colaboremos na construção de uma nova sociedade, mais justa, solidária e fraterna. Família, escola, Igreja e outros intervenientes nas sociedades modernas precisam de colaborar na formação das novas gerações, na transmissão de valores e ideais que ajudem a estruturar os nossos cidadãos no sentido positivo da verdade e vocação do ser humano.

Reconheci também que perdemos muito tempo e recursos em questões secundárias ou a proteger classes privilegiadas, que se pautam pelo egoísmo e não pelo bem comum. E, uma vez mais, me afloraram à mente palavras e gestos do nosso novo Papa, que, recordando S. Francisco de Assis, cujo nome e exemplo assumiu, disse: precisamos de ser mais uma Igreja pobre e para os pobres. Foram eles os preferidos de Cristo e da Igreja nos períodos em que foi mais coerente e missionária, de acordo com o mandato recebido.

Também nesta diocese, bispo, clero e colaboradores na missão, precisamos todos de assumir estas prioridades, novas expressões, métodos, linguagens e pedagogias na evangelização, a fim de sermos a Igreja de Jesus Cristo. Espero que o Sínodo diocesano nos ajude.

† António Vitalino, bispo de Beja

17MAR2013



Regresso a casa

1. Alegria do regresso a casa

Na sua autobiografia, Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI e agora Papa emérito, narra a enorme alegria da sua família, quando, tendo terminado a segunda grande guerra mundial, depois de ele mesmo ter regressado a casa, liberto do campo de prisioneiros de guerra, o seu irmão Jorge, que tinha sido destacado para a Itália e já há várias semanas fora libertada pelos aliados do domínio fascista e nazi, julgando-o morto ou desaparecido, como tantos outros milhões de soldados, finalmente entrou pela porta dentro. Todos sabemos do enorme sofrimento das famílias, quando desaparece algum membro, criança, jovem ou idoso, sem saber se está vivo ou morto, e se espera a notícia do seu paradeiro ou destino.
Um dia Jesus contou uma história parecida, que pôs a descoberto a veracidade dos nossos sentimentos e o contraste com o procedimento de Deus para connosco. É a parábola do pai que tinha dois filhos e o mais novo resolveu abandonar a casa paterna e ir gozar a liberdade, sem as peias dos afectos familiares. Importante é o desfecho da narrativa, quando esse filho decide regressar a casa e o pai lhe faz uma festa, na alegria de saber que ele estava vivo e voltou para a família. O outro irmão, que sempre ficou em casa, é que não gostou da atitude do pai e recusou-se a participar na alegria da família.

2. Povo desavindo e com desigualdades profundas
Ao refletir sobre estas histórias e outras parecidas, recordei muitos casos, uns que conheci através dos meios de comunicação social e outros por contacto com pessoas implicadas. Mas logo me ocorreu o desfecho da parábola evangélica. Será que nos alegramos quando alguém regressa a casa? Acolhemo-lo bem? Fazemos festa?
A Igreja pode ser considerada como uma família, chamada a ser fermento, símbolo e sacramento da unidade de todo o género humano, na comunhão com Deus e os irmãos. Seremos verdadeiramente sinais de fraternidade, pessoas abertas e acolhedoras, sempre dispostas a integrar novos membros na comunidade, mesmo que já tenham pertencido à família dos discípulos de Jesus e se tenham afastado, ou, pelo contrário, empurramos para fora quem não cai na nossa simpatia? Fazemos acepção de pessoas ou temos um amor preferencial pelos mais fracos, pobres, doentes, crianças, idosos, pecadores?
Se na família eclesial há desavenças e desigualdades, elas são muito maiores na sociedade a que pertencemos. Mesmo nas manifestações de descontentamento com as políticas de austeridade nota-se alguma contradição, cujas causas são mais profundas que os cortes nas remunerações e nas reformas. Nas multidões de manifestantes ou nos grupos mais pequenos sabemos que não há o espírito de família, mas interesses pessoais ou de classe. Quando até os reformados milionários manifestam descontentamento, embora entre eles esteja também quem contribuiu para a crise, administrando empresas em seu favor, esquecendo-se que, acima de direitos adquiridos, está a justiça, o bem comum, o destino universal dos bens, a solidariedade e a fraternidade, radicada na dignidade e igualdade da pessoa humana.
Os governos eleitos democraticamente têm de orientar as políticas por esses princípios fundamentais, e não a partir de interesses de classes ou lobbies.
Mas é difícil conseguir o equilíbrio nas sociedades num mundo global, respeitando a liberdade e a dignidade das pessoas e o princípio da subsidiariedade da sociedade civil. Há sempre fugas, pois nem todos os países e instituições seguem os mesmos princípios.

3. Chamados a reconciliar a família humana


No meio deste panorama complexo, os cristãos, olhando para a vida e mensagem de Jesus Cristo, precisam de se converter e orientar as suas vidas e ação no sentido de curar muitas feridas e ajudar a restaurar o sentido de família e de povo.
S. Paulo, na segunda carta aos Coríntios (5, 15 ss), exorta os leitores a ser embaixadores de Cristo e instrumentos de reconciliação. Eis aqui bem definida a missão da Igreja, hoje mais necessária que nunca. Reconciliados com Deus e com o nosso próximo, alargando os nossos olhares para além dos nossos grupos e comunidades, sentindo o sofrimento do nosso povo e da humanidade, não podemos cruzar os braços.
Bento XVI, Papa emérito, concretizando o evangelho e a doutrina social da Igreja para o nosso tempo, deixou-nos um magistério clarividente, que muito nos ajudará a discernir o nosso papel na Igreja e na sociedade.
Invoquemos a luz do alto para a eleição do novo Papa, sucessor de Pedro e garante da comunhão eclesial, para que, em união com o colégio episcopal, dê um forte impulso à missão da Igreja na atualidade.
† António Vitalino, bispo de Beja
10Março-2013


Encontro, missão e partilha

1. Experiência do sentido da vida
Somos seres à procura da felicidade, da vida plena, que parece sempre escapar-nos, quando, umas vezes, nos parece tão perto e outras tão distante. A insatisfação e o vazio apoderam-se de nós, quando nos despedimos de uma pessoa querida, mesmo que não desapareça para sempre. Quando Bento XVI se despedia dos cardeais e prometia reverência e obediência incondicional ao futuro Papa, que provavelmente dentro dias seria algum dos presentes e, horas depois, desaparecia atrás da janela da residência de Castel Gandolfo, afirmando que seria a partir de então um peregrino na última etapa da sua vida, senti em mim esse vazio, mas ao mesmo tempo a plenitude da esperança prestes a realizar-se.
Como e quando se realizará essa plenitude? Sem a certeza das ciências exactas, mas com a segurança proveniente do coração que palpita e sente, tentarei exprimir algumas ideias sobre a minha experiência da procura e do encontro, lembrando a famosa frase do filósofo francês Blaise Pascal, de que o coração tem razões que a razão desconhece. Isto faz-me lembrar também a experiência narrada por Santo Agostinho, no seu livro das Confissões, de que só teve paz e tranquilidade quando se encontrou com a presença de Deus no seu coração.

2. Encontro e missão
Esta experiência do encontro com a razão de ser da nossa vida fê-la também Moisés no monte Horeb, fugido do Egipto, incompreendido pelos egípcios dominadores e pelos israelitas escravizados. Na sarça ardente, que não se consumia pelo fogo, ele encontrou-se com o Senhor dos Senhores, Javé, que o enviou a libertar o seu povo da escravidão. Desse encontro recebeu a missão e a força para a realizar. Sem medo, ele regressa ao Egipto e vai falar com o Faraó, para que deixe partir o seu povo. É esta experiência que faz os verdadeiros heróis e chefes.
Muitos admiram-se de como uma pessoa frágil consegue desempenhar missões difíceis, para as quais não estava preparado. A história da Igreja está recheada de figuras destas, que enfrentaram os poderes mais adversos, mantendo-se fiéis à missão recebida. Desde Jesus Cristo, passando pelos apóstolos, por S. Paulo, S. Bento, S. Francisco de Assis e nos nossos dias João Paulo II e Madre Teresa de Calcutá, sem esse encontro com Deus, as suas vidas e testemunhos não teriam sido possíveis.
É destas pessoas iluminadas que a Igreja e o mundo precisam, para vencer as forças adversas à justiça, à paz, à liberdade, ao bem comum e à fraternidade e que afundam a humanidade na crise, sem solução à vista. Em breves palavras, Bento XVI afirmava isto mesmo, na audiência de 14 de Novembro de 2012: Se Deus perder a centralidade, o homem perde o seu justo lugar, e não encontra a sua colocação na criação, nas relações com os outros.

3. Fé comprometida, cidadania activa
Enquanto esses iluminados não surgem, há pequenos passos a dar no sentido de empurrar a sociedade para a senda do encontro das soluções e do sentido da existência. Neste fim-de-semana a Igreja em Portugal lançou uma campanha da partilha fraterna, com o slogan: “Fé comprometida, cidadania activa”. O que quer isto dizer? Que a fé dos cristãos pressupõe um encontro com a pessoa de Jesus Cristo e n’Ele com todos aqueles que precisam de ser ajudados, pois sempre que fizermos o bem a quem está necessitado é a Ele mesmo que o fazemos. Por isso a fé compromete-nos com Ele e com todos os nossos irmãos. Precisamente Ele nos deixou como testamento e exemplo: como eu fiz, fazei vós também; amai-vos uns aos outros como eu vos amei.
Este compromisso do encontro da fé impele os cristãos para uma cidadania activa. Capacita-os e impele-os a serem cidadãos atentos e próximos aos outros, inspirando as suas acções no dinamismo do amor, que transforma os corações e as estruturas de egoísmo e de injustiça em relações de convivência fraterna, no respeito pela liberdade e igualdade dos nossos concidadãos.

O apelo lançado pela Igreja neste terceiro domingo da Quaresma, pedindo a nossa partilha fraterna para minorar tantas situações de carência e mesmo de pobreza, não pode ficar na dádiva monetária, embora também necessária, mas inspirar o coração de todos para ir às causas do sofrimento causado pela crise que flagela muitos países. E como dizia o evangelho deste domingo: se não nos convertermos, pereceremos todos, uns enrolados no capital sem coração e outros despidos do necessário para sobreviver. Por isso, é importante aproveitar este tempo da Quaresma, para fazermos a experiência da conversão no encontro com o coração de Cristo e nos tornarmos seus fiéis discípulos.
† António Vitalino, bispo de Beja
03 Março2013

Modelos de Fé



1. Necessidade de modelos de vida

É natural termos pessoas ou figuras como modelos de conduta, para o bem ou para o mal, heróis ou vítimas da luta pela verdade, o amor e a justiça. Também os crentes têm os seus modelos. Na liturgia do segundo domingo da Quaresma escutámos o apelo de S. Paulo aos Filipenses: Irmãos: Sede meus imitadores e ponde os olhos naqueles que procedem segundo o modelo que tendes em nós. E qual era o modelo de S. Paulo? Nas suas cartas ouvimo-lo muitas vezes dizer:para mim viver é Cristo... Tudo considero como lixo comparado com Jesus Cristo. Então Paulo aponta-nos para Cristo, a quem os Filipenses conheceram pelas suas palavras e testemunho de vida.

Seria muito proveitoso para todos nós examinar quais são os nossos modelos de conduta e aprofundar as razões de os ter adoptado e se realmente os seguimos. Precisamos de conhecer melhor os modelos da nossa fé, não apenas os do passado, mas também aqueles que no-los transmitiram, para os amarmos e seguirmos com maior fidelidade e verdade. Hoje vou apresentar como modelo uma grande figura da Igreja, que há um ano nos deixou, D. Manuel Falcão, bispo emérito de Beja.




2. D. Manuel Falcão, modelo de fé cristã

Na conclusão do seu opúsculo, acabado de escrever no dia 1 de Janeiro de 2012, poucas semanas antes da morte e com o título: Uma existência envolta em mistérios, lemos como palavras de conclusão: O que aqui deixo escrito para os meus familiares e amigos mais íntimos, reflecte as minhas reflexões e meditações neste termo da minha vida, graças a mais tempo livre e sobretudo à perspectiva de ter de prestar contas a Deus de toda a minha vida, e de pensar que Ele, na sua misericórdia, me perdoa e me quer levar a com Ele conviver por toda a eternidade.

Aqui temos uma das últimas confissões de fé de D. Manuel Falcão, cuja vida e testemunho queremos novamente agradecer a Deus, na certeza de que ele convive para sempre com Deus, tendo-se cumprido a sua fé e esperança em Deus, em quem acreditou desde a infância e cuja fé testemunhou pela sua vida apostólica, por sua caridade e partilha fraterna com a diocese e muitos que a ele recorriam e também por seus escritos, repletos da sabedoria de Deus, muitos deles impressos em livros, revistas e jornais, alguns até em formato digital, como é o caso da Enciclopédia católica popular, a obra mais consultada na página oficial da Igreja Católica em Portugal, ecclesia.

Por toda a sua vida e ministério, grande parte a serviço desta diocese de Beja, estamos gratos a D. Manuel. Continuaremos a agradecer a Deus e a usufruir do seu legado, agora também da sua intercessão junto de Deus, para cuja visão face a face encaminhou toda a sua vida. Agora pode, com toda a verdade, dizer aquilo que S. Pedro proferiu no monte Tabor (Lc 9, 28-32): «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Agora proclama para sempre a glória de Deus, terminado na terra o longo processo da transfiguração em Cristo, como o citado opúsculo documenta.



Aberto à iluminação a partir de Deus

Nascido em Lisboa, a 10 de Novembro de 1922, de pais e família cristã, D. Manuel Falcão aprendeu cedo a contemplar e acreditar nos mistérios da vida humana e do universo, orientando toda a sua vida, estudo e trabalho para a sua compreensão, sempre aberto à iluminação a partir de Deus, como um dom acolhido, acreditado, rezado, celebrado, testemunhado e vivido. A sua educação familiar, escolar, cultural e religiosa ajudaram a sua inteligência fulgurante a viver cada vez mais fascinado pelo mistério do mundo e de Deus, legando-nos testemunhos palpáveis dessa vida com sentido, planificada e orientada a partir daí. Isso foi bem notório a quem conviveu com ele mais de perto, como foi o meu caso, nos seus últimos treze anos de vida, que terminou a 21 de Fevereiro de 2012, durante o descanso da noite, adormecendo para sempre aqui na terra e acordando para a glória de Deus, na vida eterna.

Para expressar publicamente esta gratidão a D. Manuel e à família Franco Falcão, o bispo de Beja convocou os diocesanos para uma celebração na Sé catedral, a 24 de Fevereiro, pelas 18,00 horas, na qual participaram muitos membros do clero, seminaristas e numerosos fiéis e também alguns irmãos e sobrinhos de D. Manuel, a quem a diocese e a Igreja em Portugal deve eterna gratidão.

Aqui fica, uma vez mais, a expressão da nossa gratidão por tão claro e firme testemunho e modelo de fé, coerente na vida e nos seus escritos. Este agradecimento estende-se também ao Papa Bento XVI, que no dia 11 de Fevereiro anunciou a sua resignação para o dia 28. Ficará na história como testemunha luminosa da fé, em diálogo com a razão e a ciência, na viragem do século e confessor da verdade e coerência na vida da Igreja. Peço aos diocesanos oração agradecida por ele e suplicante pelo próximo Papa, que aguardamos ainda durante esta Quaresma.

† António Vitalino, bispo de Beja

24 Fevereiro2013



Nota para a 1ª semana da Quaresma

De onde vimos, para onde vamos e como caminhamos?

1. À procura do sentido da vida
Um destes dias, viajando a caminho de Fátima, ouvia pela radio testemunhos de pessoas a narrar a sua fuga da guerra, deixando tudo o que tinham conseguido durante muitos anos de trabalho e levando apenas as pessoas do seu agregado familiar, alguns bens, sobretudo dinheiro e mantimentos para os primeiros tempos. A certa altura faltaram os alimentos e o dinheiro tinha perdido o valor cambial, pelo que começaram a vender os outros bens a troco de alimentos e combustível. Habituados a um relativo bem estar, ficaram assustados quando viram uma criança saltar do colo da mãe, para apanhar cascas de laranja e comer. Por fim, procuraram trabalho a troco de comida, mas depressa foram despedidos por não terem licença de trabalho nem residência.

Estas histórias de vida precária, sem estabilidade nem segurança, mas com grande vontade de sobreviver e vencer, fizeram aflorar em mim memórias do meu percurso pessoal, em Portugal e no estrangeiro e surgir muitas interrogações. Afinal de onde vimos e para onde vamos? Que sentido tem a existência humana? Porquê uns parecem ser bem sucedidos e outros esmorecem e ficam pelo caminho? Porquê ainda hoje a muitos não chegam as migalhas que caem da mesa dos ricos? Porquê tantas desigualdades e rivalidades no mundo, se tudo deixamos no dia da nossa morte?

Ao mesmo tempo, ouço a resposta de Jesus ao tentador, no evangelho do primeiro domingo da Quaresma: nem só de pão vive o homem (Lc 4, 4). A que o evangelho de S. Mateus (Mt 4, 4) acrescenta: mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Por isso pergunto-me, e a vós que me escutais ou ledes: de quê vivemos nós e como nos alimentamos? A prioridade da nossa vida é o ventre, o dinheiro, o prazer, os bens materiais? Que significado tem para nós a voz de Deus, a sua palavra pronunciada pelos profetas e, sobretudo, a sua Palavra encarnada, Jesus Cristo?

2.  Povo errante, em terra estrangeira
Muitas vezes sentimos que esta não é a nossa pátria definitiva. O nosso coração sente-se deslocado no terreno que pisa. Constatando a fragilidade da nossa vida e daquilo que suporta o nosso relativo bem estar, sabemos agradecer o que temos e somos? Acolhemos a vida como um dom a oferecer ou como um direito egoísta?

Vivemos um tempo de grande insegurança familiar, laboral, económica, política e até religiosa. Vemos muitos lares a desfazer-se, promessas de amor fiel e apaixonado a serem quebradas, empresas a falir, o desemprego a crescer, os jovens mais preparados a emigrar, os políticos e governantes a contradizerem-se e sem medidas que assegurem o nível de vida dos cidadãos.

Diariamente fazemos a experiência da precariedade. Até a renúncia do Santo Padre nos apanhou de surpresa no princípio da semana passada e nos acordou para uma nova realidade do papado. A estrutura mais estável da sociedade ao longo de séculos também é frágil. Tudo isto nos interpela para descobrirmos as prioridades da vida. Onde e em quem pomos a nossa esperança? Nos homens, em Deus, nos bens materiais, no poder, nas glórias e vaidades humanas?

Ao iniciar a sua vida pública Jesus experimentou todas essas tentações. Trata-se de coisas boas, mas que nos podem reter e prender no caminho da vida, roubando-nos a dignidade e liberdade de filhos de Deus e irmãos uns dos outros. Jesus dá prova da sua grande liberdade e fidelidade a Deus e à missão que lhe foi confiada: salvar a humanidade, reconduzindo-a para a verdade do seu ser, feita para amar. Nada pode preencher o íntimo do ser humano, revelar o seu sentido integral, senão o encontro com o outro, no qual Deus se manifesta e entrega.

Para fazermos esta experiência da vida plena em Deus, precisamos de nos esvaziar de nós mesmos. Ajuda-nos a escuta da Palavra de Deus, a contemplação do mistério da vida de Jesus, a comunhão e o amor fraterno, a partilha com os irmãos do que temos e somos.

3. A resistência às tentações do caminho e a Fé
Na sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Bento XVI afirma que crer na caridade suscita caridade. Contemplando o amor que Deus nos tem, manifestado na vida de Jesus Cristo, somos impelidos a responder com amor, querendo e fazendo o bem a quem Ele ama. Este é um processo sempre a caminho, nunca concluido. O cristão é uma pessoa conquistada pelo amor de Cristo e, movido por este amor, sempre aberto ao amor do próximo. A caridade é, pois, a vida da fé, afirma o Papa, que nos conforma cada vez mais a Cristo.

Quando Pedro e os apóstolos, depois de terem recebido o Espírito Santo, testemunhavam diante da multidão, reunida em Jerusalém, que Jesus, aquele que tinham morto, estava vivo, tinha ressuscitado e era o único salvador, o Messias prometido, os ouvintes, emocionados, perguntaram-lhes: que devemos fazer? Os apóstolos responderam: «Convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo” (Act 2, 38). S. Paulo escreve aos Romanos, trecho lido na segunda leitura do primeiro domingo da Quaresma: “se confessardes com a boca: «Jesus é o Senhor», e acreditardes no vosso coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, sereis salvos. É que acreditar com o coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter a salvação” (Rom. 10, 9-10).

A Quaresma é realmente um tempo propício para reavivarmos a fé do nosso batismo, que nos dá a verdadeira vida, a vida eterna. Confessar a fé em Jesus Salvador, com a boca e o coração, leva-nos a dizer não ao pecado, a uma vida contrária ao amor a Deus e aos irmãos, a resisitir às tentações do materialismo, do poder e das glórias e vaidades do mundo, para vivermos mais à maneira de Jesus, que entregou a sua vida para nossa salvação.

Escutemos, pois, mais a palavra de Jesus, olhemos para o seu testemunho de vida, sejamos mais uns para os outros e fortaleçamos a nossa comunhão fraterna, a começar pela família, as nossas comunidades paroquiais e movimentos. Arranjemos mais tempo para escutar, em grupo, a mensagem evangélica e façamos uma leitura da nossa vida à luz dessa palavra, para na Páscoa podermos sentir a alegria da ressurreição e de uma vida nova, toda informada pelo Espírito de Deus, pela caridade.

Foram elaboradas catequeses no âmbito da celebração do nosso Sínodo diocesano, para que as façamos em pequenos grupos e demos o nosso contributo para a renovação da vida cristã e eclesial nesta diocese. Respondamos com amor a Cristo, à Igreja e aos nossos irmãos, que vivem nesta diocese. Expressemos aquilo que somos e queremos ser como cristãos e membros do Povo de Deus. Somos pecadores, mas chamados a ser santos, como Jesus é santo. A profissão da fé, com a boca e o coração, com os olhos fixos em Jesus, renovará em nós a esperança e a força do amor. Assim também daremos o nosso contributo valioso para vencer o desânimo e a falta de alegria e criatividade que domina a nossa sociedade.
  
† António Vitalino, Bispo de Beja
17FEV2013


Mensagem do Bispo de Beja para a Quaresma de 2013



Verdade e coerência de fé e de vida



1. Valores do mundo e do Evangelho

A crise económica e financeira que o mundo atravessa e atingiu Portugal de modo a obrigar-nos a pedir ajuda externa, sem a qual muitos dos nossos serviços públicos e muitas famílias ficariam sem recursos para funcionar e sobreviver, veio acordar-nos da ilusão em que assentávamos o nosso relativo bem estar. Agora fala-se, escreve-se, discute-se, protesta-se, fazem-se greves, criticam-se governos e políticos anteriores e presentes, mas dá a impressão que ainda poucos se deram conta das ilusões sobre as quais baseiam os seus protestos. Todos querem voltar ao mesmo estilo e nível de vida, construindo sobre isso os seus projetos de felicidade.

Jesus Cristo, a sua vida e mensagem, continuadas na missão da Igreja, alerta-nos para outras prioridades, que, por vezes, se contrapõem aos nossos habituais desejos. Ao jovem rico que lhe pergunta que deve fazer para alcançar a vida eterna, para além do cumprimento dos mandamentos da lei, que ele já seguia fielmente, Jesus responde: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me» (Mt 19,21).

Esta radicalidade de espírito e de estilo de vida é pedida a todos os discípulos de Cristo. Os bens deste mundo são para administrar e nunca podem constituir um fim em si mesmos, como se fossem a finalidade da nossa vida, o nosso Deus.

A vida cristã e sobretudo esta fase do ano de oração da Igreja, chamada Quaresma, vem acordar-nos para os valores e atitudes fundamentais do Evangelho, procurando compreendê-los com toda a verdade e, com coerência, conformando a nossa vida com eles, para sermos autênticos discípulos de Jesus Cristo, cuja paixão, morte e ressurreição celebramos na Páscoa.



2. Aprofundamento do ser cristão

Ninguém opta por um estilo de vida sem sentido, sem convicção de que é possível e atraente. Cristo não quis e não quer escravos, mas pessoas livres, entusiastas, convencidas e alegres, apesar do caminho proposto ser exigente. Por isso também hoje precisamos de conhecer melhor a pessoa de Jesus, o seu testemunho de vida e a sua mensagem. Não podemos ser cristãos frios ou mornos, apenas por tradição. Temos de formar a nossa fé, conhecer as razões da nossa esperança e viver de acordo com elas.

Este ano da fé proclamado pelo Papa Bento XVI e o tempo da Quaresma são propícios para este aprofundamento. Na diocese de Beja estamos a celebrar um Sínodo, ou seja, um tempo de consciencialização da nossa fé cristã e corresponsabilização na vida e missão da Igreja. Para isso foram elaborados subsídios de reflexão em grupo, com alguns textos do Evangelho e do Concílio Vaticano II. Nesta primeira fase do Sínodo olharemos para a Igreja que somos e queremos ser e sobre os modos e meios de construção dessa Igreja, livre, leve e alegre, para que seja fermento de comunhão e de vida fraterna no mundo em que vivemos. Por isso é importante que nos serviços, movimentos e paróquias formemos grupos de reflexão, a fim de darmos o nosso contributo para a realização comunitária do nosso ser cristão.



3. Fé, caridade e partilha fraterna

Mas a vida cristã não é apenas conhecimento, reflexão, saber. A fé impele para a vontade de conformar a vida com aquele em quem acreditamos, Jesus Cristo, que nos diz: se me tendes amor, cumpri os meus mandamentos... Amai-vos uns aos outros como eu vos amei (Jo 15, 12).

Na sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Bento XVI afirma que crer na caridade suscita caridade. Contemplando o amor que Deus nos tem, manifestado na vida de Jesus Cristo, somos impelidos a responder com amor, querendo e fazendo o bem a quem Ele ama. Este é um processo sempre a caminho, nunca concluido. O cristão é uma pessoa conquistada pelo amor de Cristo e, movido por este amor, sempre aberto ao amor do próximo. A caridade é, pois, a vida da fé, afirma o Papa, que nos conforma cada vez mais a Cristo, de modo a podermos exclamar como S. Paulo: já não sou eu que vivo, mas Cristo (e os que Ele ama e quer salvar) que vive em mim (cf Gl 2, 20).

A fé e a caridade são dois dons de Deus e duas atitudes que se entrelaçam na vida do cristão, cuja origem está em Deus e cuja meta também o é, envolvendo aqueles com quem vivemos, de modo a olhá-los e tratá-los com os olhos e o coração de Cristo. Exemplo forte desta verdade e atitude foi a Madre Teresa de Calcutá.

Esta atitude leva-nos a uma profunda e verdadeira comunhão e partilha de valores e de bens materiais e espirituais com o nosso próximo. Daí que ninguém que acredita em Deus e ama Jesus Cristo pode ficar indiferente a quem sofre. Por isso na Quaresma os cristãos são mais sensíveis à partilha e solidariedade com quem mais precisa. A Quaresma, com as indicações que dá tradicionalmente para a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a fé com uma escuta mais atenta e prolongada da Palavra de Deus e a participação nos Sacramentos e, ao mesmo tempo, a crescer na caridade, no amor a Deus e ao próximo, nomeadamente através do jejum, da penitência e da esmola, diz o Papa na sua Mensagem.



Renúncia quaresmal



Neste tempo de Quaresma é habitual fazer-se um ofertório especial para a Caritas diocesana e nacional, no terceiro domingo e também uma renúncia em benefício de algumas intenções indicadas pelas dioceses. Na Quaresma de 2012 a diocese de Beja orientou o resultado dessa renúncia e partilha para duas finalidades: metade para o fundo diocesano de emergência social e outra metade para a diocese de Quelimane, em Moçambique, agradecendo a colaboração do Padre Erbério, que esteve na Amareleja. Até 5 de Fevereiro foram entregues na Cúria diocesana16.297,33 €.

Este ano queremos orientar o produto da renúncia para três finalidades, mantendo-se uma delas, ou seja, um terço para o fundo de emergência social através da Caritas diocesana; outro terço para os pobres das missões dos Vicentinos em Moçambique, confrades dos religiosos a paroquiar no concelho de Santiago do Cacém e a animar as missões populares na diocese; e o último terço para ajudar o Carmelo de Beja, agora com 10 irmãs, algumas provenientes do Quénia.

Olhemos para os nossos irmãos mais pobres e aprendamos a descobrir neles o rosto de Cristo, que disse, sempre que fizerdes o bem a um dos mais pequeninos é a mim que o fazeis. Assim teremos um encontro mais intenso e profundo com Cristo e os nossos irmãos mais carenciados, dando-nos oportunidade de crescer na fé e na capacidade de amar, pois é dando que se recebe.

Desejo a todos uma Santa Quaresma em clima sinodal.



† António Vitalino, Bispo de Beja

7 de Fevereiro de 2013



Pobreza, família e politicas sociais



1. Pobreza e politicas sociais

Diariamente se ouve falar do aumento do número de pobres e somos confrontados com novo tipo de pobreza, que afecta pessoas e famílias que até há pouco julgávamos serem abastadas. Aumenta o número de desempregados e criam-se cantinas sociais, para que ninguém passe fome, sem contudo se conseguir novos postos de trabalho dignamente remunerados ou resolver o problema de dívidas acumuladas, algumas afectadas à compra da habitação, de electrodomésticos ou de meios de transporte e de comunicação.

Por outro lado, aparecem casos de pais desesperados que matam os filhos e de famílias numerosas a quem tiram os filhos para os institucionalizar, mesmo que contra a vontade dos progenitores, como se as instituições sociais fossem a solução dos problemas educativos e financeiros da sociedade. Também constato que os estabelecimentos prisionais estão cheios com pessoas de todas as idades e muitos prevaricadores continuam à solta.

Ao constatar esta realidade que traz deprimida muita gente, causa sofrimento evitável e desnorte da sociedade, pergunto-me se muitos destes atropelos à liberdade e dignidade da pessoa e da vida humana não seriam evitáveis com outro sistema educativo e outras políticas. Ao mesmo tempo interrogo-me como posso eu enquanto cidadão e a Igreja a que pertenço contribuir para melhorar a situação e aliviar o sofrimento, sabendo que todos somos corresponsáveis na construção do bem comum da sociedade em que vivemos, embora não dependa tudo de nós. A maior responsabilidade é daqueles a quem elegemos para o governo e para as autarquias e daqueles que eles nomeiam, para os diferentes órgãos sociais e administrativos, pois são eles que gerem os nossos impostos.



2. A educação e a família na solução da crise

Dirigindo-se aos movimentos pela vida da Itália, Bento XVI, na sua habitual oração do Angelus aos domingos, neste dia 3 de Fevereiro, apoiou a iniciativa da conferência episcopal italiana que aponta a vida e a família também como resposta eficaz de solução da crise actual. Reflito sobre estas afirmações e pergunto-me se não está aqui a causa e o remédio de muitos dos males presentes. E vou tentar exemplificar isso com alguns acontecimentos, correndo o perigo de ser injusto para com alguns dos intervenientes, pois estou consciente que o estado do doente já pode estar tão evoluído que não se cura com as terapias normais.

O afecto, a proximidade e o conhecimento das pessoas são importantes para ajudar no seu crescimento e integração social. Ora isso acontece de modo mais forte na família, embora o contrário também possa acontecer. Isto significa que é  a família que deve merecer a atenção e o apoio das políticas sociais. Será isso que está a acontecer entre nós e na Europa?

Quando ouço falar da mãe desesperada que mata os seus filhos, porque lhos queriam retirar e institucionalizar ou daquela família numerosa que chora os filhos que lhe foram retirados, porque não teria condições económicas e de habitação para os educar, pergunto-me se as instituições poderão dar àquelas crianças o mesmo que uma família pobre faz, para além da crueldade de retirar a uma família os seus filhos e se, porventura, o apoio directo dado à família não seria mais barato e eficaz do que a institucionalização. Bem sabemos quanto custam as instituições de apoio às famílias e quantas não conseguem integrar as crianças que lhes são confiadas, sobretudo quando a justiça atua demasiado tarde!

Quando acontece algum crime nas famílias, a sociedade e a comunicação social apenas aponta para a crueldade dos acontecimentos. Poucos perguntam pelas suas causas, pelo sofrimento dos implicados e pelas omissões e medidas erradas por parte dos vizinhos e das instituições sociais, judiciais, políticas e de segurança.

Poderia alongar o número de casos. Mas todos os que conheço me convencem mais de que a família e os nossos sistemas educativos são o melhor garante do progresso integral da pessoa humano, da superação das crises e da coesão social. Sendo filho de uma família pobre e numerosa, tendo nascido e crescido nos primeiros anos de vida no tempo da grande crise da segunda guerra mundial, sei bem o que isso significa!

Por isso é aqui que devemos aplicar toda a nossa sabedoria e os meios de que dispomos, para que, não apenas de palavras, seja respeitada a dignidade fundamental e constitucional da pessoa humana e da família como célula da sociedade. Se isto funcionar bem, muitos problemas serão resolvidos, postos de trabalho criados e até recursos económicos poupados, para bem de todos nós.



† António Vitalino, Bispo de Beja

04/FEV/2013



Testemunhas da fé em tempo de crise



1. O que se espera da Igreja

É frequente baterem à porta das igrejas, sobretudo das casas paroquiais e também episcopais, não para buscar instrução ou apoio espiritual e moral nas dificuldades, mas para pedir ajuda material. Muitos usam o telefone, a internet e alguns também o correio, para expor os seus problemas económicos e financeiros, em alguns casos exagerando, para suscitar a compaixão. Quando se dispõe de algum tempo e se investiga discretamente, descobrimos, por vezes, alguns profissionais da pedincha e que vivem desafogadamente. Em tempo de verdadeira crise e de muitos casos de pobreza envergonhada, há quem se aproveite, prejudicando aqueles que verdadeiramente precisam de ser ajudados. Por isso os trabalhadores sociais, as instituições e o voluntariado devem desenvolver práticas de proximidade, para que ninguém fique esquecido nas suas verdadeiras necessidades e os escassos meios disponíveis possam ser canalizados para quem precisa.

Talvez todos sejamos culpados desta mentalidade materialista e assistencialista que apenas espera da Igreja ajuda material, quando a sua verdadeira missão é de despertar nas pessoas a sua verdadeira e profunda dignidade, em que a fé, a esperança, a caridade, o amor e a entreajuda fraterna desempenham um papel importante na solução dos problemas. A pessoa humana não se alimenta e satisfaz apenas com o bem estar material. Já o apóstolo Pedro dizia ao mendigo que estava à porta do templo a pedir esmola: ouro nem prata não tenho, mas o que tenho isso te dou: em nome do Senhor Jesus te ordeno: levanta-te e anda (Act 3, 6).

Muitos portugueses sofrem pelo desemprego, pela falta de recursos para fazer frente aos seus compromissos familiares, sociais e culturais. Mas a maior doença que nos bate à porta é a depressão por falsas esperanças e projetos não realizados. A ambição material, o individualismo e a falta de planeamento têm atirado com muitas pessoas e empresas para a bancarrota e a falência. Nisto precisamos todos de nos converter e reestruturar as nossas vidas e fortalecer os nossos laços familiares e sociais, tornando-nos mais próximos e atentos uns aos outros.



2. Testemunhas da fé e do amor ao próximo

No dia 2 de Fevereiro, a Igreja celebra a festa litúrgica da Apresentação do Senhor e associa a essa festa o dia da vida consagrada, ou seja, daqueles e daquelas que, por amor a Jesus Cristo e ao Seu Reino, que inclui toda a criação, se desprenderam dos bens materiais, do projeto de constituir família pelo casamento e de planear a vida a partir das suas próprias ideias e vontade e se consagraram a Deus ao serviço da Igreja, inserindo-se numa comunidade de irmãos e irmãs que abraçaram o mesmo ideal de vida. São as comunidades de vida consagrada ou religiosa, popularmente denominadas de frades e de freiras.

No decurso da história apareceram muitos movimentos de vida consagrada, mantendo-se uns e outros desapareceram. A Igreja e o mundo deve muito a estes movimentos e Portugal também. Muitos testemunhos de oração, de amor a Deus e ao próximo, de obras culturais e sociais tiveram aí a sua origem. Quando Portugal entrou na Nato, uma alta patente militar do Reino Unido veio ao nosso país inspecionar os nossos quarteis. No final exclamou: se em Portugal não tivesse havido monges e frades, também não haveria quarteis. Na realidade, muitos dos antigos conventos, com a exclaustração em 1834, passaram a edifícios públicos. Até então a vida cristã no Alentejo era assegurada sobretudo a partir dos conventos.

A construção da identidade cristã dos portugueses deve muito aos consagrados. Ainda hoje se fala com muito carinho dos missionários e das irmãs. Mas o seu grande testemunho e ajuda foi e é sobretudo de ordem espiritual. Quantas pessoas, depois de exporem as suas mágoas a um missionário ou irmã, partem para as suas vida com outra atitude!

É esta alma e este espírito que falta a muitos, de uma parte e de outra, para levantar o ânimo dos portugueses. Por isso já muitos reconheceram que as causas da presente crise não são apenas de ordem económica e financeira. E também não o será o remédio para a cura.

O Papa Bento XVI, na carta Porta da Fé (nº 13), com a qual convocou o Ano da Fé que estamos a viver, afirma: Pela fé, homens e mulheres consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma acção em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4, 18-19).

Imploremos do Senhor o dom de homens e mulheres que assim nos testemunhem a fé, vivida no desprendimento, na vida fraterna e no amor ao próximo. Obrigado, irmãs e consagrados que viveis nesta diocese de Beja, pelo vosso testemunho de fé e de vida apostólica.

† António Vitalino, Bispo de Beja

28JAN2013



Diálogo de surdos

1. Necessidade do diálogo e da comunicação


A pessoa humana é um ser em relação. O relacionamento exprime-se de muitos modos. O principal desses modos é a comunicação dialogante, que implica atenção, escuta, resposta, interrogação, etc. Ninguém nasce ensinado e todos aprendemos, uns mais que outros, se sabemos usar bem as nossas capacidades.
Estas evidências parecem muito esquecidas na nossa sociedade, a todos os níveis, também no eclesial e religioso, e por isso é bom repeti-las e aceitar, com humildade, a nossa ignorância prática. Poderia aduzir aqui muitos exemplos, mas deixo isso à consideração de cada um, pois encontraremos em nós próprios muitas deficiências práticas. No entanto há alguns que saltam à vista e nos dizem diretamente respeito, pois os implicados até foram eleitos por nós e são pagos com os nossos impostos. Ouçamos os nossos governantes, os nossos deputados, os políticos, os gestores e administradores, etc. Afinal estamos numa espiral de emprobrecimento ou num círculo vicioso? Temos perspetivas de sair da austeridade ou estamos cada vez mais pobres e dependentes de ajuda? A igualdade constitucional que significa? Porque é que num país pobre, que não produz o valor do que consome, é possível pagar as dívidas sem consumir menos e sem maior equidade nas remunerações? Porque é que uns se julgam mal remunerados com vencimentos vinte ou mais vezes superiores à grande maioria dos portugueses, que tem de sobreviver com o salário mínimo, sem ajudas de custo, ou com a reforma mínima e se afirma que não pode haver aumentos para ninguém? Porque é que uns recebem reformas depois de 8 anos, ou menos, de desempenho de uma função e outros só depois dos 65 anos?
Se passarmos do nível financeiro e económico para outras áreas, vamos descobrir que, afinal, nós mesmos contribuimos para aumentar o fosso das desigualdades, porque estamos pouco atentos uns aos outros e não nos interessamos em aprofundar os nossos conhecimentos e aperfeiçoar as nossas capacidades. Não é seguro que seja possível um desenvolvimento económico ilimitado, como alguns apregoam, pois os recursos da natureza não o são. Mas o progresso a nível do conhecimento e do espírito esse não tem limites. As sociedades mais desenvolvidas são as que apostaram na educação, na investigação e na disciplina. É nestas áreas que precisamos de investir e não fazer cortes.


2. Notícias de Beja há 85 anos a serviço do diálogo
Peço desculpa aos leitores por estar a desfiar uma ladainha sobre a falta de diálogo, sem apontar exemplos de boas práticas de comunicação.
Desde 1928 a diocese põe semanalmente nas mãos de muitos leitores o jornal Notícias de Beja, que forma e informa sobre a vida da diocese e da Igreja e procura manter o diálogo interno e com a sociedade. No campo dos meios de comunicação houve uma evolução vertiginosa e precisamos de avaliar quais os meios mais eficientes e económicos e fazer novas experiências de comunicação. Neste momento ainda não temos certezas sobre isso. Por isso estamos muito gratos a todos aqueles que, ao longo dos anos, com grande esforço e generosamente, têm mantido este órgão diocesano de comunicação.
Ao seu Diretor desde há mais de três décadas, Pe. Alberto e ao administrador, sr. Cardoso, que muitas vezes sentem a falta de eco dos mais diretos destinatários, o nosso obrigado. A melhor forma de mostrarmos a gratidão será de colaborarmos nos conteúdos, mantendo vivo o diálogo, e nos custos do jornal.
Estamos a realizar um sínodo, queremos ouvir os colaboradores e diocesanos, pôr toda a diocese em diálogo, implementar entre nós os hábitos de escuta, de oração e de reflexão sobre as questões da nossa fé. Mais que nunca, precisamos de meios de comunicação, para avivar a fé, animar a esperança e fortalecer a caridade, a fim de atingirmos a maturidade social e eclesial, tornando-nos fermento de uma nova sociedade.
Quando Paulo VI foi eleito papa, depois da morte do saudoso João XXIII, estava a decorrer o concílio Vaticano II, de que estamos a celebrar os 50 anos. Muitos temiam que as janelas de ar fresco abertas pelo concílio se fechassem. Mas, no seu primeiro documento, a encíclia Ecclesiam suam, ele abriu também as portas da Igreja e convocou-a para apurar a consciência da sua natureza e missão, impulsionar a conversão e renovação de si mesma e incrementar o diálogo interno e com o mundo a que se destina. Este dinamismo de conversão e atualização tem de continuar na vida da Igreja.

† António Vitalino, Bispo de Beja
15/JAN/2013


Bom ou mau ano?

1. Votos de bom e feliz ano novo
Há dias teve início um novo ano civil, uma sequência de 365 dias distribuídos por quatro estações, muito diferentes entre si, com grande influência nas atitudes e hábitos de vida. A despedida do ano velho e a entrada no novo foi celebrada com grande euforia e festejos dispendiosos, por causa da crise económica um pouco mais comedidos que em anos anteriores, por vezes até com gestos supersticiosos, pretendendo com isso afastar alguns males. Durante vinte e quatro horas, o tempo que demora a rotação do nosso planeta, os noticiários foram divulgando essas passagens nas várias latitudes. Tudo muito parecido: música, fogo de artifício, passas, espumantes, beijos e abraços e desejo de bom e feliz ano, a que alguns acrescentavam com saúde, paz, dinheiro, amor.

Pergunto-me, se tudo isso não passa de uma rotina e quais os valores e atitudes fundamentais, para que as pessoas e os povos possam viver os 365 dias com a mesma alegria, entusiasmo e harmonia do início do primeiro dia. O que depende de nós e em que estamos dependentes de outros?

Para que os votos formulados tenham algum sentido, precisamos de acreditar na bondade da natureza e das pessoas, desejar e esperar a realização do que se promete e amar aqueles a quem desejamos bom ano.

Estas atitudes são um dom e um compromisso. Na linguagem dos cristãos isto remete-nos para as chamadas virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, dons de Deus, fundamentais para se poder seguir Jesus Cristo no tecido complexo da vida humana, que nos põe muitos desafios, que fazem do nosso dia a dia uma aventura e uma peregrinação fascinante.

2. A fé, alavanca da esperança e do bem fazer


Na minha mensagem de Natal desejei a todos os diocesanos, leitores e ouvintes, um ano de 2013 rico em vivências de boa vizinhança e solidariedade e apelei à generosidade, indicando o fundo diocesano de emergência social como um meio de a exercermos. Este apelo brotou da confiança nos sentimentos de bondade dos nossos diocesanos, mas também da fé em Deus que se manifestou ao mundo, assumindo a nossa condição, para nos associar à sua pessoa, que nos torna capazes de Deus e das obras de Deus. Ele mesmo disse que, se tivéssemos fé como um grão de mostarda, poderíamos mover montanhas.

A Igreja está a viver um ano da fé, proclamado pelo Papa Bento XVI. Começou a 11 de Outubro, data da abertura do Concílio ecuménico Vaticano II, em 1962, e terminará a 24 de Novembro de 2013, na solenidade de Cristo Rei. Temos um ano para avivar a nossa fé, que, de certeza, vai fortalecer a nossa esperança e fomentar a nossa caridade, que se expressa de muitos modos, de acordo com as necessidades e o bem do nosso próximo.

A diocese de Beja, bispo, clero, colaboradores, serviços, instituições e paróquias, disponibilizam meios para formar a nossa fé, sintonizá-la com a pessoa de Jesus de Cristo e torná-la mais viva e eficiente nas pessoas e nos ambientes. Além disso, estamos a celebrar um sínodo, ou seja, envolvidos num percurso de aprofundamento da nossa comunhão com Deus e de uns com os outros e na corresponsabilidade pelo bem comum.

Assim deve ser a Igreja e para isso Jesus a pensou na pessoa dos apóstolos e dos discípulos, que enviou a todo o mundo, a anunciar a boa nova do seu Reino. Se, em vez de criticarmos os outros ou chorarmos as nossas mágoas e resignarmos perante as dificuldades e a crise, aprofundarmos a nossa fé e comunhão, caminharemos de cara levantada, sorriso e esperança estampados no rosto e disponibilidade para ajudar e consolar quem mais sofre.

Por isso, ao começarmos um novo ano, desafio os colaboradores da diocese e, muito especialmente, os membros do sínodo diocesano, para reanimar e esclarecer a fé recebida a partir de Jesus Cristo pelo testemunho dos Apóstolos, para alavancar a esperança dum povo e duma região esmorecida e deprimida. Unidos numa fé esclarecida, alimentados pela Palavra de Deus e pela oração comunitária e pessoal, daremos um forte contributo para o desenvolvimento e o progresso integral dos nossos companheiros de jornada no decurso dos 365 dias de oportunidades que nos são oferecidas, na certeza que nos vem da nossa fé, de que Deus está e caminha connosco.

† António Vitalino, Bispo de Beja
08/JAN/2013



Fascínio da criança e Natal de Jesus

1. O sofrimento das crianças comove
Quando, nestes dias, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos da América do Norte, falava das vítimas dos disparos tresloucados de um jovem de Newtown, a maioria crianças entre os 5 e os 6 anos, e lembrava casos semelhantes ocorridos na América, comoveu-se e teve de limpar algumas lágrimas que lhe corriam da vista. Dizia ele que nessa noite os pais dessas crianças não as poderiam abraçar e dizer-lhes que as amavam, como ele e sua esposa o fariam com seus filhos. E apelava para a oração.

Na verdade, o sofrimento e a morte de pessoas indefesas, sobretudo se vítimas da maldade e da violência de adultos, toca profundamente a nossa sensibilidade e muitos perguntam como isso é possível. Alguns até fazem disso motivo para pôr Deus em causa e bani-lo da sua mente.

Pensa-se, e bem, na ajuda psicológica dos sobreviventes e das famílias atingidas. Mas muitas vezes esquece-se a ajuda espiritual, proveniente da fé e da oração. Obama pediu oração. O pároco da única paróquia católica de Newtown acorreu ao local poucos minutos depois, para ajudar as famílias e as pessoas da escola onde se deu o massacre. E a diocese pediu aos padres da vizinhança para irem ajudar. A paróquia organizou momentos de oração durante toda a noite, mantendo a igreja aberta.

Na Europa laica ignora-se muitas vezes o poder e a ajuda da oração e da fé. Embora não devendo lembrar-nos de Deus apenas quando nos sentimos impotentes, a fé em Deus, a educação moral e religiosa e a família contribuem para evitar tragédias como esta. Como alguém dizia, retirando Deus dos nossos ambientes e desvalorizando a família, permitimos que o egoísmo, a frieza e a violência determinem as relações humanas e sociais.

Sem abertura à transcendência, na fé, sem a experiência de amar e ser amado desde a concepção e o nascimento, o que apenas pode acontecer em famílias estruturadas, reina o egoismo coletivo e o bem comum torna-se o parente pobre da vida social, laboral, económica e política. Por isso não nos admiremos com a situação presente. Mas não pactuemos com ela.

2. Natal mostra-nos o caminho
Sentindo os problemas e angústias do nosso tempo, pergunto-me o que fazer, para construirmos uma sociedade mais fraterna. Como cristãos, como celebrar e viver o Natal?

Em primeiro lugar, acolhendo a manifestação do amor sem limites de Deus para com a sua criatura, assumindo a nossa condição, em tudo igual a nós, excepto no pecado, confiando-se a nós e entregando-se por nós. Ainda que uma mãe esqueça o filho que trouxe nas suas entranhas e amamenta, diz Deus pelo profeta Isaias (49, 15), eu não me esquecerei de vós. Diante da criança de Belém ajoelharam-se os pastores e os sábios, reconhecendo nela a glória de Deus e o Salvador prometido. O mesmo se pede a cada um de nós, um coração simples, acolhedor, aberto, contemplativo e grato.

Em segundo lugar, alargando a nossa gratidão e amor a todos aqueles que fazem parte da nossa vida, das nossas relações desde que nascemos. A família de sangue é a primeira instância do nosso trajeto de vida. Daí a tradição tão própria do Natal, o encontro da família. Apesar da crise e da austeridade, todos tentaremos reunir-nos à volta da mesma mesa, indo ao encontro daqueles que ainda ou já não podem vir até nós, devido à idade ou doença. Oxalá também nos juntemos à volta da mesa na oração da comunidade de fé, a família espiritual, em que Deus se torna presente como amigo e salvador de todos!

Por último, saltando muitas etapas da nossa vivência de Natal, acolhendo também como membros da nossa família, porque também filhos de Deus, todos os que sofrem por falta de amor, de teto, de trabalho e de pão. Nesta relação de gratuidade para quem não nos pode retribuir, vivemos a profundidade do Natal, do amor gratuito e solidário de Deus para connosco.

Não nos esqueçamos de partilhar os nossos presentes e sobretudo o nosso tempo e presença junto daqueles que a sociedade esquece e marginaliza. Se gosta de ajudar e tem pouco tempo ou quer permanecer anónimo, saiba que a diocese de Beja tem um fundo de emergência social, gerido pela Caritas, com o NIB nº 001 000 001 988 939 001 445 e agradece a sua generosidade para poder ajudar quem mais precisa.

Com esta visão e estas  atitudes natalícias, cantemos também nós: Glória a Deus nos céus e paz na terra aos homens de boa vontade. A todos os diocesanos, leitores e ouvintes, o Bispo de Beja deseja Natal de amor e de paz e um ano de 2013 rico em vivências de boa vizinhança e solidariedade.

† António Vitalino, Bispo de Beja
17de Dezembro - 2012






Mudar de rumo

1. Atropelos da justiça e dos direitos humanos
Ouvem-se muitas vozes, faz-se muito ruido, quase sempre protestando, dizendo mal, atribuindo a terceiros a culpa de todos os males, seja a falência de muitas empresas, o desemprego, a falta de recursos, os cortes na saúde e na educação, a subida dos impostos, as portagens e muitas outras coisas que mexem com o bem estar das pessoas. Muito poucas vezes se ouve alguém confessar os próprios erros ou dizer em que pode contribuir para vencer algumas contrariedades. Então os políticos, quer sejam do governo quer da oposição, nunca admitem falhas.
Neste emaranhado de opiniões ouvi ultimamente uma honrosa excepção, a do engenheiro António Guterres, antigo primeiro ministro, que admitiu ter algumas culpas nas políticas desenvolvidas e que conduziram o país à presente crise. Mesmo estando todos a sofrer as consequências, também de outros governantes que lhe sucedaram no poder, quero deixar aqui o meu reconhecimento pela sua sinceridade e fazer votos para que outros lhe sigam o exemplo. Embora a política não seja uma ciência exacta, no entanto muito se aprende com os erros do passado. Assim, podemos preparar um futuro melhor para os nossos descendentes, arrepiando de alguns caminhos e descobrindo outros, mais justos e direitos, com lugar para todos, sem marginalizar ninguém.
Estes pensamentos afloraram à minha mente quando celebrava a fé cristã com a oração do segundo domingo do Advento, que me interpelou a estar mais atento às vozes dos profetas, a mudar de ideias e de rumo de muitas ambições pessoais, tornando-me insensível a quem ao meu lado passa fome e frio, por não ter casa, trabalho e estar longe da família, como aconteceu numa destas noites frias com um grupo de cidadãos romenos, a tiritar de fome e de frio, que tinham vindo para a apanha da azeitona, mas sem êxito.
Recordando a proclamação dos Direitos Humanos, a 10 de dezembro de 1948, a comunidade europeia recebeu este ano o prémio nobel da paz, a caritas portuguesa foi distinguida com o prémio dos direitos humanos pela Assembleia da República, mas resta-nos um longo caminho a percorrer. Continua a haver muitos atropelos aos direitos fundamentais da pessoa humana, mesmo na Europa considerada uma das partes do mundo mais desenvolvida. O sol ainda não brilha para todos. E, sem desenvolvimento justo, não se manterá a paz.

2. Voz que clama no deserto
Por isso, com João Batista, o precursor de Jesus, a Igreja tem de continuar a levantar a voz, dando voz a quem não a tem ou não é ouvido e por isso é atropelado na sua dignidade.
Do Batista se diz que era uma voz que clama no deserto, mas que nem por isso deixou de interpelar os seus contemporâneos para a conversão, a mudança de rumo e de comportamento, de dizer a verdade ao poderoso rei Herodes, de ameaçar os violentos, os injustos e hipócritas.
João era coerente com o que dizia. Vivia austeramente, porque confiava totalmente no poder do Messias que estava para começar a sua vida pública, anunciando a boa nova do Reino de justiça, de verdade, de libertação, de amor e de paz.
Este Reino precisa de se manifestar a todos. No Natal de Jesus apareceu entre nós e tem sido vivido e proclamado por milhões de seguidores através da história, os homens de boa vontade e da paz, que reconheceram e cantaram a glória de Deus.
A nós incumbe a missão de viver e passar este testemunho no nosso tempo, até que Deus seja tudo em todos e ninguém seja espezinhado nos seus direitos e na sua dignidade de filho de Deus e irmão nosso.
Esta partilha, que não se fica pelas coisas exteriores, mas atinge o centro da pessoa humana, dará início a um novo tempo e a uma nova humanidade. Mas, para que isso aconteça, precisamos de nos converter, pôr Deus, manifestado na criança de Belém como Jesus Salvador, no centro do nosso coração. Com esta atitude e um novo olhar veremos e acolheremos todos os indefesos e deixaremos reinar a criança que existe em cada um de nós.

† António Vitalino, Bispo de Beja

Sínodo diocesano de Beja



1. Busca da Verdade

A Verdade te libertará, é o lema escolhido para o nosso Sínodo diocesano de Beja, singularizando uma frase de Jesus (Jo 8, 32), dirigida aos judeus que começavam a acreditar na sua Palavra. Mas o que é a Verdade e como a podemos conhecer?, perguntou Pilatos a Jesus (Jo 18, 38), mas sem intenção de aderir a ela?



É próprio do ser humano o desejo profundo de conhecer a verdade do seu ser, descobrir o sentido da sua existência e de tudo o que o rodeia, assim como de sentir-se amado. Esta é uma inquietação que acompanha toda a história da humanidade. Muitas e variadas respostas têm sido dadas, no entanto continuamos a procurar. Jesus Cristo não hesitou em afirmar: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Quem me vê, vê o Pai (Jo 14, 5).



Apesar desta afirmação clara e convicta, os seus discípulos, depois de terem acompanhado Jesus durante três anos, terem visto os seus milagres e a sua vida toda entregue ao Pai e aos seus contemporâneos mais sofredores, muitos rejeitados pela sociedade instalada no poder político e religioso, apesar disso não compreenderam o Mestre, que veio para servir e dar a vida pela nossa salvação, e não para ser servido. Por isso Jesus lhes diz: o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse (Jo 14, 25).



Foi realmente o Espírito Santo que deu aos discípulos a sabedoria e a força para serem testemunhas de Jesus morto e ressuscitado (Act 2, 1 ss). E nós somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo, que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem (Act 5, 32). E quando surgem os problemas nas primeiras comunidades cristãs, compostas por convertidos provenientes do judaismo e do paganismo, os Apóstolos reunem-se em Jerusalém, fazem o discernimento da atitude a adotar, para que, apesar da diferença cultural, convivam em paz. Deus não fez qualquer acepção entre eles (os convertidos provenientes do paganismo) e nós, visto ter purificado os seus corações pela fé (Act 15, 9), diz Pedro aos participantes dessa primeira magna assembleia, o primeiro sínodo da vida da Igreja.



Também nós hoje, cristãos residentes no Alentejo, nos reunimos para discernir, com a luz e a força do Espírito Santo, porquê somos discípulos tão tímidos de Jesus, não compreendemos e não aderimos à Verdade que nos propõe e o testemunho da nossa fé não atrai os nossos contemporâneos. As causas da indiferença estarão apenas de um lado, da parte de fora dos muros das nossas igrejas e das nossas comunidades, ou também do lado de dentro?



A atitude de Pilatos está generalizada neste mundo global. Vivemos muito para nós mesmos e não a partir dos outros, da Verdade, que nos liberta. Estamos prisioneiros do nosso individualismo. Por isso precisamos de nos abrir ao Espirito Santo e com Ele ver a nossa vida e os nossos contemporâneos, para os olharmos com os olhos de Jeus e nos aproximamos deles com um coração compassivo e misericordioso como o do nosso Mestre, para que quem está de fora possa também hoje dizer: vede como eles se amam e quem está dentro exclame: ai de mim se não evangelizar (1 Co 9, 16).




2. Descobrir caminhos de esperança

Se amamos a Deus, que se manifestou ao mundo em Jesus Cristo, na sua vida e mensagem, e se, como Jesus Cristo, amamos os nossos irmãos, sobretudo os mais desprotegidos da sorte e dos poderes deste mundo, iremos ajudar os nossos contemporâneos e conterrâneos a descobrir a verdade do seu ser e o sentido da sua vida e estaremos a ser portadores da boa nova para a nossa sociedade deprimida.

A Palavra da Verdade está perto de cada um de nós, está na nossa boca e coração, para que a possamos pôr em prática, podemos também nós constatar com o livro do Deuteronómio (30, 14). Mas a Verdade tem muitas linguagens e modos de expressão. Decifrar essas linguagens, de acordo com a sensibilidade de cada pessoa e da cultura do nosso tempo é um dos compromissos deste Sínodo. A beleza expressa nas artes, na música, na liturgia, na literatura e sobretudo na Palavra revelada apontam-nos caminhos de missão e evangelização. Mas há uma linguagem universal e de todos os tempos, acessível a todos, mas infelizmente muito negligenciada: a do amor ao próximo, como foi vivido por Jesus Cristo.



Na segunda leitura proclamada na celebração da Missa votiva do Divino Espírito Santo, num trecho da carta de S. Paulo aos Filipenses, isso está muito bem expresso: tende entre vós os mesmos sentimentos e a mesma caridade, numa só alma e num só coração...



Se as nossas vidas, as nossas comunidades, as paróquias, os movimentos, serviços e atividades apostólicas tiverem por trás esta atitude fundamental, seremos compreendidos não apenas pelos que habitualmente falam a nossa linguagem, mas também pela maioria dos que vivem outras referências culturais e prestaremos um grande serviço ao nosso povo, ajudando-o a descobrir o sentido da vida humana e a dignidade da pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, para viver no e para o amor. O resto é uma questão de aprendizagem, para sabermos exprimir as razões da nossa fé. Aqui começa a catequese, a formação cristã, que não pode ser simples repetição das verdades da fé, mas leitura e meditação orante da Palavra de Deus e das grandes interpelações da humanidade.



O Sínodo diocesano pretende despertar-nos para a nossa vida e missão, não apenas a partir de dentro da Igreja. mas também a partir de fora, dos sinais dos tempos, das pessoas que buscam a verdade das suas vidas e as águas cristalinas que dessedentam os caminhantes pelos desertos do mundo. Neste Sínodo queremos escutar os clamores do nosso povo e, no acolhimento e diálogo, na reflexão e na oração, descobrir caminhos e rotas seguros para o nosso peregrinar através da história.



† António Vitalino, Bispo de Beja

03Dezembro2012


Sinais de esperança



1. Esperança activa

Não sei se ouço bem e as minhas fontes de informação serão as melhores e mais verdadeiras. Mas também não reajo apenas por ouvir dizer, mas também pelo que vejo, constato e sinto. Muitas empresas fecham, aumentando o número de desempregados, de todas as idades e níveis sociais. O orçamento do governo para 2013 foi aprovado na Assembleia da República, mas com votos contra de toda a oposição e mesmo de um deputado da maioria governamental e também com muitas manifestações adversas.




Adivinha-se um ano ainda com mais austeridade, sem termos a certeza do seu êxito. Haveria alternativas? Uns dizem que sim e outros que não. De qualquer modo dependemos da boa ou má vontade dos nossos credores. Porque nos endividamos tanto? Valeu a pena? Ou queimamos em consumos desnecessários o que agora nos falta para viver com dignidade? Porque só agora acordamos de uma vida social e política sem controlo nem preocupações? Haverá culpados e porque não assumem a responsabilidade do rumo errado em que puseram o nosso povo e o nosso país?



Estas e muitas outras perguntas poderiamos fazer, mas não sei se nos ajudarão a resolver os problemas, pois há milénios que a humanidade tem trilhado caminhos errados, sabendo que são becos sem saída. De vez em quando repetimos os mesmos erros. Por isso, como pessoa que acredita em Deus e tem a missão de testemunhar essa fé, com S. Paulo, também eu exclamo: Se Deus, que nos manifestou tão grande amor no dom de Jesus Cristo, é por nós, não precisamos de viver na angústia, embora também soframos as consequências dos erros e do pecado da humanidade (cf Rm 8, 31 ss).



Não estamos perdidos no emaranhado deste mundo e no egoísmo da nossa sociedade. Há muitos sinais de esperança à nossa volta. Muita gente está disposta a partilhar tempo, saber, haveres e até a vida. O voluntariado e a solidariedade estão na ordem do dia, manifestados em muitas ações e instituições, que não enuncio aqui, para não deixar ninguém de fora.



É este novo espírito e confiança na abertura a Deus e a todos os nossos irmãos, também eles, como nós, filhos do mesmo Deus e chamados a participar na sua vida, que me anima a mim e a muitos comigo. A figura deste mundo egoista e consumista há-de passar. Comecemos nós a amar os pobres, os que sofrem, a ser simples e austeros, pois a mudança começa por nós mesmos. Sejamos nós sinais dessa vida diferente, irmanada na vida de Jesus Cristo, cujo nascimento entre nós, pobre apesar de tudo poder, para servir e não para ser servido, é um grande anúncio do aparecimento de uma nova humanidade.



Esta esperança ativa, porque anunciada, rezada e vivida, que os crentes, os cristãos devem viver e testemunhar, será um grande desafio do novo tempo e ano que vai começar, o ano litúrgico da Igreja, no primeiro domingo do Advento, já no próximo domingo.



2. O Sínodo diocesano renova a nossa esperança e testemunho



Também esta semana, no dia 1 de Dezembro, vamos iniciar o nosso sínodo diocesano, isto é, uma assembleia de representantes da Igreja católica no Baixo Alentejo, área da diocese de Beja, para reavivarmos as raizes da nossa fé, descobrindo os melhores meios para que cresça a árvore da fé no meio deste povo, dê frutos para a sua vida e sombra, ajuda e estímulo para a construção de uma sociedade mais fraterna, irradiante de uma nova esperança.



Para que esta assembleia de representantes diocesanos seja sensível à situação do nosso povo, assuma os sentimentos de Jesus Cristo, que se compadecia das multidões esfomeadas do pão material e do pão do espírito e encontre caminhos de esperança para a sua vida, peço a oração e a colaboração interativa de todos. Comunidades alegres, orantes, repletas de esperança, conhecedoras dos fundamentos da sua fé, espelhada na vida e mensagem de Jesus Cristo, fraternas e solidárias, podem prestar um grande serviço a este povo, para que ultrapasse a depressão do presente e tenha vida em abundância.



Nestas palavras redundantes deixo expresso o meu desejo daquilo que espero do tempo do Advento e do Sínodo diocesano, que agora começamos. Confio este desejo à intercessão de Maria, a Senhora da Boa Esperança, a Estrela do Mar, e a S. José, padroeiro da nossa diocese de Beja. Como eles, não tenhamos medo, pois a Deus nada é impossível.



† António Vitalino, Bispo de Beja,

27 de Novembro de 2012
[Fotos retiradas da net]




Testemunhas da fé e da esperança

1. Crise e fé

Num destes dias alguém me perguntava se a presente crise tem trazido mais gente para a igreja. Na realidade muita gente procura as instituições da igreja na busca de soluções para os seus problemas, sendo os de ordem económica e financeira os mais imediatos. Isto fez-me lembrar a sentença popular de que só nos lembramos de S. Jerónimo e Santa Bárbara quando troveja.
Mas hoje batem à nossa porta pessoas sem a mínima abertura para os poderes divinos. No entanto, não podemos fazer acepção de pessoas e temos de escutar e ajudar a todos, segundo as nossas possibilidades, sem descurar o testemunho da fé e da esperança, que deve animar toda a ação da igreja, mesmo a social.
As pessoas que batem à nossa parte precisam de quem as escute e lhes incuta confiança, mesmo nas suas próprias possibilidades. Isto faz-me lembrar a resposta dos apóstolos Pedro e João ao coxo de nascença que pedia esmola à porta do templo. Pedro disse-lhe: ouro nem prata não tenho, mas o que tenho, isto te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda (Act 3, 1 ss).
Muitos dos que nos procuram precisam de ser curados interiormente, para poderem confiar e caminhar, de modo a encontrarem soluções para os seus problemas. A tentação da resposta unicamente assistencialista não resolve os problemas de fundo da nossa sociedade deprimida, embora também possa ser necessária, mas não exclusivamente. Neste tempo de crise e de depressão, não podemos esquecer a nossa missão fundamental. Não podemos esperar todas as respostas para os nossos problemas nem do Estado nem da Igreja. Muitas coisas dependem de nós mesmos e da sociedade civil, a começar pela família. Sem amor, sem autoestima, sem esperança, sem solidariedade e partilha, não ultrapassaremos a crise.
Precisamos todos de mudança de uma sociedade egoista para cidadãos altruistas, que põem o bem comum e dos que nos estão mais próximos acima do bem estar individual. Os pobres também podem contribuir para a mudança. Lembremos as viúvas das leituras bíblicas do último domingo. Elas partilharam e deram tudo o que tinham. Deram-se e assim ajudaram o próximo e louvaram a Deus, pondo-O acima de todos os seus bens, embora exíguos.

2. Aprendizagem e exercício da fé e da caridade



De 11 a 18 de novembro a igreja celebra a semana dos seminários, onde se preparam os futuros ministros da igreja. As comunidades cristãs clamam por bons pastores, mas é preciso que olhe para os lugares onde surgem e se formam e também se interesse pelo modo como são formados.
Parece-me que há um grande desconhecimento de parte a parte e as causas estão dos dois lados. Os seminários e as escolas teológicas devem dar a conhecer os seus planos e programas e os párocos e comunidades, a começar pelas famílias cristãs, devem também apoiar quem manifesta sinais de vocação para os ministérios ordenados.
Deixo aqui algumas inquietações para o nosso exame de consciência e revisão dos nossos métodos pedagógicos e pastorais. A formação dos nossos pastores não pode ser apenas de ordem intelectual. É preciso formar as vontades e o coração para se apaixonar por Cristo e capacitar para a misericórdia pelas multidões desanimadas e sem rumo. Não basta criar estruturas e planos pastorais, se não houver atenção às inquietações das pessoas, um bom acolhimento para as escutar e, com elas, procurar as soluções e terapias adequadas.
Anunciar o evangelho, celebrar a fé, rezar, é importante. Mas a fé sem obras é morta ou morre a pouco e pouco. Por isso temos de a testemunhar, mais pelo exemplo que por palavras. A caridade, que se exprime de muitos modos, de acordo com as necessidades profundas das pessoas, é a perfeição da vida cristã. Estaremos a formar os nossos futuros pastores neste sentido?
O Sínodo diocesano que estamos a viver deverá ajudar-nos a repensar a nossa pastoral vocacional e a vida cristã das nossas comunidades.
A Igreja está a viver um Ano da Fé. Não basta professá-la no Credo. Temos de a testemunhar na missão, no acolhimento, na formação, na celebração, no perdão e reconciliação entre os membros da família, os movimentos e serviços paroquiais e diocesanos, para que o mundo acredite em Jesus Cristo, caminho, verdade e vida para todos nós. Através dos sinais de entre-ajuda fraterna, por mais pequenos que sejam, mas realizados com amor, os desiludidos desta sociedade descobrirão um novo rumo de vida.

† António Vitalino, Bispo de Beja
12NOV2012

Sonhos e Utopias


1. O País que queremos ser

Fonte . D'Aqui
No dia 3 de Novembro participei, em nome da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, num colóquio organizado pela Comissão Nacional Justiça e Paz que tinha por título: “O País que queremos ser.” Na breve saudação que proferi afirmei que esse desejo tem muitas condicionantes, pois sabemos que também podemos dizer: o País que podemos ser ou que nos permitem ser. Mas, sem cair na inevitabilidade do destino, acrescentei que não podemos vender a liberdade, a nossa dignidade, por um prato de lentilhas, como fez Esaú, ou suspirar pelas cebolas do Egito no momento em que o caminho da libertação da escravidão nos exige austeridade e sacrifícios, pois o dom da liberdade não tem preço, e valemos mais que todo o bem-estar material.

Ouvi lições magníficas e elogios à doutrina social da Igreja, sobretudo a partir da encíclica Pacem in Terris, do Papa João XXIII, de 1963, e dum documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz, este de 2011, com propostas para uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspectiva de uma autoridade pública de competência universal, que regule os poderes egoístas, sejam eles de países, económicos ou financeiros.

Muitos dos participantes defenderam uma maior intervenção da sociedade civil, embora com meios pacíficos, pois vivemos num país com democracia representativa. No entanto, não podemos limitar-nos a manifestar as nossas opiniões apenas através dos representantes eleitos ou aguardar a altura de eleições. As manifestações populares de desagrado mostram ao país e ao mundo que as pessoas são mais importantes que os cifrões. É preciso reequacionar as prioridades políticas e económicas e encontrar caminhos de maior justiça social. Mas isto não pode ser feito apenas a partir de um país, pois vivemos num mundo global e interdependente. Daí a exigência da tal autoridade mundial, com poder para regulamentar os mercados e as políticas económicas.

2. Sonhar a vida


O sonho comanda a vida, disse um dos nossos poetas. Numa altura em que o governo de Portugal propõe um orçamento para o ano de 2013 e as empresas também o fazem para o âmbito da sua acção, fico com a sensação que há em tudo isso a frieza e exactidão dos números, mas também uma grande dose de sonho ou pelo menos de desejo e esperança que nada de imprevisível aconteça. Todos sabemos que o ser humano não domina todas as forças da natureza e muito menos o que depende da liberdade das pessoas, que podem recusar agir de acordo com os planos dos governantes e dos empresários. Por isso os bons governantes e dirigentes empresariais têm de estar preparados para lidar com estes factores imprevisíveis e saber convencer os seus colaboradores sobre a bondade das suas medidas para todos os implicados no processo.

Ao ver o que se passa à nossa volta, parece-me que nada disto está a acontecer. A ser verdade esta constatação, então prevejo dias difíceis para a nossa vida e para a coesão social e das empresas. Apenas peço a Deus que nenhuma tragédia ou catástrofe natural nos atinja, como foi o tufão nos Estados Unidos da América do Norte, que em poucas horas destruiu o bem-estar de milhões de pessoas.

Apesar de tudo, temos de sonhar a vida pelo lado positivo e até mesmo cultivar algumas utopias, para que se fortaleça a nossa autoestima e a nossa esperança. Num mês em que lembramos os nossos falecidos e sentimos as feridas de algumas separações inesperadas de entes queridos, os cristãos são desafiados a unir-se a eles numa oração mais intensa, na certeza de que nada acontece por acaso e que no coração de Deus tudo tem sentido e as nossas energias vitais são renovadas na comunhão que se estabelece com a fonte da vida. Estou convencido que nos falta a força da fé, reanimada pela oração. Por isso Jesus nos diz que a fé transporta montanhas e tudo o que pedirem com fé e persistência ao Pai, Ele no-lo concederá. Daí que Ele nos diga: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.» (Mt 11, 28-30)

Também sonho para a diocese de Beja uma Igreja mais simples, fraterna, unida e corresponsável. Por isso convocámos um Sínodo e pedimos a todos os diocesanos para implorarem de Deus a realização deste sonho.

+ António Vitalino, Bispo de Beja

06/NOV/2012



Refundação, Reevangelização e Revitalização



1. Refundação, reorganização ou conversão?

De vez em quando os políticos e a comunicação social lançam para a praça pública palavras e expressões para alimentar polémicas e distrair-nos dos reais problemas da nossa sociedade. Esta semana andou na baila a palavra refundação. Afinal, de que precisa o nosso país? De uma refundação ou de uma organização mais transparente, participada e responsável? Queremos mais Estado ou mais iniciativa particular, mais impostos para alimentar um Estado absorvente e omnipresente ou menos carga fiscal com cidadãos mais intervenientes e corresponsáveis pelo bem comum?



Estou convencido que sem conversão pessoal e identificação com valores morais que fomentem mais humanidade, mais verdade, mais respeito e amor uns pelos outros, mais igualdade e empenho pelo bem dos concidadãos, sobretudo os mais frágeis, não acertaremos o caminho para a construção dum país fraterno, com mais igualdade e livre de estruturas pesadas e escravizantes.



A separação clássica dos três poderes, legislativo, judicial e executivo não está a funcionar bem entre nós, porque as pessoas passam de um para o outro e perdem a sua autonomia e liberdade. As democracias baseiam-se na autonomia destes três poderes. Mas hoje surgiram outros poderes, que se infiltram e os enfraquecem, como é o caso dos meios de comunicação, que alguns denominam de quarto poder. Mas ainda mais forte é hoje o poder financeiro, muitas vezes anónimo, sem atenção pela dignidade das pessoas e corrosivo dos valores morais.



Muita gente deixou de acreditar e confiar nos políticos, porque, uma vez no poder, fazem leis para se protegerem e deixam-se dominar por lobbies poderosos, que lhes prometem segurança, uma vez deixada a vida política. O povo só voltará a confiar nos políticos e na justiça quando os seus procedimentos se tornarem mais transparentes e renunciarem a algumas benesses, que se foram acumulando ao longo dos anos e que contribuiram para aumentar o fosso das desigualdades. Há muitos interesses instalados.




Já Jesus dizia que não podemos servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro, à verdade e à mentira, ao poder e ao serviço, à solidariedade e à corrupção. Precisamos de uma profunda conversão Àquele que se autodenominou caminho, verdade e vida. Os seus discípulos também tiveram dificuldade em entender a linguagem do serviço e da entrega voluntária da vida do Mestre. Os apóstolos Tiago e João, com a cunha da sua mãe, pediram a Jesus um lugar importante no seu reino. Para isso até estariam dispostos a suportar alguns sacrifícios. Jesus explicou, com muita paciência, o caminho que decidiu seguir e desafiou os apóstolos a acompanhá-lo. Quando virmos os mestres a dar o exemplo daquilo que apregoam, então segui-los-emos com confiança.



2. Reevangelização e revitalização

Encerrou em Roma o Sínodo dos bispos para a nova evangelização e a transmissão da fé cristã. Ao mundo materialista e secularizado é preciso anunciar a boa nova de Jesus Cristo, sem medo e sem falsos compromissos.

Na homilia da Missa de encerramento do Sínodo, o Papa Bento XVI, parafraseando o evangelho deste domingo, sobre a cura do cego de Jericó, lembrou que, sem anúncio do Evangelho e sem o desejo de ser curado da cegueira, não conseguiremos ver o caminho da vida.

Muitos ufanam-se de serem agnósticos, olhando com sobranceria para quem tem fé, acredita em Jesus Cristo e na boa nova que anuncia e testemunha. Se procurarmos a verdade e o sentido da vida, cruzar-nos-emos com a pessoa de Jesus e sentiremos a alegria da verdade que nos liberta e abre novos horizontes. Então também iremos seguir Jesus, para onde ele for, sem medo. A falta de confiança e de alegria dos cristãos de rotina, cansados, frios, fechados em si mesmos, são um contratestemunho. Por isso precisam de ser reevangelizados, até se encontrarem com a fonte, donde jorra água viva e pura. Assim aconteceu com a Samaritana, que depois de se encontrar com Jesus, junto ao poço de Jacob, correu a anunciar a alegria desse encontro libertador.

Aqui está um exemplo da transformação operada no encontro com Jesus, o Evangelho de Deus, para que tenhamos vida em abundância. Precisamos de ser reevangelizados, para termos vida autêntica. Revitalizados, seremos testemunhas, chamadas a fazer brilhar a Palavra da verdade, como escreveu o Papa na Carta apostólica Porta da Fé, com a qual anunciou o Ano da Fé, que estamos a celebrar desde 11 de Outubro, expressão que usou também como título da mensagem do Dia Mundial das Missões, que acabamos de celebrar.

Precisamos, pois, de ser sempre de novo evangelizados, para entrarmos num processo contínuo de conversão, que renova a nossa vida e contagia os companheiros dos nossos caminhos. Criados para a relação, só seremos pessoas e cristãos realizados na missão. Foi este também o testemunho de muitos representantes de grupos de jovens, espalhados pelo território extenso da diocese e que se reuniram no dia 28 de Outubro, em Almodôvar, para aí celebrarmos o Dia Diocesano Missionário. Afinal, muitos jovens já descobriram a beleza de ser cristãos e missionários, confessando que sempre receberam mais do que deram nas suas experiências missionárias. Uma vez mais confirmei a certeza de que não se pode ser cristão, e sentir a alegria de o ser, sem o compromisso missionário.



† António Vitalino, Bispo de Beja

29OUT



Caminhar na esperança



1. Caminhar para onde?

Desde que aprendemos a andar estamos a caminho. Mas não sei se todos sabemos para onde caminhamos e se estamos a dar os passos certos nesse sentido ou se cada um caminha para seu lado.



Vivemos num mundo de indivíduos muito voltados para si mesmos. Para aprender a andar fomos atraídos, ou por alguma coisa que nos fascinou ou por uns braços que se estendiam para nós e nos desafiavam com estas palavras ou outras semelhantes: anda, anda..., com um olhar atento e fixo em nós, para nos lançar as mãos, caso começássemos a vacilar.



E hoje, quem nos desafia e quem nos ampara, se caminhamos sós? Nestes últimos dias tivemos alguns sinais da vontade de mudança, quer a partir de Roma, com a abertura do Ano da Fé e com o Sínodo dos Bispos a tratar do tema da nova evangelização para a transmissão da fé cristã, quer a partir de Fátima, onde se concentraram milhares de pessoas, peregrinas, para agradecer a Nossa Senhora as aparições aos três pastorinhos nesse local, há 95 anos e também para implorar a sua protecção para o nosso caminho na família, na sociedade, no trabalho e na Igreja.



Em Roma, o Papa Bento XVI lembrava-nos que, num ambiente de desertificação espiritual, a humanidade precisa de testemunhas da fé, que caminhem na esperança de encontrar um oásis de vida, como acontece com os peregrinos dos santuários, outrora e hoje. Só caminhando juntos, sem fardos pesados, com ânimo e alegria, ajudaremos os companheiros de viagem a sair do deserto e a chegar à meta. O Ano da Fé, agora começado, pretende reanimar a energia e o testemunho dos cristãos neste peregrinar pelo mundo.



Também em Fátima, nos dias 12 e 13 de Outubro, milhares de peregrinos mostraram ao mundo que não perderam a esperança e confiam na proteção de Maria. Fátima é hoje um grande destino de peregrinações de todo o mundo e um sinal de esperança.



É destes testemunhos que o mundo precisa, para sair da frustração e do desespero pessimista. Em companhia de pessoas de fé e esperança, o caminho não parece tão longo, sobretudo se os caminhantes são amigos e solidários. Este Ano da Fé quer alertar-nos precisamente para o testemunho e a transmissão da fé, pois só assim ela aumenta e se fortalece. A fé significa confiança e relação com Deus e com os nossos semelhantes, nos quais descobrimos companheiros e amigos nos caminhos da vida.



2. Como queremos caminhar?


Nos parágrafos anteriores já afirmei que precisamos de caminhar juntos, como fazem os peregrinos. As peregrinações atravessam a história do cristianismo, mas também de outras religiões. Basta lembrar os peregrinos da Terra Santa, depois os peregrinos de Santiago, de Roma e de tantos santuários espalhados pelo mundo. Há rotas e caminhos muito populares, que hoje voltaram a estar na moda. Nem sempre as motivações dos peregrinos são iguais, mas quando chegam à meta todos experimentam uma grande alegria e libertação e por isso sentem vontade de repetir a pereginação.



Hoje vê-se muitas pessoas a fazer caminhadas, sobretudo aos fins de tarde. Mas muitos caminham sozinhos, sem companhia, apenas por motivos higiénicos. Ao contrário, os peregrinos caminham juntos, ajudam-se, reflectem, rezam, pensam na meta. A quem caminha só falta este estímulo. Fixa-se nas agruras e dificuldades do caminho, nas distâncias, nos seus problemas, nas suas doenças. Por isso, muitos não aguentam e desistem antes de chegar ao destino.



Nesta parábola do peregrino vejo o melhor modo de viver este ano da fé e de realizarmos o Sínodo da diocese de Beja. Enraizar a nossa fé e esperança na comunhão da Igreja, vencendo o nosso individualismo egoísta, atentos e solidários uns aos outros, cada vez mais próximos com os nossos vizinhos de residência e de trabalho, alimentando sempre as nossas vidas com a escuta e a meditação da Palavra de Deus e da Igreja, partilhando-a e testemunhando-a, para que ninguém se perca no caminho e nos desertos do mundo.



Só uma fé sólida, missionária, nos restituirá a esperança e a alegria de sermos cristãos, de viver e caminhar uns com os outros. Foi esta convicção que me me levou a convocar um Sínodo diocesano, para que os nossos cristãos sejam mais solidários, mais missionários, na alegria da fé cristã e assim contribuam para ajudar o nosso povo a vencer a depressão e o desânimo.

† António Vitalino, Bispo de Beja

15 de Outubro de 2012



Porta da Fé e Sínodos



1. Porta da fé

Começou no dia 7 de Outubro, em Roma, um Sínodo (assembleia) de representantes dos bispos de todo o mundo, para repensar a nova evangelização para a transmissão da fé cristã. De Portugal está D. Manuel Clemente, bispo do Porto e D. António Couto, bispo de Lamego. Vivemos num mundo global em profunda mutação cultural e estão também a mudar os cenários da vida social, económica, cultural, política, religiosa e da comunicação, melhor dito, da relação entre as pessoas e os povos.




Perante estes fenómenos e a constante mobilidade, é difícil manter fidelidades e equilíbrios na identidade das pessoas, em todas as suas dimensões. Os regimes fechados e as ideologias e os credos fundamentalistas têm dificuldade em afirmar-se no mundo global de hoje, mesmo usando a violência. E ainda bem. Mas a indiferença, a falta de convicções profundas, o individualismo e relativismo também são um perigo para a convivência pacífica e o futuro da humanidade. Por isso, os cristãos não podem fechar-se dentro dos muros dos templos. Com a sua identidade cristã e convicção são chamados a ser testemunhas, luz, fermento numa cultura do relativo, do vazio e do descartável. Há valores que interpelam a humanidade, para poder subsistir, como a dignidade da pessoa e da vida humana, a verdade, a coerência, a fraternidade, o amor. Tudo isto exige uma fé esclarecida e operante.




Então deixo aqui a pergunta: o que é a fé, como se adquire, alimenta e fortalece? O Papa Bento XVI, no início da carta apostólica com a qual convocou o Ano da Fé, que se estende de 11 de Outubro de 2012, data em que se completam 50 anos sobre a abertura do concílio Vaticano II, até 24 de Novembro de 2013, diz o seguinte: A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem início no Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos dirigir-nos a Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem através da morte para a vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo, quis fazer participantes da sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf. Jo 17, 22).



Aqui temos um começo delineado, um caminho traçado, um crescimento possível e uma meta apontada. Por isso entremos pela Porta, que é a pessoa de Cristo e a sua Palavra, e conservemos os olhos e o coração fixos nele, que é caminho, verdade e vida. Quem n’Ele crer, terá a verdadeira vida e ajudará outros a viver. Como lia num folheto da liturgia na paróquia de Saboia, no passado sábado: fé que não se apega, apaga-se.Por isso ai de nós se não testemunharmos a nossa fé e se não evangelizarmos, como diz S. Paulo na sua paixão e ardor por Cristo e os irmãos.



Quem recebeu o dom da fé, tem de o partilhar. A fé não se coaduna com o egoísmo e o isolamento. Escancaremos  pois as portas da nossa inteligência e do nosso coração, abramo-las a Cristo e aos irmãos, para evangelizarmos com verdade e amor a nossa cultura e os nossos contemporâneos. Este Ano da Fé pode servir para nos despertar do sono e lançar-nos nos meios em que vivemos, idênticos a nós mesmos como cristãos e coerentes com o que somos.



2. Oportunidade dos sínodos

Para afirmarmos a nossa identidade, fidelidade e coerência na cultura presente, precisamos de nos ajudar mutuamente e unir na reflexão, na oração e na missão. Os sínodos, reunindo representantes do Povo de Deus, para escutar, reflectir, celebrar e anunciar o que Deus nos pede hoje, são assembleias importantes na vida da Igreja, quer a nível universal quer diocesano. Por isso vamos seguir com atenção o Sínodo dos bispos reunidos em Roma, desde o dia 7 até 28 de Outubro.

Mas também vamos envolver-nos corresponsavelmente no sínodo diocesano de Beja, que foi anunciado e convocado no dia 29 de Setembro e vai ter a sua primeira assembleia a 1 de Dezembro.



Em breve, serão publicados os nomes dos nossos representantes, clero, consagrados e leigos. Será também nomeada a comissão sinodal e o secretariado, com 5 membros cada, para que proponham os temas, os métodos e criem os grupos de trabalho necessários para tratar dos diferentes assuntos. Entretanto será divulgada uma pagela com a oração pelo sínodo, assim como um hino, composto pelo padre António Cartageno.



Estejamos pois despertos, para colaborar neste projecto sinodal, para que sintamos alegria em ser cristãos e membros desta Igreja católica e diocesana e assim prestemos um serviço a uma sociedade fragmentada e sem esperança.



† António Vitalino, Bispo de Beja

8 de Outubro de 2012



Fé, amor e missão

1. Outubro, mês missionário
Começamos o mês de Outubro com a festa litúrgica de Santa Teresa do Menino Jesus, Teresinha de Lisieux como é conhecida, que, apesar de ter vivido a sua breve vida depois dos dezasseis anos até aos vinte e quatro na clausura do Carmelo de Lisieux, foi proclamada padroeira das missões. Isto espanta-nos e suscita questões. Afinal o que significa ser missionário? Não é ser enviado e partir de um país ou terra para outra, para cumprir a missão de anunciar o Evangelho? Mas que missão é essa e como pode alguém fechado numa clausura ser missionário?

Aqui reside a riqueza e o segredo da missão da Igreja e dos cristãos. Não se trata de ser enviado para fazer coisas, mas de ir ao encontro de outros, levando a riqueza de um coração que ama os seus semelhantes porque descobriu no coração de Deus um grande amor por todos eles, mas que ainda não o sabem, ainda não despertaram para a sua dignidade de filhos amados de Deus.

Foi esta a experiência feita por Teresinha na clausura do mosteiro. Sentindo uma grande paixão por Deus e por todas as suas criaturas, falando com os missionários que partiam para a Indochina, que lhe pediam oração, ela descobriu que só a partir do coração se pode fazer bem. Por isso ela percebeu o seu modo de ser missionária: o caminho do amor, o coração da Igreja. A partir desse centro estão todos aqueles que partem em missão para terras distantes, para que aí encaminhem as pessoas para o coração de Deus, através da fé e do conhecimento do Senhor Jesus ressuscitado.

Neste sentido, a Igreja e todos os cristãos têm de ser missionários, embora de modos diferentes. Ardendo de amor e zelo por Jesus Cristo, entrar nos raios de amor que brotam do seu coração para a salvação de todos os filhos de Deus. Assim lanço o apelo a todos os diocesanos, para que sejam missionários. Não ocultem a luz da fé recebida. Façam-na brilhar cada vez mais, sem medo nem respeitos humanos, para que os homens, que ainda não acreditam, vendo as nossas boas obras, a nossa oração e o nosso amor, glorifiquem a Deus e também irradiem a luz recebida, para que ninguém fique às escuras, envolvido nas trevas do mundo, que não deixam ver o caminho e o sentido da vida.

2. Ano da Fé
O Sínodo que anunciamos neste dia diocesano, pretende envolver todos os diocesanos, clero, consagrados e leigos, no testemunho da fé recebida, professada, celebrada e anunciada. A fé na pessoa de Jesus Cristo, conforme é testemunhado pela Igreja, através da Palavra de Deus, dos sinais sacramentais, da oração e com obras de amor ao próximo, transformará as nossas vidas e a dos nossos contemporâneos. A fé transporta montanhas, dizia Jesus. Sem fé, apenas apoiados em nós mesmos, sucumbiremos.

Reavivando a nossa fé e o testemunho da nossa esperança será o melhor modo de celebrarmos o Sínodo e o Ano da Fé, convocado pelo Santo Padre Bento XVI, que vai ser aberto solenemente em Roma, no dia 11 de Outubro, data em que se completam 50 anos sobre o início do Concílio Vaticano II, e perdurará até 24 de Novembro de 2013, solenidade de Cristo Rei

Na nossa diocese abrimos este ano da Fé no dia 29 de Setembro, na celebração do Dia Diocesano, em que participaram mais de 400 diocesanos. Nesse mesmo dia anunciamos a convocatória do Sínodo Diocesano, que nos próximos anos nos vai envolver, de muitos modos, na corresponsabilização mútua pelo bem espiritual de todos os diocesanos de Beja, para que vejamos e sintamos a Igreja como nossa e mãe querida. A finalidade do Sínodo é precisamente revigorar a nossa fé e fortalecer a nossa identidade cristã. Se isto acontecer, estaremos a aplicar as grandes intuições do Concílio Vaticano II. Esta será a melhor maneira de comemorar os 50 anos do maior acontecimento da Igreja católica no século XX.

Confio este Sínodo à intercessão de Nossa Senhora, Mãe da Igreja, a S. José, padroeiro da diocese de Beja e a S. Sisenando, padroeiro da cidade de Beja. Mas confio também em todos os diocesanos e na sua oração e tenho a certeza que irão corresponder ao apelo. Obrigado.

† António Vitalino, Bispo de Beja
01.Outubro.2012




Esperança do amanhecer

1. Juventude e esperança

Acaba de ser lançado o hino oficial das jornadas mundiais da juventude, que terão lugar em Julho de 2013, no Rio do Janeiro, com o seguinte título: esperança do amanhecer. O refrão do hino canta: Cristo nos convida, venham, meus amigos; Cristo nos envia, sejam missionários.

Em contraste com este desafio parece-me estar a juventude da Europa, mais concretamente, a de Portugal. Uma vez mais o pudemos constatar na semana passada, se tivermos em conta apenas os meios de comunicação de massa. Grande percentagem de desempregados, muitos com cursos superiores a viver dependentes economicamente da família, filhos únicos, poucos nascimentos e casamentos, milhares a emigrar e grandes manifestações de indignação e descontentamento.

Neste cenário estamos a começar um novo ano escolar, pastoral e de governo. As manifestações do último fim de semana perante o anúncio de mais austeridade e de recessão económica, sem justificações plausíveis do fracasso de medidas anteriores e do seu êxito no futuro, invadem o coração dos jovens e não deixam transparecer a esperança do amanhecer, como canta o hino.

Se a nossa esperança se baseia apenas no económico e não descobrimos razões mais profundas, que nos fazem descobrir outros motivos de crer, esperar e viver, então também eu, como bispo e cidadão, diria que não espero um amanhecer de esperança para os nossos jovens e para o mundo.

Mas com o refrão do hino também eu canto. Ouçamos o convite de Cristo, sejamos amigos e solidários, olhemos mais uns para os outros, sobretudo para os mais pobres do nosso meio e doutros continentes, deixemo-nos enviar e sejamos missionários. Só quem vê assim a vida e o mundo encontra razões de esperança de um novo amanhecer, contribuindo para o seu surgimento com novos comportamentos e atitudes.

Falava estes dias com um missionário de África, que manifestava espanto com os cristãos europeus. Se fossem mais sóbrios, mais solidários e amigos, mais missionários, teriam mais alegria e esperança nos seus rostos e lutariam sobretudo pelos valores que a traça não corroi, sem por os outros de parte, mas na devida proporção.

2. Agradecimento aos missionários que chegam e aos que partem

Também a diocese de Beja se prepara para dar início a um novo ano pastoral. Na próxima semana, dias 24 e 25, temos as primeiras reuniões do clero de Beja e no dia 29 a celebração do dia diocesano com o anúncio e convocatória de um sínodo diocesano. Desde há meses uma comissão preparatória tem estado a estudar o regulamento, a metodologia, os temas previsíveis, o logotipo, o lema e o calendário. No dia 17 reuniu este grupo de sete pessoas pela última vez, a quem o bispo e a diocese estão gratos pelo trabalho desenvolvido.

Esta semana chegou, vindo da Colômbia, o padre missionário Xaveriano, Pe. Carlos Sepúlveda Escobar, que vem ajudar a diocese durante três anos. Mas, por outro lado, regressa a Moçambique, à sua diocese de Quelimane, o Padre Erbério Jonas Salença, que durante o último ano esteve à frente das paróquias da Amareleja, Póvoa de S. Miguel e Estrela e que conquistou a admiração dos seus colegas presbíteros e do povo. A ambos e aos seus superiores e bispo ficamos imensamente gratos e desejamos missão fecunda nas Igrejas de Beja e de Quelimane. Este intercâmbio missionário é sempre fecundo para os próprios e para as Igrejas que servem.

É bom alimentarmos esta permuta de dons e de agentes, para incrementarmos o espírito missionário nas respetivas Igrejas, pois sem ele não somos a Igreja que Jesus Cristo quis. Somos um povo peregrino e em mobilidade. Também quem serve este povo deve ter o mesmo espírito e atitude. Por isso auguro a todos os meus colaboradores um bom ano missionário.

† António Vitalino, Bispo de Beja
Beja, 17 de Setembro



Prioridades do ministério


1. Simpósio do clero
Na semana passada, de 4 a 7 de Setembro, realizou-se em Fátima um encontro do clero de Portugal, que congregou cerca de 450 pessoas, bispos, padres, diáconos e alguns seminaristas, sendo 17 da diocese de Beja. Este encontro tem o nome de simpósio do clero e acontece de três em três anos. O tema deste ano foi: o padre, homem de fé - do mistério ao ministério.

A palavra ministério significa, em português popular, serviço. Mas não se trata de qualquer serviço. Prioritariamente é o serviço que provém da fé em Jesus Cristo e que, agindo em seu nome, serve o homem e a sociedade de cada tempo. A escolha para este serviço não provém de uma eleição por voto popular ou de uma autoproposta, mas de um chamamento, vocação, de Jesus Cristo pela mediação da Igreja, Povo de Deus em comunhão com os sucessores dos apóstolos, os bispos. Daí o título do simpósio. O padre tem de ser um homem de fé, a fé da Igreja e não uma ideologia humana, que é escolhido para o ministério através de um mistério, um dom de Deus, invisível aos olhos da pura razão, mas tornado visível na celebração do sacramento da ordem. Por este sacramento o padre é escolhido e capacitado para agir na pessoa de Cristo. Para amar como Jesus amou, servir e fazer o bem como o seu Mestre, o padre necessita de viver em profunda comunhão com Cristo, tornado presente e visível na vida da Igreja.

Esta comunhão e este agir do padre cultiva-se de muitos modos, mas principalmente pela escuta e transmissão da Palavra de Deus, na oração, diálogo com o Mestre, na celebração litúrgica, que tem o seu auge na Eucaristia, na vivência da caridade apostólica, sobretudo em relação e atenção aos mais necessitados. No fundo, a vida e a ação do padre é um serviço em ordem à realização profunda do ser humano, acentuando a dimensão espiritual e comunitária da pessoa. É um serviço que provém do mistério de Deus revelado em Jesus Cristo e conduz a pessoa para a sua realidade profunda e misteriosa, chamada a participar da vida de Deus e da vida eterna.

Nisto se traduz o serviço essencial do padre e da Igreja. Todas as outras acções que não conduzem a este fim, não constituem a missão essencial do padre. Viver a partir do essencial, o mistério de Deus e agir em ordem ao essencial da missão da Igreja, constitui o critério do serviço do padre. A partir daí deve definir as prioridades da sua ação. Se lhe faltar tempo para isso, como tantas vezes acontece, o padre está a ser infiel ao seu ministério e a ocupar o lugar de outros, os leigos, a grande parte do povo de Deus, a quem compete viver a fé inseridos nas tarefas do mundo, na família, na profissão, na política, etc.

2. Poucos padres ou suficientes?
Amiúde ouve-se dizer que há poucos padres, sobretudo jovens e que muitos se vêm obrigados a esgotar todas as forças, mantendo-se a serviço das comunidades até à morte, ao contrário da maioria dos leigos, que vivem muitos anos em situação de reformados.

Sem querer e poder responder cabalmente a esta questão, apenas aponto para a necessidade de revermos os nossos critérios de vida e missão, definir as prioridades do nosso ministério e estar disponíveis para exercê-lo, no todo ou em parte das suas expressões. Por outro lado, temos de saber integrar os idosos na nossa vida e aceitar o contributo que ainda podem dar. Assim como é importante inserir a criança nas responsabilidades da família, de acordo com a sua idade e capacidade, o mesmo deve suceder com os idosos. E quando algum sacerdote já não puder assumir responsabilidades ministeriais que envolvam alguma resistência física, aceitar os limites e unir-se totalmente à Paixão de Cristo, também nisso está a exercer a maior força do seu ministério, pois é na cruz, aceite e oferecida, que completamos o que falta à Paixão de Cristo, para a nossa salvação.

Temos um sínodo à porta e teremos oportunidade de refletir melhor sobre estas prioridades e responsabilidades. Aqui fica o pedido de boa preparação e oração, para conseguirmos responder melhor às exigências da missão da Igreja nesta região alentejana.

† António Vitalino, Bispo de Beja







Recomeçar com muita esperança.
1. Portugueses no mundo
O mês de Agosto, para muitos, mês de férias, passou rápido. Neste tempo desvia-se a atenção de muitos acontecimentos e problemas. Os noticiários dos meios de comunicação quase não têm assuntos de primeiro alinhamento, para além dos incêndios e de afogamentos. Mesmo assim ouve-se falar do agravamento da recessão económica, do aumento do desemprego, da diminuição das receitas do Estado. As caixas de correio eletrónico ficam menos atulhadas de publicidade e isso é um alívio, que nos permite aprofundar algumas questões e relacionar melhor os diversos factos. Na presente nota vou salientar apenas alguns.
Encontrei-me com muitos emigrantes portugueses a viver e trabalhar em diversos países do mundo. Constatei que Portugal continua a ser um país de migrações, sobretudo para os países da comunidade europeia, mas não somente. Também a Suíça atrai muitos portugueses, que viajam para lá, mesmo sem a certeza de encontrar um trabalho. Jovens famílias atravessam as fronteiras. Isto reflecte-se nas remessas financeiras, que aumentaram muito nos últimos meses, o que vem equilibrar a nossa balança comercial.
A mão-de-obra portuguesa é muito apreciada no estrangeiro e atinge altos níveis de produtividade. Por isso, as remunerações aliciam outros a emigrar. Pergunto-me sobre algumas razões dessa produtividade da nossa mão-de-obra lá fora, quando por aqui apenas se pensa em diminuir salários ou aumentar os dias de trabalho.
Com raras excepções, a deficiente organização e o ambiente de trabalho desconcentrado nas empresas contribui para a baixa produtividade. A falta de pontualidade, o absentismo do local de trabalho, as conversas entre os colegas, as longas pausas para refeições prolongadas, o consumo de álcool, etc., tudo isso faz baixar a produtividade. Uma boa gestão das empresas e do trabalho, a disciplina, mais que o número de horas, poderiam aumentar a rentabilidade das empresas. Os nossos emigrantes rapidamente se adaptam aos novos ambientes e ficam em pé de igualdade com os colegas dos países de acolhimento.
Isto faz-me constatar a verdade de algumas teorias da ética social. O nosso “eu” forma-se também a partir das circunstâncias em que está inserido. A nossa identidade forma-se a partir do eu, a subjetividade, e a sua circunstância, dizia Ortega y Gasset.
Tempos atrás ouvi um administrador de uma grande empresa a tecer rasgados elogios aos jovens portugueses recém-formados. Pena é que não se encontrem muitas empresas com essa organização e mentalidade. Se assim fosse, seríamos mais produtivos e muitos jovens encontrariam por cá os seus locais de trabalho. Se os administradores e gestores fossem remunerados também de acordo com a rentabilidade das suas empresas, mas sem acentuar demasiado as desigualdades entre os cidadãos, a situação económica do nosso país seria diferente.
2. Recomeçar o novo ano com esperança

No mês de Setembro recomeça a actividade de muitos serviços, também na diocese. Temos necessidade de nos concentrar no essencial da nossa missão, definir as nossas prioridades, tendo em conta a nossa realidade e potencialidades. Vamos ter o dia diocesano a 29 de Setembro e nesse dia convocar um Sínodo diocesano, o primeiro da história da diocese. Queremos envolver todos os que se consideram verdadeiros discípulos de Jesus Cristo e membros da Igreja, dando disso provas a nível local nas paróquias e movimentos, mas também a nível diocesano, colaborando nos serviços e na missão.
Em Outubro, de 7 a 28, em Roma, vai realizar-se um Sínodo, tendo por tema “a Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã”. E no dia 11 de Outubro começa a celebrar-se o cinquentenário do concílio Vaticano II, que veio trazer tanta esperança na vida da Igreja e no mundo, mas que ainda está longe de ter atingido todas as mentalidades e estruturas eclesiais. Para isso o Papa Bento XVI convocou um Ano da Fé.
Queremos dar o nosso contributo, para que a humanidade encontre rumo e sentido, tornando-se mais solidária, pacífica e fraterna, de modo a vencermos a crise que nos afecta e a muitos lança para a fome e a guerra. Acredito na força que nos vem de Jesus Cristo, para que todos tenham a vida e a tenham em abundância. A melhoria da situação começa por cada um de nós. Confio nas pessoas de fé e nos colaboradores que Deus me dá. Vamos pois recomeçar com muita esperança o novo ano pastoral neste ano da renovação da nossa fé.
† António Vitalino, Bispo de Beja
“In Notícias de Beja”




Férias e descanso

1. Necessidade de descanso

Neste fim de semana, num clima de calor e de fogos, depois de um ano cheio de preocupações e deslocações, sobretudo no vasto território do Baixo Alentejo, tocou-me profundamente sentir o sofrimento das populações afectadas pelos incêndios e a leitura do evangelho proposto para o décimo sexto domingo do tempo comum (Mc 6, 30 ss).

Jesus propõe aos apóstolos, regressados da sua primeira missão, cansados mas alegres, o seguinte: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco, para um lugar isolado, sem mais ninguém. Mas logo a seguir acontece que, ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se de toda aquela gente, que eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

Perguntei a mim mesmo sobre o que verdadeiramente nos cansa e como podemos ser aliviados da fadiga. O que tinha cansado os apóstolos e o que afadigava aquelas multidões e como Jesus as aliviava.

Estas palavras fazem-me lembrar outras, mas essas do evangelho segundo S. Mateus. «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30).

Meditando sobre estas passagens evangélicas compreendo que a dispersão e a falta de unidade interior são fatigantes. Por outro lado, o encontro com o centro de nós mesmos, o diálogo com Deus na oração, tranquiliza o nosso ser, dá paz, serenidade, esperança. Aqui recordo-me da experiência de Santo Agostinho, que apenas serenou quando fez a descoberta do encontro íntimo com Deus. A minha alma andava inquieta até vos encontrar bem perto de mim... Tarde vos amei, formusura tão antiga e tão nova, exclama ele! (Conf. X, 27).

2. As férias e o merecido repouso

Estes trechos vêm a propósito deste tempo de verão, em que as escolas e muitas empresas encerram, para dar férias ao seu pessoal. Mas há muitos outros que trabalham para servir quem tem férias. Mesmo em tempo de crise económica e de desemprego, muita gente desloca-se para lugares mais frescos, fora dos centros urbanos. Infelizmente o turismo de massas não proporciona o descanso necessário. Há quem regresse de férias mais pobre e cansado em todos os sentidos, também cultural e espiritualmente.

As circunstâncias actuais deveriam motivar-nos para realizar algumas alterações nos nossos hábitos de férias. Sobretudo para quem vive nos grandes centros urbanos, faria bem um encontro com a natureza, com o núcleo de amigos e os membros da família. Deixar por uns dias o ritmo cronometrado dos horários e estar uns com os outros, sem olhar para o relógio, escutando-se mutuamente e descobrindo as prioridades da vida, de que fazem parte a meditação e oração. Fazer da vida uma relação harmónica com as suas raízes, para aí descobrir o cerne das nossas motivações e encontrar a serenidade interior e exterior. Um bom livro, a Bíblia, uma poesia, um salmo, o diálogo sereno com as pessoas com quem vivemos, a contemplação de uma obra de arte, tudo o que pode ajudar a despertar em nós a capacidade de ouvir e admirar a beleza do que nos rodeia, restituir-nos-á a alegria de viver, a serenidade e a paz.

Descobrir a natureza e o próximo ajudar-nos-á a melhorar a qualidade das férias, centrar-nos-á no essencial e proporciona o descanso tão necessário, para voltarmos de forças refeitas ao ritmo do trabalho. Neste sentido desejo a todos boas férias, mesmo que seja em casa ou cá dentro. Aos meus colaboradores na vida da diocese, clero e leigos, obrigado pela participação no ano pastoral que passou. Em Setembro conto com todos, para começarmos um tempo novo com a convocatória do sínodo diocesano.

† António Vitalino, Bispo de Beja
23 de Julho de 2012


Festas jubilares

1. Datas marcantes da vida das pessoas e das instituições

Na nota anterior escrevi algumas observações sobre as festas populares, religiosas e profanas. Hoje vou tocar em momentos festivos da vida das pessoas e instituições, sendo o mais comum a comemoração dos aniversários de nascimento ou do estado de vida e da fundação das instituições. Todos gostamos de ser lembrados, sobretudo quando passa mais um ano da nossa vida. Mesmo que seja através do envio de parabéns por sms, telefone, email ou outro meio, sentimos alegria ao percebermos que não passamos despercebidos e ficamos tristes se ninguém se lembra de nós nessas datas.

Mas há datas que merecem e devem ser lembradas e festejadas, sobretudo aquelas que, para além do simples dia do calendário, apontam para a valorização da pessoa e as benfeitorias sociais e culturais. As datas jubilares, de que 25 e 50 anos, conhecidas como bodas de prata e de ouro, são as mais comuns. Fazem-nos parar um pouco e são ocasião para avaliar a nossa capacidade de perseverança e de fidelidade no rumo da vida e nas relações que fomos tecendo à nossa volta.

No mundo vertiginoso em que nos movemos faz bem celebrarmos os jubileus, muito especialmente os de casamento, de opção por um estado de vida e de consagração a uma vocação para o serviço à comunidade e à Igreja. A humanidade precisa de testemunhos de vida fiel e dedicada, por toda a vida, nos bons e maus momentos, seja na família, na vida religiosa ou no serviço da Igreja.

2. As vocações e os dons para a vida do povo de Deus~


No dia 15 de Julho o Cónego António Domingos Pereira, Vigário Geral da diocese de Beja, celebrou as suas bodas de ouro de ordenação sacerdotal. Quando se pensou em assinalar essa data, o próprio propôs que gostaria de o fazer de modo diferente do habitual, inserindo o seu jubileu com os de outras vocações. Quis que o seu jubileu incluí-se jubileus de casamento e de vida consagrada. E assim se fez.

Nessas três vocações lembrou-se toda a vida do povo de Deus, que, sendo um só, se diversifica e enriquece com muitos dons, serviços e estados de vida. Tendo a mesma origem no amor de Deus que se espande, aponta para a beleza da diversidade e a riqueza da vida humana, quando se mantem fiel aos compromissos assumidos por amor a Deus e ao próximo.

Na breve homilia que proferi na celebração solene desses jubileus meditei sobre o denominador comum de todas estas vocações, tão diferentes e tão semelhantes, e o que as faz perdurar ao longo dos anos, sempre com a mesma frescura e fidelidade, num mundo tão inconstante e frágil, em que temos dificuldade de nos comprometer por toda a vida.

Aludi à força motriz dessa fidelidade: o amor de Deus que se difunde nos nossos corações e se concretiza em muitos estados de vida e serviços. Um amor que é correspondido na liberdade da pessoa humana, que responde com amor no quadro de solicitações tão diversas. É sempre o mesmo amor e fascínio que leva uns a comprometer-se no serviço ao Povo de Deus, outros a comprometer-se pelos votos de pobreza, castidade e obediência numa fraternidade de vida consagrada e outros, a maioria, a ligar as suas vidas no casamento dando origem à família humana, onde o amor dos esposos se prolonga na transmissão da vida.

Todas estas vocações são belas e fascinantes, têm a sua origem no amor de Deus, que é amor por natureza, e apenas têm possibilidade de resistir à corrosão do tempo e se manter fieis, enquanto houver amor. Deus não falha, mas nós temos de o acolher, alimentar e cultivar, porque só o amor as torna dignas de ser vividas e dão alegria, felicidade e fidelidade aos que são chamados, nos bons e maus momentos, pois o amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará ( 1 Co 13, 7-8).

Ao Cónego António Domingos Pereira, pelos 50 anos do seu sacerdócio, aos padres Rui Mendes Carriço, Luís Caetano Cerdeira Gomes e Joaquim Marques Martins pelos 25 anos de ordenação sacerdotal, à irmã Arminda do Carmo Oliveira pelos 50 anos de consagração nas Servas de Nossa Senhora de Fátima e aos casais Manuel e Zezinha Gamito, de Santiago do Cacém, Guadalupe Rações e marido, de Beja e José Francisco e Paula Cristina Telo, de Sines, pelos 25 anos de vida matrimonial, que na celebração da Sé representaram tantos outros que se mantêm fiéis no amor mútuo ao longo da vida, apresento os meus sinceros parabéns e peço a Deus que continuem fiéis à vocação a que foram chamados.

† António Vitalino, Bispo de Beja
16 de Julho de 2012




Festas religiosas e populares


1. As festas da nossa terra

De Maio a Outubro as nossas aldeias realizam a maior parte das festas da terra, quase sempre sob a invocação de Nossa Senhora ou dos santos padroeiros, embora o dia da festa litúrgica possa ocorrer noutra época do ano. Mas, porque muitos números da festa se realizam na rua ou se deseja a presença dos emigrantes, marcam-se para os dias mais longos e solarengos e para a época de férias. Por vezes, há festas em aldeias vizinhas, que procuram atrair o maior número de pessoas com a actuação de artistas de luxo e fogos de artifício dispendiosos. Frequentemente as receitas não chegam para pagar as despesas, o que desmotiva futuras comissões de festas.

Dado que muitas comissões usam o nome das paróquias e dos santos, nos seus cartazes, denominando as festas de religiosas, que por vezes mencionam apenas a missa e a procissão num cantinho e estampam a imagem religiosa, ao lado de muitas diversões profanas, quase todas as dioceses têm publicado orientações sobre o papel da comunidade paroquial nas festas populares. Também a diocese de Beja o fez, alguns anos atrás. Mas é sempre necessário relembrar alguns princípios, com o pedido de, com paciência e muita persistência os ir implantando, de modo que a piedade popular se purifique de alguns aspetos menos edificantes e construtivos de uma sã convivência humana.

Não se pede aos cristãos que se ponham de parte do ambiente de festa, mas que se responsabilizem por aquilo que é da sua competência. Daí que seria bom que a comunidade paroquial assumisse a organização dos actos especificamente religiosos e uma outra comissão de festas se responsabilizasse pelos outros, sobretudo quando estes pouco têm a ver com a devoção popular e implicam custos exagerados para o meio.

Isto não significa que as duas partes estejam de costas voltadas e entrem em competição, até mesmo nos horários, que devem ser combinados e coordenados.

2. Os custos e as dívidas das festas

Devido à crise que o país atravessa e muitos dos nossos recursos deveriam ser utilizados em acções de solidariedade e de partilha fraterna, recomendo aos diocesanos para ajudarem a moderar alguns projectos festivos muito dispendiosos.

Permitam que toque num aspecto económico nem sempre tido em conta. Refiro-me ao pagamento de impostos sobre os movimentos financeiros das festas. Alguns artistas e fornecedores nem sempre passam as facturas e recibos legais. Por isso a Comissão da Fábrica da igreja paroquial deve estar atenta, para não colaborar com ilegalidades. Daí o conselho de a comunidade paroquial apenas se responsabilizar pelos actos religiosos, separando as águas do religioso e do profano, quando isso for possível.

No caso de haver uma única comissão de festas, credenciada pela diocese, é obrigatória a apresentação de contas à comissão fabriqueira, que deverá verificar se foram cumpridos os deveres cívicos.

Com estas advertências não pretendo ser desmancha prazeres ou causar medo a quem, com muito esforço e dedicação, organiza as festas e contribui para a alegria do seu povo e para a sã convivência e construção da comunidade à volta dos santos patronos ou de Nossa Senhora, padroeira de Portugal e também de muitas das nossas terras.

Ela que contribuiu para a alegria de todos os convidados nas bodas de Canã, advertindo Jesus da falta de vinho, seja também para nós modelo da atenção às necessidades dos nossos conterrâneos e visitantes, para que todos possam participar na festa.

† António Vitalino, Bispo de Beja
08 de Julho de 2012


Fármaco contra a depressão

1. A Nova evangelização e a alegria

No dia 19 de Junho o Secretariado do Sínodo dos Bispos em Roma publicou o instrumento de trabalho para as assembleias sinodais, que vão decorrer de 7 a 28 de Outubro. Lendo de relance este documento, que consta de 4 capítulos com uma introdução e uma conclusão, deparei, num dos parágrafos conclusivos, com uma expressão, que me chamou a atenção pela sua atualidade, no caso de ser verdadeira. No número 168 lemos o seguinte: a falta de alegria e de esperança é de tal modo forte que corrói o próprio tecido das nossas comunidades cristãs. A nova evangelização propõe-se, nestes contextos, também como fármaco para dar alegria e vida contra todo o tipo de medo.

Todos sabemos como em Portugal se consomem muitos antidepressivos, porque somos tristes e pessimistas e em crise. Em tempos visitei um lar de idosos, numa das muitas aldeias desertificadas do Alentejo profundo e a Direção do lar pediu para lá voltar mais vezes, pois nesse dia tinha diminuído bastante o consumo de antidepressivos. Fiquei a pensar nisso e constatei que nada de especial tinha feito. Simplesmente cumprimentado os idosos, feito alguma pergunta a cada um e depois contado um pouco da minha história e da minha missão como bispo, terminando com uma oração extraída da Bíblia, apropriada ao momento. Foi quanto bastou.

Agora deparo com esta frase, acima citada, e pergunto-me, porque não a pomos em prática, se é para nosso bem e melhora a nossa qualidade de vida. As nossas comunidades cristãs estão muito apáticas, sem relações interpessoais, sem interesse mútuo pelas pessoas que nos rodeiam. Já o filósofo alemão Nietzsche dizia que os cristãos saem das suas celebrações muito tristes, não parecendo ter celebrado a memória de Jesus ressuscitado, vencedor da morte. Na verdade, não houve encontro com o ressuscitado, mas apenas informação acerca dele. Não tocou o coração dos participantes, não mexeu com os seus sentimentos, não despoletou energias, que fortalecem a esperança e são fonte de alegria. Por isso dificilmente iremos comunicar o que ouvimos e sentimos às pessoas que encontrarmos depois das celebrações.

Se o fizéssemos, estaríamos a testemunhar e a evangelizar, a contagiar outros com as razões da nossa esperança e da nossa alegria. Isso seria pôr em prática a nova evangelização, ou seja, com paixão e ardor, com alegria estampada no rosto, na linguagem do nosso tempo, despertar nas pessoas o desejo de se encontrar também com a fonte da nossa esperança: a pessoa de Jesus Cristo, que dá sentido pleno à vida humana.

2. Preparando o nosso sínodo diocesano

Afinal todos os cristãos podem dar um forte contributo para a nova evangelização e assim também ajudar a aliviar o orçamento do Estado, sobretudo o ministério da saúde! O recurso à medicina e aos fármacos é indispensável em muitos casos, no entanto a saúde integral da pessoa humana não depende somente disso. A fé, uma celebração bem participada, a atenção aos outros, as ocupações familiares, profissionais, culturais, de lazer e de ajuda fraterna são um bom fármaco e antídoto contra muitas doenças do nosso tempo.

Nas últimas semanas, ainda antes de alguns merecidos dias de descanso, em vários encontros a nível arciprestal e diocesano, temos estado a preparar um sínodo na diocese de Beja, ou seja, uma dinamização dos cristãos, nas paróquias, nos serviços e nos movimentos eclesiais, de modo a conhecer e aproveitar melhor as energias provenientes da nossa fé, para assim nos tornarmos cidadãos intervenientes na sociedade atual, em ordem à realização espiritual e plena das pessoas.

A 29 de Setembro, na celebração do habitual dia diocesano, queremos convocar oficialmente o nosso primeiro sínodo. Até lá há muito a pensar e preparar. Precisamos de estar bem atentos aos sinais dos tempos e ao Evangelho de Jesus Cristo, ouvir bem os apelos de um mundo em crise, à procura de soluções, que não são apenas de ordem financeira e económica, discernir o que nos pode ajudar no cumprimento da nossa missão eclesial.

Fica aqui o desafio a quem escutar ou ler esta nota, para refletir conosco, dar sugestões de caminhos a percorrer pela Igreja e cristãos nesta diocese e também oferecer a sua colaboração, para melhorar a vida e missão dos cristãos e das instituições eclesiais neste Baixo Alentejo, onde atua a Igreja de Beja. O bispo agradece.

† António Vitalino, Bispo de Beja
30 de Junho de 2012




Portugueses na diáspora

1. Bodas de ouro a serviço dos migrantes
No princípio de Julho vai completar 50 anos a serviço dos migrantes portugueses na diáspora (estrangeiro) a Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM), criada formalmente em 1962, para coordenar o apoio pastoral e social aos milhares de portugueses que deixavam Portugal à procura de melhores condições de sobrevivência e que na altura debandavam sobretudo para os países da Europa central.

Muitos eram contratados por firmas desses paises que precisavam de mão de obra, a fim de poderem dar resposta ao rápido crescimento económico, depois de duas guerras que os tinham quase destruido. Mas muitos também atravessavam as fronteiras, sem documentos, aliciados por promessas de angariadores clandestinos. Em muitos lados foram explorados. A Igreja ouviu o clamor deste povo e começou a procurar ajudar, religiosa e socialmente. Foi um trabalho apaixonante, no qual também tive a graça de me empenhar, em meados dos anos 60, quando fui estudar para a Alemanha. Muitos sofrimentos compartilhados, mas também muitas alegrias, ao ver famílias reagrupadas e pequenas comunidades formadas em país estrangeiro.

A Igreja de Portugal e também as Igrejas dos países de destino começaram a colaborar entre si e assim surgiram as missões católicas, associações, espaços de convívio, meios de comunicação, missionários e assistentes sociais e pastorais, professores e até clubes de futebol, que organizavam torneios entre si. Foram tempos de luta e de afirmação dos emigrantes portugueses em países onde antes quase nos desconheciam como povo e país. Recordo-me de emigrantes escandalizados com colegas de trabalho desses países onde viviam, pelo facto de serem confundidos com espanhóis...

Nestes 50 anos muita coisa mudou. Mas nos últimos anos, sobretudo devido à crise económica e ao desemprego em Portugal, tem aumentado o número dos que deixam o país, agora já levando consigo todo o agregado familiar, sobretudo os mais novos. A presença dos emigrantes da primeira geração criou um ambiente favorável ao acolhimento e integração dos novos emigrantes. As missões católicas, as Igrejas e associações estão presentes no terreno e favorecem a estabilidade e a solução dos novos problemas.

Por tudo isto temos de estar gratos a quem organizou esta presença e a quem continua generosamente no terreno. A Igreja portuguesa e o nosso país pode alegrar-se com o processo de acompanhamento adotado para com os emigrantes, sem descurar a atenção aos sinais dos tempos, que exigem um fortalecimento das redes entre as Igrejas dos diversos países. Ora isto não acontece espontâneamente. Precisa de organização e vontade de ajudar a resolver os novos problemas. E são muitos!

2. A Comunidade portuguesa de Londres
Neste fim de semana desloquei-me a Londres, para dar um abraço ao Pe. Pedro Rodrigues, do clero da nossa diocese, que completava dez anos de padre e está à frente da Missão Católica portuguesa, sucedendo a Mons. José Vaz Pinto, entretanto falecido, em Braga. Constituiu para mim uma grande alegria poder abraçar o Padre Pedro e felicitá-lo pessoalmente pelo seu sacerdócio, constatando que está rodeado de amigos e colaboradores nos vários locais onde presta serviço às comunidades: Clapham, Fulham, Bayswater e Camden Town.

Em Clapham celebrei a Eucaristia e o sacramento do Crisma. Na comunidade confiada aos Padres Escalabrinianos presidi à celebração da profissão de fé de muitas crianças e no domingo participei na peregrinação e convívio das comunidades portuguesas de Londres ao santuário de Nossa Senhora do Carmo em Aylesford, a cerca de 80 Km a sul.
Diz-se que vivem na grande Londres cerca de 85.000 portugueses. Muitos acorreram a Aylesford, com suas famílias, com muitas crianças e jovens, para celebrarem a sua fé e para conviverem. Apesar de o dia ter começado com chuva e muito nublado, isso não desmotivou os portugueses, que em 7 autocarros e centenas de automóveis apareceram no santuário. O dia abriu e esteve radioso, com sol brilhante, o que motivou muitos a continuarem o convivio com picnic, jogos e cantares até depois das 20,00 horas.

A celebração da Eucaristia na esplanada do Santuário, solenizada com belos cantares por todos os grupos corais das comunidades, dirigidos pelo Pe. Pedro, a procissão ao meio da tarde, com oração do rosário meditado e, no final, a imposição do escapulário do Carmo a muitos dos peregrinos, fez deste dia um momento forte dos nossos emigrantes a viver em Londres e muitos diziam que nunca têm faltado a esta peregrinação e levaram a vontade de voltar nos próximos anos. A fé e o convívio de todas as gerações fortalecem a identidade e a esperança destes nossos emigrantes.

A Missão é o polo aglutinador e a alavanca deste processo. Alegremo-nos, agradeçamos e colaboremos!

† António Vitalino, Bispo de Beja
24 de Junho de 2012





Gratidão e Bondade

A Igreja em Portugal acaba de perder mais um bispo, D. Albino Cleto, que, embora já emérito de Coimbra desde há cerca de um ano, foi um luzeiro de bondade e amor à Igreja e ao povo.

1. Gratidão a D. Albino
Como bispo de Beja quero nesta breve nota manifestar a minha gratidão a este irmão bispo, que me acompanhou nos meus primeiros anos de episcopado, como bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa, tendo ido depois para Coimbra e eu, poucos meses mais tarde, para Beja, mas que sempre manifestou grande proximidade à minha pessoa e ao Alentejo. Diz-se mesmo que era um dos bispos sugeridos para suceder a D. Manuel Falcão à frente da diocese, até porque tinha sido seu aluno no seminário dos Olivais e colega de muitos padres da nossa diocese, que, ao tempo, faziam o curso de teologia em Lisboa. Quis Deus e a Igreja que ele fosse para Coimbra, em 1998, como bispo coadjutor de D. João Alves, assumindo a diocese como bispo residencial em 2001, até à resignação por limite de idade canónica em 2011.

Entregando o pastoreio da diocese ao seu sucessor, D. Virgílio, retirou-se para a sua terra natal, Manteigas, na serra da Estrela, que ele amava, mas onde pouco parava, dado que era muito solicitado para ajudar os seus colegas em muitos serviços pastorais, quer na diocese da Guarda, quer em Coimbra, entre os emigrantes e em Beja. Nunca se negava a ajudar os colegas e as pessoas mais simples e humildes. Era um bispo muito humano e próximo das pessoas.

Neste ano a diocese de Beja beneficiou imenso dos seus dons de pastor e guia. Primeiro, orientando o retiro do clero, em Março, na Quinta da Beira, conseguindo captar a atenção de todos os participantes. Por último, poucos dias antes de morrer, esteve em Beja, orientando o tríduo e a festa do Corpo de Deus. Apesar de estar um pouco apanhado dos brônquios e ter sido aconselhado a repousar e a cuidar-se, não quis faltar ao seu compromisso com Beja. Ficou na casa episcopal e percorreu as ruas de Beja, rezou, pregou, confessou e até melhorou um pouco da tosse. Nas pregações despertou-nos para o dom da fé e cativou-nos pelo modo dialogante como expunha e propunha a Palavra de Deus. Foi uma testemunha fecunda de diálogo com a presença real de Jesus na Eucaristia e com os seus ouvintes.

Frequentemente reafirmava o quanto devia a D. Manuel Falcão e como nutria uma profunda admiração pela sua pessoa. Isto mesmo eu referi no agradecimento final, depois da procissão do Corpo de Deus, em que aludi à santidade de D. Manuel. D. Albino confirmou isso mesmo e disse-me que poderia atestá-lo. Quis Deus juntá-los no mesmo ano na eternidade. Em ambos perdi dois grandes amigos e mestres. Que Deus os recompense no gozo e na alegria do seu Senhor, a quem serviram e se entregaram durante a vida na terra.

2. A suma doação da bondade
D. Virgílio, bispo de Coimbra, afirmou de D. Albino que deixou um rasto de bondade e de proximidade, sobretudo junto dos mais pequenos. O seu lema episcopal, adotado quando foi nomeado bispo auxiliar de Lisboa, em 6 de Dezembro de 1982, dizia isso mesmo: “há mais alegria em dar que em receber”, citando uma expressão que S. Paulo atribui a Jesus (Act 20, 35). Esta maneira de encarar a vida toca o cerne da mensagem evangélica e da vida de Jesus. Este ideal cristão fazia parte do modo de educar dos nossos pais. Em tempos de pobreza os nossos pais ensinaram-nos a partilhar. Muitas vezes davam aos filhos pequenos a esmola para entregar ao pobre que batia à porta e convidavam quem chegava ou passava para comer do que havia. É servido? Era uma pergunta frequente de quem merendava à sombra de uma árvore, durante os trabalhos dos campos, a quem passava no caminho. E muitas vezes se insistia, para que a pessoa não tivesse vergonha de aceitar. Este testemunho passou para os mais novos.

De D. Manuel Falcão ouvi muitas vezes histórias parecidas dos seus pais e familiares, embora a casa de família fosse abastada e no centro urbano de Lisboa. Isso impregnou a sua personalidade e por isso afirmava que preferia ajudar a quem pedisse, embora por vezes enganado, do que recusar ajuda por duvidar da necessidade. Nesta mesma escola aprendeu D. Albino. É destas testemunhas e destas atitudes que o nosso mundo precisa, para se criar um novo tipo de sociedade, porque feita de homens e mulheres próximas, solidárias, amigas de partilhar e atentas aos mais pobres. A estas se aplica o dito do juiz evangélico: vem, bendito do meu Pai, gozar para sempre da felicidade que te estava preparada, porque eu tive fome, sede, estava nu ou preso, era forasteiro ou peregrino e me ajudaste...

Estes dois bispos eram desta têmpera e as dioceses que eles serviram devem-lhes eterna gratidão.

† António Vitalino, Bispo de Beja
20 de Junho de 2012




A alma do povo português


1. A identidade e a coesão nacional
Na semana passada celebrou-se, pela última vez nos próximos cinco anos com feriado e dia santo, a festa do Corpo de Deus. Em muitas cidades do país fez-se alusão a esse facto, não tanto pela festa em si mesma, mas por ser um dos dias santos que vai ser suprimido. Também em Beja aludi a isso no agradecimento feito no final da procissão. Mas deixei o apelo para continuarmos a celebrar o mistério de Deus connosco na Eucaristia, ao domingo, esperando que daqui a cinco anos deixe de existir a razão aludida para a supressão deste dia santo à quinta-feira.

Mas não serão apenas as motivações económicas que nos ajudarão a superar a crise. Os discursos oficiais das comemorações do Dia de Portugal, das comunidades e de Luís de Camões, a 10 de Junho, frisaram bem essa ideia. Nem Portugal nem a Europa construirão um projeto de união e coesão apenas a partir dos princípios económicos e financeiros. Foi por ter esquecido muitos dos valores morais, éticos e religiosos, e a confiança exagerada no progresso material, o consumismo, o luxo e o desperdício, que cavaram mais o fosso das desigualdades entre portugueses e provocaram o colapso da economia nacional e mundial.

2. Motivações religiosas na construção da identidade
As festas religiosas e as memórias históricas dos povos podem pacificar a alma das pessoas e das nações e fazê-las reviver a sua identidade, apoiadas em fundamentos mais sólidos, tornando-as mais próximas, iguais e solidárias.
Para não repetir o que muitos discursos oficiais do Dia de Portugal disseram, e vale a pena ler alguns deles, vou apenas lembrar algumas reflexões à volta da festa do Corpo de Deus e do Congresso internacional eucarístico, que esta semana decorre em Dublin, na Irlanda, cujo lema é “A Eucaristia: comunhão com Cristo e entre nós”.

Os cristãos sabem e estão convictos de que a coesão das pessoas e das comunidades só pode ser construída com o apoio de forças que ultrapassam as capacidades fisiológicas e mentais. Foi assim na história do povo bíblico da aliança e nos projetos mais consistentes e duradouros de alguns povos através dos tempos.

Há poucos anos falou-se muito de incluir na constituição europeia a alusão às raízes bíblicas e cristãs da Europa. Embora reconhecendo o papel das religiões e das Igrejas na vida dos europeus, ficou-se por formulações genéricas de princípios e valores, sem referências religiosas. Os europeus parece que se envergonham da sua história e, quando a lembram, apenas realçam aspetos negativos, esquecendo-se de que há muito mais energia vital naquilo que se omite do que naquilo que se critica. Muitos pensadores e sociólogos reconhecem a força dos arquétipos e dos valores religiosos na construção da identidade das pessoas e dos povos.

Valeria a pena fazermos um estudo profundo dessas forças na construção da alma portuguesa, sejam elas religiosas ou míticas, para não cometermos o erro de as destruirmos e assim impedirmos o nosso povo de dar o seu contributo válido para a regeneração da sua identidade e para a coesão do pais e da Europa.

Nós portugueses temos o mau hábito de acentuarmos o negativo e esquecermos os aspetos positivos dos acontecimentos e da nossa história. Perante as invejas (a última palavra dos Lusíadas), as desigualdades crescentes, as ambições desenfreadas de alguns, sem pondo de parte o bem comum do pais e do povo (e nisto incluo as remunerações e reformas milionárias, a usura do capital, etc.), se não fosse algo mais profundo que habita a nossa alma portuguesa e nos dá identidade, há muito que nos envergonharíamos de ser portugueses. Mas porque há essas raízes profundas do ser humano, continuamos a gostar de ser portugueses e ainda mais quando estamos dispersos pelo mundo, na emigração. Que o diga quem foi ou é emigrante! Voltaremos a esta reflexão noutra altura.

Termino esta breve nota lembrando que a Eucaristia nos faz recordar e viver a proximidade de Deus, fazendo-se Ele um de nós em Jesus Cristo e pequeno, quase invisível, na sua presença real no mistério do pão consagrado. Comungando-O, diviniza-nos, aproxima-nos de Deus e uns dos outros. Assim se constrói a comunhão, a unidade e a alma do povo de Deus.

† António Vitalino, Bispo de Beja
Beja, 10 de Junho de 2012



Família, património da humanidade

1. Jornadas mundiais da família
De 30 de Maio a 3 de Junho realizou-se em Milão, norte da Itália, o VII encontro mundial da família, subordinado ao tema: a família, o trabalho e a festa. Depois de vários dias de festa, de reflexão e de celebração festiva da fé cristã, tendo a realidade da família cristã como tema de fundo, o encontro terminou no dia 3, com uma Eucaristia presidida pelo Papa, em que participou cerca de um milhão de pessoas, na grande maioria famílias inteiras que procuram viver com a bênção e amparo espiritual da Igreja.
Logo na sua chegada a Milão, o Papa declarou que a família, constituída a partir do matrimónio entre um homem e uma mulher, é um verdadeiro património da humanidade, que é preciso conhecer, estimar, proteger e amar.
Hoje em dia, a Unesco tem feito muitas declarações de património mundial, material e imaterial, para evitar que realidades importantes da humanidade desapareçam do nosso ambiente cultural. Por isso é rodeado de muitas medidas de proteção, para que os nossos vindouros possam desfrutar dele.
Também o património vivo, como a família, se não for apreciado, amado e protegido pela legislação dos diversos países, pode extinguir-se de muitos locais e áreas geográficas, de nada valendo leis de protecção quando já não é possível mantê-lo vivo, porque passou a idade fértil. É o que está a acontecer a muitas aldeias do interior, que desertificaram e onde apenas os saudosistas e amantes da terra voltam de visita em tempos de férias. Os idosos, muitos em lares ou em centros de cuidados continuados prolongados são a última manifestação de vida nessas terras.
Na homilia de encerramento do encontro em Milão o Papa alertou para a necessidade de coordenar bem os três elementos da vida social: a família, o trabalho e a festa, todos eles importantes, mas em proporção adequada. A família sem trabalho e sem momentos de lazer e de festa entra em crise e degenera. Mas o trabalho utilitário, apenas tendo em vista o lucro e o mercado, escraviza as relações humanas e abafa a alegria da vida em família, em que as pessoas e o amor entre elas são o mais importante, que não pode ser subalternizado aos bens materiais.
Toda a sociedade bem organizada precisa de ter em conta estas três dimensões da vida e produzir legislação e medidas adequadas na saúde, na educação, nas leis de trabalho, na cultura, no amparo aos mais frágeis, crianças, idosos, doentes e pobres, de modo que as pessoas, nas suas relações fundamentais, como é o caso da família, não se sintam amedrontadas perante o futuro próprio e dos seus familiares.
Uma sociedade que apenas pensa no material, no lucro, no mercado e no consumo caminha para o colapso e o abismo. Na história da humanidade já houve povos que desapareceram e outros que ainda conseguiram arredar caminho a tempo, para sobreviver.
Há muitas medidas, por vezes desapercebidas de quem anda distraído ou envolvido por muitos ruídos contraditórios, que são verdadeiros atentados ou minas postas no caminho do futuro da família e da sociedade. Na brevidade desta nota não posso entrar em pormenores. Deixo hoje apenas uma pergunta: quando e como arranjamos tempo para vivermos uns para os outros, sem interesses materiais, mas porque gostamos uns dos outros? Vivemos para o trabalho, para o consumo, para o lazer, ou para os outros, sobretudo os mais próximos?

2. Deus é família


A festa litúrgica que celebramos neste domingo, a Santíssima Trindade, aponta-nos para o ideal de realização da pessoa humana e da família. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas na igualdade de uma só natureza. Mistério difícil de entender, como o é a própria vida humana, se a olhamos como realidade não apenas biológica, mas também imaterial, que se perpetua na doação amorosa.
A vida divina transborda para as criaturas e, de acordo com a tradição bíblica e a fé cristã, a pessoa humana, homem e mulher, são a imagem mais perfeita do amor de Deus. Por isso a plenitude da nossa vida aponta para o mistério de Deus, para a família divina, de que Jesus nos desvendou um pouco da sua realidade.
Por isso, um cristão, seja ele um simples membro da sociedade civil ou uma pessoa com responsabilidades empresariais e politicas ou membro de organizações sócio-culturais e religiosas, tem de olhar para a família com o mesmo amor de Deus e ajudá-la a ser aquilo que deve ser: célula da vida e do amor, onde se aprendem as relações fundamentais da vida humana, em que a principal e permanente é o amor. Família, torna-te naquilo que és, dizia o bem-aventurado João Paulo II. E eu acrescento: homem e mulher, ama a tua família e faz tudo o que estiver ao teu alcance para ajudar a família a realizar a sua missão fundamental.

† António Vitalino, Bispo de Beja
03 de Junho de 2012







Dons do Espírito



1. Dotados para o bem comum
Na última nota escrevi alguns pensamentos sobre o conceito de uma Igreja sinodal, isto é, uma comunidade de discípulos de Cristo cuja característica essencial é a comunhão e participação co-responsável de todos na construção de uma comunidade peregrina, a caminho da Jerusalém celeste. Este objectivo não é alcançável a partir de nós mesmos e muito menos individualmente. Todos os meios e pedagogias humanas são importantes, mas não bastam.

Já o Mestre dos Apóstolos o tinha dito, quando ainda estava com eles, antes da sua morte na cruz. Através do evangelista João (16, 12-13) sabemos o que lhes disse: «Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa”.
Esta promessa foi cumprida e por ela surgiu a comunidade dos apóstolos missionários, através de cujo testemunho destemido surgiram muitas comunidades de discípulos pelo mundo fora e através dos tempos. A memória litúrgica do cumprimento desta promessa, do envio do Espírito Santo, celebramo-la neste domingo, no dia de Pentecostes, cinquenta dias depois da Páscoa.

A memória celebrativa destes acontecimentos das origens do cristianismo dá-nos a conhecer e lembra-nos a pedagogia de Deus, o modo como na vida de Jesus e dos Apóstolos se processou a salvação da humanidade e se formaram as comunidades dos discípulos, a Igreja. Por mais criativos que possamos ser, acompanhando a evolução dos tempos, também agora pouco conseguiremos caminhar sem o Espírito Santo e os seus dons.

Então que devemos fazer? Assim perguntaram os ouvintes de Pedro no Pentecostes. Também hoje precisamos de perguntar. A resposta não pode ser muito diferente, pois Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre. Acreditar que Ele é o Filho de Deus, que nos quis salvar pela cruz, manifestação suprema do amor, escutar a sua Palavra e abrir-nos ao seu Espírito, que os Apóstolos e a Igreja tem o mandato de transmitir. Nos sacramentos, na oração com os Apóstolos e seus sucessores, na partilha fraterna, na prática das obras de misericórdia, recebemos o Espírito de Jesus e os seus dons, para nosso bem e de toda a comunidade.

2. O Espírito e a missão
Estes pensamentos surgiram-me nas celebrações a que presidi neste fim de semana: no Cercal, no encerramento de uma missão popular, orientada pelo padre Agostinho, da Congregação da Missão, em conjunto com missionários e missionárias, leigos e consagrados, das paróquias de S. Teotónio e do Cercal. O pároco, Pe. José Pires Soares, desde há muito que pedia ajuda. Ela veio de fora, mas também tem que surgir de dentro da comunidade.

As nossas paróquias, as nossas comunidades têm de ser mais missionárias, para serem Igreja viva. O cristão faz-se na comunhão da Igreja, recebendo os dons de Deus e ao mesmo tempo exercitando-os, numa pedagogia missionária. Como eu fiz, fazei vós também, foi a receita que Jesus nos deixou.

Por isso o Padre Agostinho dizia que a Missão no Cercal não encerrou neste domingo, mas começou agora. Mas é preciso continuar a alimentar o fogo do Espírito, para que não se extinga. Isso depende de todos. Isto mesmo vai ser feito. A criação de assembleias familiares de reflexão e oração, de visitadores de doentes, de grupos de leitores e catequistas, de voluntários da caridade e muito mais que a comunidade precise dará origem a uma paróquia viva e missionária, aberta aos dons do Espírito Santo.

A outra experiência foi ao fim da tarde, na Sé de Beja, repleta de pessoas, de todas as idades, em que mais de oitenta adultos, provenientes de várias paróquias da cidade e das redondezas, receberam o dom do Espírito Santo pelo sacramento do Crisma. Numa celebração bem preparada e participada, e também bastante longa, pois incluiu a oração dos salmos da liturgia de vésperas, sentiu-se a abertura aos dons de Deus e a presença atuante do Espírito Santo. Não possuindo as riquezas deste mundo, recebemos dons preciosos de Deus, que podem animar a vida de muitas pessoas.

Celebrar hoje o Pentecostes é um dom para a vida do mundo. Abramo-nos ao Espírito de Deus e deixemo-lo trabalhar as nossas vidas.
† António Vitalino, Bispo de Beja
28 de Maio de 2012


Povo responsável e organizado

1. A Igreja como Povo de Deus

Entre as muitas imagens qualificativas do conceito de Igreja sobressai a de Povo de Deus, de que fazem parte os baptizados, embora nem todos nele se integrem activa e responsavelmente, uns por inércia, outros por ruptura com outros membros.

No entanto os cristãos conscientes não podem cruzar os braços ou culpabilizar quem não se integra ou perturba a comunidade. Por isso temos de nos perguntar pelos motivos da fraca visibilidade e reduzida participação de muitos cristãos na vida da Igreja diocesana, sobretudo nas comunidades paroquiais e movimentos.

Há muitos factores, uns tradicionais na vida interna do Povo de Deus, outros provenientes dos diversos meios e da cultura actual. Precisamente por esses motivos se diz da Igreja que deve estar sempre num processo de conversão e de revisão da sua vida. O concílio Vaticano II trouxe para primeiro plano alguns slogans, que, cinquenta anos depois da sua realização, andam muito esquecidos. Menciono apenas uns tantos, esperando poder comentar outros mais tarde. Por exemplo: ecclesia semper reformanda (em português: a Igreja deve estar sempre a reformar-se), aggiornamento (palavra italiana de difícil tradução, mas que, à falta de melhor palavra, traduzo por actualização), voltar às fontes, comunhão e participação de todos os baptizados na vida da Igreja, desclericalização, corresponsabilização dos leigos, missão e santificação como elementos essenciais na vida e na estrutura do Povo de Deus, etc.

Precisamente para realizar estes objectivos conciliares a Igreja em Portugal tem estado a repensar em conjunto a sua pastoral. Mas tenho a impressão que isto tem acontecido quase exclusivamente a partir da hierarquia eclesiástica, os membros do clero e, quanto muito, os consagrados. Claro que estes têm a obrigação de se dedicarem por inteiro à missão da Igreja, mas não podem desresponsabilizar os outros membros do Povo de Deus. Como conseguir este objectivo?

2. O povo de Deus em sínodo

Um dos momentos fortes da animação e corresponsabilização do Povo de Deus na sua própria vida e missão acontece nos sínodos, ou seja, nas reuniões representativas de todos os membros da Igreja, em que, na abertura ao Espírito Santo, prometido por Jesus aos seus apóstolos antes da sua morte, mas também no confronto com a realidade socio-cultural de cada época, se procura concertar a mente, as atitudes e o passo. Como caminhar juntos e com harmonia para a Jerusalém celeste, para a meta final da vida humana, onde Cristo ressuscitado se encontra, Ele que é para nós caminho, verdade e vida? Precisamos de acertar o passo, para que ninguém fique para trás, desamparado ou desorientado.

Precisamente para isso temos necessidade de nos reunir, discutir, redifinir o nosso modo de viver no seguimento de Cristo, amando como Ele nos amou, servindo como Ele serviu, caminhando sem medo, mesmo da própria morte, como Ele o fez.

Quando a proveniência dos discípulos de Cristo se alargou a novos povos e culturas, para além da judaica, houve contendas e necessidade de reunir os representantes das diversas opiniões com os apóstolos, as primeiras testemunhas da ressurreição de Cristo. A esta reunião em Jerusalém se costuma chamar o primeiro concílio da vida da Igreja. Chegou-se a um consenso responsável. Também hoje o temos de fazer.
Por isso a diocese de Beja está a preparar um Sínodo. A comissão preparatória, formada por 7 pessoas, com o bispo, já reuniu por diversas vezes. Dentro em breve sairão a público as suas propostas em ordem à convocação formal do sínodo diocesano. A estrutura da Igreja é toda ela sinodal, isto é, povo de Deus em comunhão e a caminho. Mas a realização do sínodo irá tornar este elemento constitutivo mais visível e actuante.

Neste sentido se pede a todos os cristãos da diocese que implorem em oração a força do Espírito Santo e se predisponham a colaborar com as comissões e grupos representativos que se vierem a constituir. Desde já imploro a bênção de Deus sobre todos e a intercessão de Nossa Senhora, Mãe da Igreja e de S. José, padroeiro da nossa diocese, para que levemos a bom termo este caminho sinodal, para bem da porção do Povo de Deus da diocese de Beja, que fui chamado a servir desde 1999.

† António Vitalino, Bispo de Beja,
Beja, 22 de Maio de 2012






Comunidade europeia e solidariedade

1. A unidade europeia e a paz

Neste fim-de-semana houve eleições em França e na Grécia, dois países da comunidade europeia, o primeiro com uma economia forte a querer impor as suas regras aos outros membros, o segundo, a depender de ajuda externa. Os arrazoados dos candidatos e dos partidos a concorrer à liderança dos respectivos países nem sempre vão no sentido da construção da comunidade das nações da Europa. Ao ouvi-los, através dos meios de comunicação social, fica-se com a ideia de que alguns não sabem valorizar os bens de que usufruem pelo facto de pertencerem a esta comunidade. Alguns até falam de renegociar acordos comunitários ou até mesmo deixar a comunidade europeia ou pelo menos o grupo dos países de moeda única.

Embora não sendo político, desejo deixar aqui uns breves pensamentos sobre a importância desta realidade surgida depois da segunda guerra mundial, inspirada em princípios de raízes cristãs, até mesmo pelo facto de os seus fundadores serem cristãos convictos.

A unidade é sempre um valor, ao contrário da desunião. Mas esse valor tem diversas dimensões, umas mais motivadoras para a construção da comunidade que outras. Infelizmente, muitos fixam-se apenas nos aspectos económicos e financeiros. São sobretudo estes que, frequentemente, originam a divisão e a discórdia, até mesmo as guerras. Neste momento de crise económica a Europa corre o perigo de se desagregar, se dermos atenção a certos políticos e comentaristas.

Isto seria uma grave perda para a Europa, um retrocesso e até mesmo um perigo para o mundo. Neste sentido, a Igreja Católica, através dos seus mais altos representantes, o Papa Bento XVI e em Portugal a Conferência episcopal, têm alertado para o valor do projeto europeu como um avanço civilizacional, um projeto de identidade cultural que os cristãos e as pessoas de bem deverão acarinhar e fomentar.

A assembleia dos bispos portugueses, reunida em Fátima de 16 a 19 de abril passado, emitiu uma nota pastoral breve e importante, mas que parece ter passado desapercebida. Nela se reafirmam os valores sobre os quais se fundou esta comunidade e que lhe dão uma identidade cultural e espiritual, que devem ser recordados neste momento de crise económica, para não se retroceder, por causa de algumas deficiências no processo de construção.

2. Solidariedade e fortalecimento da comunidade

Nesta breve nota chamo a atenção apenas para um dos princípios importantes para progredir na construção do projecto cultural da comunidade europeia. Refiro-me à solidariedade em tempo de crise económica, um dos princípios básicos da doutrina social da Igreja. A economia baseada apenas no mercado e na justiça não fomenta a unidade. A solidariedade entre os povos, entre as famílias e as pessoas tem de ser um valor sempre presente nas relações sociais e humanas.

Na encíclica Caritas in veritate, nº 23, Bento XVI afirma: sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir plenamente a própria função económica. E no número 38 escreve: Na época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum em seus diversos sujeitos e actores.

É pois interesse do próprio desenvolvimento integral da sociedade e da pessoa humana que não se descure a solidariedade em tempo de crise e que não se abandone a construção da comunidade europeia por motivo de nacionalismos ou egoísmos económicos.

Sem solidariedade a unidade não se constrói e a paz corre perigo. Que o dia da mãe, ocorrido neste primeiro domingo de maio, símbolo da vida, do carinho e do amor, penetre o coração e a convivência dos europeus, motivando-os para se empenharem mais fortemente na construção duma Europa solidária e unida.

E termino apontando um exemplo de comunidade internacional, multicultural, ecológica, solidária e feliz. Refiro-me à comunidade Tamera, na freguesia de Relíquias, concelho de Odemira, fundada há cerca de 15 anos, com mais de 200 membros, de todas as idades e de diferentes proveniências, que vive dos recursos da natureza, enriquecendo-a, respeitando a biodiversidade e fomentando um desenvolvimento sustentável.

Passei umas horas com esta comunidade, no dia 6 de maio e fiquei convencido que no Alentejo se pode combater a desertificação da natureza e demográfica com novos modelos de vida social, respeitadores da natureza e da dignidade das pessoas. Deste modo o Alentejo se torna realmente terra de pão e de paz.

† António Vitalino, Bispo de Beja,
06 de Maio/2012





Desenvolvimento e trabalho


1. Desenvolvimento sustentável

Entramos no mês de Maio com o dia internacional do trabalhador, um dia feriado, para lembrar as lutas dos trabalhadores e suas organizações, criadas para defender o direito a um trabalho digno com remuneração justa. Com a industrialização e o implemento do trabalho dependente, apareceu a classe operária, muitas vezes em contraposição com o patronato e o capital.

A Igreja, para quem a dignidade da pessoa humana é uma prioridade a defender e promover, começou a sistematizar a sua doutrina social, baseada no evangelho e nas legítimas aspirações da pessoa. Assim foram sendo publicadas várias encíclicas ou cartas solenes dos Papas sobre a aplicação dos princípios da doutrina social da Igreja, tendo em conta o desenvolvimento socioeconómico. Desde a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, em 1891, até à Caritas in Veritate de Bento XVI, em 2009, foram publicadas muitas encíclicas sobre as problemáticas sociais, com reflexões e orientações profundas e concretas, um património importante, que, se fosse aplicado, muitas injustiças e problemas seriam evitados.

Todos nos habituamos a subir o nível de vida, o que implica crescimento económico, trabalho para todos e remuneração justa. Mas a Europa, face à crise da economia global, ao desequilíbrio das contas públicas e ao crescente endividamento externo de Portugal, que se viu obrigado a pedir ajuda para evitar a bancarrota, impôs austeridade, o que veio diminuir o consumo e as receitas provenientes do imposto sobre as transacções e o trabalho, com a insolvência e mesmo falência de muitas empresas e subsequente aumento do desemprego.

O trabalho é um direito da pessoa e faz parte da realização da sua dignidade. A evolução económica e o desemprego estão a desumanizar a nossa sociedade. Temos de encontrar outras politicas de desenvolvimento socioeconómico, que criem emprego, postos de trabalho. De contrário, estamos a fomentar uma sociedade injusta, porque priva muitas pessoas dos seus direitos fundamentais, O desenvolvimento económico não é ilimitado, mas tem de ser sustentável em todas as dimensões, no respeito pela dignidade da pessoa, pela ecologia e pelo bem comum.

2. Economia amiga do trabalhador

Felizmente, a comunidade europeia parece estar a acordar e a dar sinais de mudança de rumo. Na crise aprendemos a viver mais sobriamente, moderando o consumo de alguns bens supérfluos, artigos da moda, luxos, etc. E é bom que assim continuemos. As empresas ligadas a estes sectores estão a ressentir-se e a despedir trabalhadores. Mas parece que outras empresas começam a aparecer, mais voltadas para a exportação e produção de bens essenciais. A criatividade em tempo de crise é notável. É necessário descobrir fontes alternativas de riqueza e novos postos de trabalho.

A comunidade europeia anunciou adopção de algumas medidas, meios e recursos para apoiar o desenvolvimento e a criação de mais emprego. Saudamos esta nova linguagem, esperando que, com realismo, sem ilusões, com a moderação a que nos habituamos, diminua o número de desempregados e encontre trabalho digno quem pode e deve trabalhar, para que nos tornemos menos dependentes e mais autónomos.

Ao entrar no mês de Maio, tradicionalmente dedicado a Maria e às mães, confio a Nossa Senhora este anseio, para que nenhuma mãe veja os seus filhos sofrer a fome e a falta de trabalho.

Beja, 1 de Maio, dia de S. José, operário, Patrono principal da Diocese
† António Vitalino, Bispo de Beja





Chamados a servir

 1. A riqueza das vocações na Igreja

 A 1 de Maio, dia internacional do trabalhador e na Igreja Católica festa de S. José Operário, padroeiro da diocese de Beja com este título, vamos ordenar um novo presbítero e cinco diáconos permanentes, dezasseis anos depois de D. Manuel Falcão ter ordenado os primeiros quatro, dois celibatários e dois casados. Era intenção de D. Manuel dar continuidade à formação e ordenação de mais diáconos permanentes, mas infelizmente isso não aconteceu, para além de um ordenado já por mim, em 2005. Nesta nota não vou analisar as causas desta morosidade, mas simplesmente mostrar a minha alegria por este acontecimento e convidar toda a diocese a alegrar-se comigo, pedindo também oração pelas vocações do serviço ordenado para a vida e riqueza da nossa igreja de Beja. Por várias vezes tenho alertado para as várias carências da diocese. Os colaboradores ordenados são poucos, 60 ao todo, para a grandeza do território diocesano. A maioria dos presbíteros está sobrecarregada com várias paróquias e múltiplas tarefas. Alguns já contam mais de 80 anos. Nota-se cansaço e falta de criatividade. Isto também aconteceu com os apóstolos, na Igreja nascente. A comunidade de Jerusalém ia crescendo de dia para dia e alguns começaram a queixar-se de que os pobres não eram bem atendidos. Os apóstolos reconheceram isso e decidiram dividir tarefas, alargando a dimensão dos ministros ordenados. Assim surgiram os primeiros sete diáconos, que deram um forte impulso à vida e missão da Igreja. Vale a pena ler o capítulo VI do livro dos Atos dos Apóstolos. Fica-se espantado com a vitalidade da primeira comunidade cristã e também perplexo perante a concentração do ministério ordenado nos presbíteros dos nossos tempos. Precisamos de também hoje ser criativos e saber co-responsabilizar os cristãos na vida e na missão da Igreja. Todos temos de reaprender o exercício colegial e participativo de todos os ministérios ou serviços na comunhão eclesial. Os nossos planos pastorais e o Sínodo diocesano anunciado deverão dar um forte incremento na formação, no discernimento das vocações e na co-responsabilização de todos os cristãos na missão da Igreja. 

 2. O que esperamos dos novos diáconos 

Habituamo-nos a entender a vida cristã como uma participação na vida e ação de Cristo, o Messias Salvador, que concentrou em si todos os poderes necessários para a nossa salvação. Cristo é sacerdote, profeta e rei. Mas é tudo isto de uma maneira nova e original em comparação com os sacerdotes, os profetas e reis do Antigo Testamento. Ele é e exerce tudo isto na modalidade do serviço. Por isso na última ceia lava os pés aos seus discípulos e desafia-os a fazer o mesmo. A teologia e o direito canónico apresentam a missão da Igreja na tríplice vertente de ensinar, santificar e governar o Povo de Deus. Mas isto não significa que a mesma pessoa deva exercer tudo isso de modo uniforme e concentrado. A Igreja é um mistério de comunhão e participação dos seus membros com Cristo e entre si. Isto implica comunhão de amor, de interesse pelo bem de todos e do todo, de entreajuda fraterna e de distribuição dos diferentes serviços. Nada mais contrário à noção de Igreja do que uma vida solitária e um exercício da missão como um poder sobre subalternos! Dos futuros diáconos, do Inácio, de S. Teotónio, do Joel e do Simão, de Sines, do Francisco Conceição, de Alvito e do Francisco dos Santos, de Vila Nova da Baronia, esperamos um testemunho de família unida e de serviço à comunidade, sobretudo aos membros mais débeis, de modo a aliviar os presbíteros de alguns encargos e contribuir para a riqueza e beleza das múltiplas facetas do ministério ordenado na vida da Igreja. Desta ordenação esperamos também um forte estímulo para as outras comunidades paroquiais e movimentos, para que também nelas apareçam outros candidatos para os diferentes ministérios ordenados. Aos párocos, catequistas, professores de educação moral e religiosa nas escolas pedimos atenção aos sinais de vocação entre as pessoas com quem vivem e trabalham e tenham a coragem de fazer o chamamento explícito aos possíveis candidatos, encaminhando-os depois para a escola de formação, orientada pelo Reitor do Seminário de Beja, a quem agradeço os bons serviços prestados.
† António Vitalino, Bispo de Beja, Beja, 22 de Abril/2012





Os judeus e os cristãos celebram a Páscoa como acontecimento central da sua história e da sua vida. Para os primeiros é a memória da sua libertação da escravidão no Egipto através de Moisés pelo poder de Javé e a sua constituição como povo livre, com leis próprias, compendiadas nos dez mandamentos. Para os cristãos é a celebração da condenação injusta, da paixão, morte e ressurreição de Jesus, que aconteceu na altura da Páscoa judaica e deu origem à constituição de um novo povo, libertado do pecado e formado pela adesão da fé de pessoas pertencentes a todos os povos, raças e continentes e formam a comunidade a que chamamos Igreja.

Todas as memórias constitutivas de um povo, seja político ou religioso, têm uma longa preparação e prolongam-se por dias consecutivos. No caso dos cristãos temos a Quaresma, o espaço de quarenta dias, desde a quarta feira de cinzas até ao domingo de ramos, seguida da Semana Santa e depois prolongada no tempo pascal, durante 50 dias, até ao Pentecostes.

Na Semana Santa olhamos para Jesus Cristo na sua entrega sem resistência aos seus opositores e no dom da vida por nosso amor e nossa salvação na cruz. Neste processo está espelhado o drama da vida humana, a justiça iníqua dos homens e o amor sem limites do inocente condenado, que se entrega perdoando a quem o condena e mata. Este homem é verdadeiramente o Filho de Deus, como exclamou o centurião junto à cruz, mas também o protótipo do verdadeiro homem.

Os cristãos celebram estes acontecimentos não apenas como uma memória histórica, mas também como um acontecimento que nos liberta e salva para aquilo que devem ser: novas criaturas, amadas por Deus e chamadas a viver no amor, conformando a sua vida à de Jesus Cristo, fazendo também a passagem do homem terreno para o homem celeste, através do mistério do perdão, do sofrimento e da morte do homem velho para o homem novo segundo Deus.

Este novo homem adquire uma nova relação consigo mesmo, com a sua realidade corpórea, com o mundo material e com os seus semelhantes. Torna-se grão de trigo que morre para germinar em muitas vidas. É o homem que não vive para si mesmo, mas para Deus e os outros. É o corpo material que se vai transformando no corpo espiritual, como se exprime S. Paulo. É a criatura associada à paixão e morte de Jesus para ressuscitar homem novo, em que a morte física não é o fim do ser humano, mas a passagem para a vida eterna com Deus e todos os seus semelhantes.

É esta certeza da fé que os cristãos celebram na Páscoa e que faz renascer a esperança da realização do anseio profundo do coração humano. O amor não pode morrer, mas atingir a plenitude. Por isso dizia S. Paulo que, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé. Eu diria que, se tudo acaba com a morte, o ser humano é um fracasso. O seu coração engana-o.

Neste ano europeu do envelhecimento ativo e da solidariedade entre as gerações é importante não apenas criar ocupações e distrações para os idosos, universidades seniores, cosméticas, academias, operações plásticas e por fim a eutanásia e a morte longe do olhar da família e dos amigos, etc., mas também ajudar as pessoas a descobrir a beleza da vida espiritual, do homem material que se vai transformando até atingir a maturidade da sua vocação divina.

A celebração da Páscoa ajuda-nos a conceber e a viver assim a nossa vida e missão. Como é bela a morte dos justos, diz a escritura. Nos últimos meses pude constatar a verdade desta afirmação, na morte da minha mãe, em Dezembro, na de D. Manuel Falcão, em Fevereiro e na da Maria José, irmã do Cónego Aparício, em Março. Modelos de vidas exemplares e de mortes de pessoas justas, que acreditavam na ressurreição e na vida eterna.

Neste sentido desejo a todos santas e alegres festas pascais, repletas de esperança, apesar da crise e do sofrimento, que atinge muitos irmãos nossos, mais a uns que a outros privilegiados, pois sabemos que a justiça deste mundo é falível, mas confiamos em Deus.

António Vitalino, Bispo de Beja, 8 de Abril de 2012



Nota da Semana
Depois de termos apresentado D. Manuel Falcão na primeira fase da sua vida, como membro de uma família exemplar, estudante e cristão, agora vou descrever um pouco da sua fisionomia como bispo, homem da Igreja e homem de Deus.

Homem pontual, de oração, da escuta e do silêncio
O amor ao estudo, ao apostolado da Igreja e aos pobres acompanharam sempre D. Manuel Falcão, até à morte. Já como bispo emérito, com mais disponibilidade, escreveu a Enciclopédia Católica Popular e um livro sobre o leigo, sua identidade e missão, continuando a escrever semanalmente para o jornal Notícias de Beja, a par de imensas cartas, assim como opúsculos diversos para entregar aos numerosos membros da família e aos amigos.
O último foi acabado de escrever a 1 de Janeiro de 2012, com o título profético: Uma existência envolta em mistérios (À laia de testamento espiritual). Ajudava muitas pessoas e instituições, sobretudo os pobres, de perto e de longe. Muitas vezes escrevia e afirmava que a Igreja tem de ser mais missionária, interna e externamente, e mais participada pelos leigos. Por isso lia e recomendava a leitura de revistas missionárias, ajudava muitos missionários e obras em terras de missão.
Há facetas na vida de D. Manuel que lhe são muito próprias e até únicas. Uma delas é ser uma pessoa da escuta atenta e silenciosa, sem perder tempo em comentários inúteis. Até na maneira de escrever evitava os adjectivos, qualificando-os de subjetivos. Era uma pessoa da palavra substantiva e substancial: sujeito, predicado e complementos. Os seus colegas do tempo de seminário por vezes desafiavam-no a dizer uma palavra e ele, no seu humor fino e seco, repetia simplesmente: uma palavra. Mas deixava os outros exprimirem-se, escutando-os e desse modo ajudava mais do que se pode pensar.
Como bispo emérito, a ocupar o mesmo quarto e gabinete desde 1983, foi arrumando a sua escrita, passando para o arquivo diocesano aquilo que julgava oportuno, mas sempre lendo, estudando, escrevendo e rezando, num ritmo diário que poderíamos qualificar de monástico. Pontualíssimo em todos os actos, ultimamente seguindo um relógio electrónico, que ele acertava ao segundo exacto pelo noticiário da rádio renascença. Uns segundos antes da hora lá estava ele pronto para iniciar o ato do programa diário. Mesmo quando me acompanhava nas viagens, à hora marcada lá estava junto do carro, à espera que eu chegasse e entrasse.
Morreu como viveu: sereno, com tudo arrumado e orientado. Na carta que tinha junto ao testamento, uma para o bispo e outra para a família, escrita a 25 de Julho de 2009, com o título de Minhas últimas vontades em complemento do Testamento, dizia o que deixava à diocese do seu espólio pessoal e o que pertencia à família, mencionando onde se encontrava, deixando ao critério do bispo o destino a dar aos dossier’s das pessoas que ele acompanhou espiritual e materialmente e pedindo para enviar a estas um último donativo da sua conta pessoal no banco, com a notícia da sua morte e o pedido de orações pelo seu descanso eterno. E transcrevia os endereços dessas pessoas.
À diocese de Beja deixou tudo, os seus avultados bens, ainda em sociedade com os seus irmãos, que, eles também desprendidos e amigos de fazer o bem, cumprem sem hesitação. Mas, mais que tudo, deu-se todo até ao último dia. Por isso, não fazemos mais que a nossa obrigação, manifestando publicamente a nossa gratidão a D. Manuel e ao Senhor, pela vida deste grande homem de Deus e do povo. Que viva para sempre junto de Deus e na nossa memória agradecida.
A Páscoa de D. Manuel e a nossa
A Paixão, morte e ressurreição de Cristo constituem o mistério da Páscoa de Jesus, cuja celebração nós preparamos com o tempo de Quaresma e depois prolongamos na alegria do tempo pascal até ao Pentecostes. Olhando para Jesus Cristo na sua entrega e dom da vida por nosso amor e nossa salvação, vamos conformando a nossa vida à d’Ele, fazendo também a nossa passagem do homem terreno para o homem celeste, através do mistério do sofrimento e da morte.
D. Manuel Falcão já fez a sua passagem definitiva. Não precisou de mais uma Quaresma de preparação, pois morreu na véspera de quarta-feira de cinzas. Mas a sua Páscoa começou na sua infância, no seu baptismo e teve um tempo duro de paixão a partir da sexta-feira santa de 2004, quando teve uma grave crise de saúde, com paragens renais e cardíacas, que o tornaram dependente da hemodiálise, a que esteve sujeito até à véspera da sua morte, que ele pressentia para breve e para a qual estava preparado, qual manso cordeiro.
Nesta primeira Páscoa sem a sua presença física entre nós invocámo-lo e pedimos a sua intercessão junto de Deus, para que também nós nos preparemos para a nossa Páscoa. Como seu sucessor na diocese de Beja desejo a todos alegre e feliz Páscoa.

† António Vitalino, Bispo de Beja, 5 de Abril de 2012



O Silêncio na Comunicação




Na Quaresma temos oportunidade de renascer, de nos convertermos à autenticidade e simplicidade, num frente a frente com a verdade do nosso ser.
Na Quaresma o Papa com os seus colaboradores na Cúria romana, os bispos, o clero, os movimentos e serviços da Igreja costumam fazer uns dias de retiro, de reflexão e oração em silêncio, em lugares recolhidos. Vivemos num mundo de grande ruído, palavreado, conversas fiadas, entretenimentos para passar o tempo, discussões em família, na rua, no trabalho, nos areópagos da política, nos mercados financeiros e económicos, nos meios de comunicação, etc., etc.
Precisamos todos de silêncio, para mantermos a saúde física, mental e espiritual. Muitos esquecem-se de que a comunicação começa pela escuta, pela atenção, pela admiração, pela contemplação. Até mesmo a oração é, em primeiro lugar, escuta em silêncio. Por isso vou tentar nesta breve nota realçar o valor desta faceta na comunicação na relação dos homens entre si e com Deus, no caso dos que têm fé.
1. Aprendizes da escuta
Ninguém nasce ensinado. Todos precisamos de aprender. Mas parece que alguns sabem tudo ou presumem saber. Por isso muitas vezes se enganam. A atenção, o estudo, a humildade são fundamentais para a comunicação e para a aprendizagem da vida e de qualquer profissão.
Mesmo os políticos, pessoas adultas, poderiam exercitar mais estas virtudes. No confronto com a complexidade dos problemas ficar-lhes-ia bem reconhecer que se enganaram quando na propaganda eleitoral criticaram os outros e prometeram mundos e fundos. O povo perdeu a confiança nos líderes políticos, porque muitas vezes se contradizem e nunca o querem admitir.
A pedagogia do filósofo Sócrates continua a ser uma grande escola. A maiêutica ou arte de ajudar a nascer a verdade nos discípulos, envolvendo-os na busca, com perguntas de parte a parte, silêncios de escuta também, é um método de grande importância para a comunicação e para o entendimento entre as pessoas. Esta atitude é também recomendada em momentos importantes da revelação bíblica, quando os patriarcas e os profetas dizem ao povo para escutar o que Deus lhes quer dizer, também relembrando toda a sua história.
Atitude aplicável, também, na missão da Igreja, como podemos constatar pelas narrativas evangélicas. Jesus respondia muitas vezes aos seus interlocutores com uma nova pergunta e, caso a resposta fosse sincera, rematava que responderam bem e não estavam longe do seu reino (cf Mc 12, 34). Quando as perguntas eram apenas ciladas e não desejo de saber a verdade, Jesus, muitas vezes, respondia com o silêncio ou então com um dilema, para fazer pensar.
2. A oração no silêncio
Como referi na última nota, em momentos importantes e decisivos da sua vida Jesus recolhia-se e rezava, para que conhecesse a vontade do Pai, se conformasse com ela e a pusesse em prática.
Além da oração no jardim das oliveiras, antes de ser preso, muitas vezes Jesus retira-se para um lugar ermo ou para um monte alto, onde permanece em oração durante a noite. A oração antes da escolha dos discípulos, a oração sacerdotal, a transfiguração, o elevar dos olhos ao céu ou a invocação do Pai antes dos milagres são disso testemunho.
E quando a pedido dos discípulos lhes ensina o Pai Nosso, ele recomenda para não usarem muitas palavras como os pagãos, mas para se retirarem no silêncio do seu quarto, a sós e aí invocarem a Deus, sem repetições de palavras (cf Mt 6, 5 ss). O cobrador de impostos que, ao fundo do templo, apenas dizia: ó Deus, tem piedade de mim que sou pecador (Lc 18, 13), e por isso voltou justificado para sua casa, ao contrário do fariseu que, altivo, apenas se auto elogiava, julgando-se melhor que os outros e saiu do templo mais pecador ainda.
A mensagem de Bento XVI para o dia mundial das comunicações deste ano, que ocorre sempre na festa da Ascensão, tem precisamente por tema a palavra e o silêncio, afirmando que a verdadeira comunicação precisa do silêncio, da escuta, da contemplação. Este mesmo tema desenvolveu na audiência semanal das quartas-feiras, no dia 7 de Março. Vale a pena ler estes dois textos e perguntar-nos como é a nossa comunicação uns com os outros e, na oração, com Deus.
A verdade e o amor não precisam de muitas palavras, mas de simplicidade, transparência e coerência. Se isto se aplicasse nas relações entre os homens e nos tribunais, depressa a verdade viria ao de cima, a justiça seria mais célere e dispensar-se-ia a multidão de testemunhas, de palavreado e de papéis. Mas andamos longe das recomendações evangélicas e do Reino de Jesus Cristo. Na Quaresma temos oportunidade de renascer, de nos convertermos à autenticidade e simplicidade, num frente a frente com a verdade do nosso ser.
+ António Vitalino, Bispo de Beja – 23 Março 2012



A propósito da seca em Portugal
Relacionar-se e cultivar a relação



Estamos em tempo de Quaresma e a sofrer uma grande seca. Há muitas semanas que a terra não recebe umas pingas de chuva. Os campos e montados estão secos e o gado tem de ser alimentado com rações, o que torna a produção agrícola difícil para a maioria dos agricultores.
Já se ouvem pedidos de subsídios da política agrícola europeia. A ministra já formulou o pedido, segundo alguns um pouco tarde. Não é a primeira vez que isto acontece. Esperemos que a seca não seja tão prolongada e calcinante como em 2005, apesar de presentemente a distribuição da água do Alqueva já chegue a certas partes do território.
Mas não teremos outros recursos?
Noutros tempos já se teriam levantado súplicas ao céu a implorar a graça da chuva. Parece que os crentes não se fazem ouvir e a maioria da população não acredita na providência divina, mas somente na previdência de Bruxelas.
Afinal as recomendações de Jesus no evangelho e de Nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima, pedindo oração e sacrifícios pela conversão dos pecadores e pela paz no mundo não encontram eco nos nossos ouvidos. Os europeus não querem Deus e muito menos o Deus revelado em Jesus Cristo, nem na Constituição europeia nem nos seus hábitos e comportamentos.
Mas tudo dependerá apenas da natureza e do acaso, ou haverá a possibilidade de alguma intervenção divina no percurso da nossa história?

1. Pedi e dar-se-vos-á, batei e abrir-se-vos-á

Jesus no Evangelho recomenda-nos para bater à porta e pedir. Ele mesmo disso deu exemplo em relação ao Pai e, instado pelos discípulos, ensinou-lhes o Pai Nosso como modelo de oração (Lc 11, 1ss). Depois de na primeira parte se invocar e louvar a Deus e o seu Reino, na segunda parte fala-se da nossa relação com este mundo e os nossos semelhantes. Começa-se logo por pedir o pão nosso de cada dia, o pão para todos e não apenas para mim, para que todos possamos viver dignamente. Mas não basta repetir as palavras. É preciso rezá-las, com frequência e intensamente. Este pão não cai do céu, mas sem a bênção do alto não se multiplica, de modo a chegar para todos.
A chuva é também uma expressão dessa bênção. Algumas pessoas ainda falam da ajuda de S. Pedro, mas parece que com pouca convicção.
Quem tem fé e acredita em Deus como nos foi dado a conhecer por Jesus Cristo, não pode ficar mudo perante as necessidades dos seus irmãos. Embora o primeiro efeito da oração seja conformar a nossa vontade com a de Deus e adquirir uma confiança profunda no poder de Deus e com isso despertar energias e capacidades adormecidas, para enfrentar com serenidade as dificuldades e sofrimentos da vida. Isto não é resignação, mas reforço da capacidade de superação dos obstáculos.

2. Tudo posso naquele que me conforta

A oração cristã transforma a nossa vida e contribui para fortalecer a esperança própria e das pessoas com quem vivemos. Na vida de Jesus constatamos que ele se recolhia e rezava até suar sangue nos momentos mais importantes e difíceis da vida. Antes de ser preso no horto das oliveiras ela rezava ao Pai, dizendo: Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. No entanto não se faça a minha vontade, mas a tua (Lc 22, 42). Logo a seguir ele vai ao encontro dos inimigos e, sem resistência, entrega-se.
Todos ficam surpreendidos com a sua coragem e decisão. E S. Paulo, depois de muitas tribulações e perigos, escreve: tudo posso naquele que me conforta (2 Cor 1, 4 ss). E ainda: Deus vem em auxílio da nossa fraqueza (Rom 8, 28).
Outros testemunhos de pessoas do nosso tempo poderíamos aqui aduzir, por exemplo, o de S. Maximiliano Kolbe, que nos campos de concentração nazi se entrega à morte para salvar um pai de família das câmaras de gás.
Os cristãos recebem os dons da fé, da esperança e da caridade para serem testemunhas credíveis diante dos homens, num tempo em que a humanidade parece desnorteada e sem esperança. Somos chamados e enviados a anunciar a boa nova, a consolar os tristes, a fortalecer os desanimados, pois sabemos em quem pusemos a nossa esperança.
Mas este serviço ou ministério não o conseguiremos desempenhar, se não abrirmos o nosso coração e a nossa boca num diálogo de amor, de amizade e de confiança em Deus.
Isto é oração, história de amizade com Deus, como diz Santa Teresa de Jesus. Sem oração não conseguiremos desempenhar a nossa missão e também nós próprios desanimaremos. A Quaresma é também tempo propício para, no silêncio do nosso quarto, sem televisão ou internet, exercitarmos este diálogo.

† António Vitalino, Bispo de Beja, 16 de Março - 2012



Princípios da Doutrina Social da Igreja



Anualmente, por altura do mês de Janeiro, o clero das três dioceses do sul, Algarve, Beja e Évora, realiza jornadas de formação permanente, subordinadas a algum tema com maior incidência na vida da Igreja e da sociedade na actualidade. Desta vez tiveram lugar em Beja, tendo como tema a doutrina social da Igreja como contributo de solução para a crise que o mundo atravessa.

Orientados por bons mestres a nível nacional e internacional, ficámos mais esclarecidos sobre a riqueza deste tesouro, que, desde o século XIX, tem vindo a ser mais enriquecido, não apenas a partir da reflexão evangélica, mas também tendo em conta a rápida evolução social, política e económica do nosso mundo. Para constatar isso, basta ler as grandes encíclicas sociais a partir da Rerum Novarum do Papa Leão XIII até Bento XVI e alguns documentos do Concílio Vaticano II, sobretudo a Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo, assim como alguns outros documentos de conferências episcopais e livros de grandes pensadores da Igreja.

Nesta breve nota não há espaço para apontar todos os tópicos abordados nos 4 dias de formação, mas quero relembrar apenas os princípios da doutrina social da Igreja, que, se fossem tidos em conta nas políticas sociais, económicas e financeiras, não teríamos chegado à presente situação. Relembro-os, porque nos podem ajudar a corrigir o rumo da nossa convivência em sociedade.

Em primeiro lugar, tem de ser respeitada a dignidade da pessoa humana. Tudo o que a degrade deve ser evitado, e implementado o que a promova. Não entro em pormenores, mas todos percebem que há muito a corrigir.

Em segundo lugar, temos o princípio do bem comum, pois a pessoa humana só pode desenvolver-se plenamente em sociedade, desde a família até às organizações sociais mais complexas, como é o mundo global em que vivemos. Não podemos pensar apenas no bem comum dos pequenos grupos, mas no da comunidade internacional, no bem de toda a humanidade. Quantas injustiças e desigualdades entre as pessoas e os povos devido ao egoísmo de alguns e das políticas mundiais!

Em terceiro lugar é muito importante para a realização digna das pessoas e grupos o princípio da subsidiariedade, ou seja, apoiar as potencialidades das pessoas e dos grupos intermédios da sociedade. As ditaduras, sejam do capital ou dos governos, contrariam este princípio. Para além de retirar a responsabilidade às pessoas, o que vai contra a sua dignidade, também desmotiva os grupos sociais e empobrece a sociedade.

Em quarto lugar, temos o princípio da solidariedade e da fraternidade, que nos fala da atenção aos mais fracos e necessitados, de modo que ninguém seja excluído do bem social. Os cristãos sabem que a caridade, o amor ao próximo, seguindo o exemplo de Cristo, impele à realização deste princípio. Mas a própria justiça social nos obriga a viver nesta atenção aos mais débeis. Para ajudar a realizar este princípio todos os estados devem desenvolver políticas sociais adequadas, mas também a sociedade civil. As instituições sociais são disso exemplo. É no interesse dos próprios Estados o apoio a estas instituições, sobretudo em tempo de crise, até mesmo para se realizar do melhor modo todos os anteriores princípios.

Estes são os quatro pilares da doutrina social da Igreja. Mas todos eles pressupõem um outro princípio fundamental e que anda muito esquecido: o destino universal dos bens da terra e o respeito pela criação, a pessoa humana e a natureza.

Se pensarmos que os bens da criação são apenas de alguns, ou de uns mais que de outros, ou que todos os meios para adquirir riqueza são permitidos, sem atenção a toda a humanidade e às gerações vindouras, dificilmente encontraremos um rumo para a convivência pacífica e digna de todas as pessoas e povos.

Deixo estes princípios, para reflexão e meditação dos nossos comportamentos pessoais e colectivos. Deles derivam os diversos direitos e deveres das pessoas e organizações sociais. Mas não podemos apontar apenas os erros dos outros. Comecemos por nós, com o nosso exemplo.


Beja, 31 de Janeiro  de 2012
† António Vitalino,
Bispo de Beja

A magia do sonho e a luz para o caminho

Os cristãos terminam o ano civil e começam o novo imersos na alegria e simplicidade da quadra natalícia.

O nascimento de uma criança numa gruta de pastores, que afinal é o Messias, o Salvador prometido, os anjos cantando a glória de Deus, a família de Nazaré e a da prima Isabel com Zacarias e João Batista, o rei Herodes e a narrativa dos sábios do oriente, conhecida como história dos reis magos, os seus presentes simbólicos, ouro, incenso e mirra, entregues ao menino de Belém, os cantares natalícios e das janeiras, no Alentejo o Cante ao Menino, tudo isto enche este tempo de uma magia especial, que nos faz sonhar de novo uma vida bela, repleta de luz, de cor e do amor espelhado na atenção e veneração dos adultos para com as crianças.

Sinto pena de quem não pode sentir e sonhar da mesma maneira, pois o sonho alimenta a vida, como alguém canta, fortalece a esperança e ilumina o caminho da humanidade à procura da felicidade, da realização plena. Mesmo que sejam menos exuberantes as iluminações natalícias por causa da crise energética e económica, a luz da fé continua a brilhar e a apontar-nos o caminho.

Ouvindo a narrativa dos reis magos, que em Jerusalém deixaram de ver a estrela e por isso se dirigiram ao palácio de Herodes, que, empertigado pela ameaça ao seu poder, reuniu os sacerdotes e escribas da corte, senti-me na pele destes personagens, movidos por ideais e atitudes contrárias e perguntei-me: porque uns procuram, se põem a caminho e os de casa não se interessam, estão instalados e adormecidos?

Os sábios voltaram a ver a estrela, encontraram um menino envolto em palhas e adoraram-no, voltando depois para suas terras por outros caminhos, cheios de alegria e esperança, enquanto Herodes, fica no seu palácio, frustrado, maquina a morte e a vingança.

Partilhando estas histórias e pensamentos em ambientes diferentes, entre presos e em comunidades paroquiais, percebi que precisamos de alimentar a nossa vida com o sonho e a esperança, purificar o nosso olhar, para descobrir a luz de Deus nas crianças, nos pobres, nos marginalizados dos poderes deste mundo. Se o fizermos, vamos descobrir caminhos novos para nós e a humanidade, que nos ajudarão a vencer as crises, cujas raízes estão no coração ambicioso de muitos, que excluem Deus do seu horizonte.

Quem procura, de coração sincero, movido pelo amor à verdade, à justiça, à fraternidade, à família, encontra a luz para o caminho da vida. Quem se instala, adormece ou nutre ambição de poder e de domínio sobre o seu semelhante, deixa de sonhar e ver a luz. Mas será que todos os cristãos ainda sonham um mundo melhor, alimentam a sua esperança e a dos seus semelhantes, iluminando os caminhos da vida? Parece-me que muitos esconderam a luz da fé debaixo do alqueire ou fecharam-na num esconderijo da casa.
Precisamos de alimentar os nossos sonhos e iluminar a nossa esperança com a Palavra de Deus e partilhá-la no diálogo inter-geracional e na missão eclesial, para que haja luz para a vida do mundo.

Neste sentido, no dia 21, em Santiago do Cacém, iremos reunir os animadores da missão e das assembleias familiares, para prepararmos o relançamento das missões. Temos um manancial de alimento para partilhar a luz e alimentar a esperança.

Vamos levantar-nos do sono, procurar e caminhar, pois quem busca encontra.
Até para a semana, se Deus quiser.

António Vitalino,
Bispo de Beja


A paz, o futuro e os jovens

Na passagem de ano muitos desejos foram expressos, quase todos ao nível da realização económica, profissional e da saúde, poucos apontando para dimensões mais transcendentes, para as relações profundas da pessoa humana. É precisamente por aí que começa e termina a mensagem do Papa para o dia mundial da paz, que desde 1968 se celebra no primeiro dia do ano civil. Bento XVI convida-nos a levantar os olhos para o alto, de onde nos virá o auxílio. Exorta-nos a suspirar pela luz que vem das alturas, como a sentinela espera pela aurora. Sem esta luz dificilmente encontraremos o sentido da vida humana e do mundo.

Referindo-se à frustração reinante por causa da crise que aflige a sociedade, o mundo do trabalho e a economia, o Papa alude às suas raizes profundas, primariamente culturais e antropológicas. Nesta escuridão de sentido o coração humano anseia pela aurora. Isto nota-se particularmente nos jovens, que não é a geração rasca ou do vazio, mas a indignada perante uma sociedade sem valores. Por isso Bento XVI dirige esta primeira mensagem do ano aos jovens, que podem oferecer um valioso contributo à sociedade para encontrar rumo e sentido, dando uma nova esperança ao mundo. “A Igreja olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum”, a descobrirem novas perspetivas sobre a vida e o mundo.

Este novo olhar dos jovens exige dos adultos, dos educadores e da família novas pedagogias, uma relação de amor, em que cada interveniente pôe o outro em primeiro lugar, numa atitude de respeito pela dignidade da pessoa, de abertura e de testemunho das próprias convicções e saberes. “É na família que se aprendem a solidariedade entre as gerações, o respeito pelas regras, o perdão e o acolhimento. Esta é a primeira escola, onde se educa para a justiça e a paz”.
À luz destes princípios os adultos e as instituições sociais, culturais e políticas, e também as religiosas, têm muito a rever na sua pedagogia, no seu testemunho e até mesmo pedir desculpa às novas gerações pelo nosso desinteresse, para não dizer esquecimento ou negação, pela verdade, pela justiça, pela solidariedade, pelo bem comum, pelos valores transcendentes e espirituais. As atitudes materialistas, egoistas e relativistas dos adultos projetaram muitas sombras e trevas nos horizontes das novas gerações. Mas o coração do ser humano, sobretudo o do jovem, dificilmente se deixa abafar.

Por isso o bem-aventurado Papa João Paulo II dizia em 1982, no Parque Eduardo VII, que os jovens têm uma certa conaturalidade com Cristo, pois são mais sensíveis aos verdadeiros valores. A experiência de Santo Agostinho continua a ser feita por muitos jovens, quando descobrem a beleza do amor de Deus e a fugacidade e mentira das atrações mundanas.

Também Bento XVI manifesta uma grande confiança nos jovens, dizendo que são um dom precioso para a sociedade, exortando-os a não se deixar invadir pelo desânimo nem abandonar-se a falsas soluções, mas deixando-se fascinar pela verdade, beleza e amor verdadeiro, tornando-se assim também um exemplo e estímulo para os adultos.

Enfim, unindo as nossas forças espirituais, morais e materiais, conseguiremos alcançar a meta de um mundo com rosto mais humano, fraterno, justo, pacífico e solidário, onde dá gosto viver, sempre peregrinos do além, que está em Deus, tornado visível no Menino que nos foi dado, nascido em Belém, o Emanuel, Deus connosco, Jesus, o Salvador.

Para todos os meus votos de um ano de paz, repleto das bênçaos de Deus e de um futuro de maior esperança, em sintonia com todas as gerações, a começar pela família.

† António Vitalino,
Bispo de Beja